1ª VRP|SP: Dúvida – Registro de Imóveis – Escritura Pública de Inventário e Partilha – Utilização do valor de IPTU para a base de cálculo – Exigência do valor venal de referência – A fiscalização devida não vai além da aferição sobre a existência ou não do recolhimento do tributo – O recolhimento do imposto com base no valor venal para fins de IPTU ao tempo do óbito não implica flagrante irregularidade – Dúvida improcedente.
SENTENÇA
Processo Digital nº: 1076863-68.2023.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Suscitante: 13º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo
Suscitado: Andre Victor Bascarotto Stella
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo Interino do 13º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de André Victor Bascarotto Stella diante da negativa de registro de escritura pública de inventário e partilha dos bens deixados por Maria do Rosário Yolanda Marin, a qual foi lavrada pelo 2º Tabelião de Notas de Birigui/SP em 09 de março de 2023 e envolve os imóveis das matrículas n. 6.419 (apartamento) e 6.420 (vaga de garagem) daquela serventia (prenotação n. 376.383).
O Interino informa que a recusa foi motivada por incorreção no recolhimento do ITCMD, que foi calculado a partir do valor venal dos imóveis, pelo que exigida complementação com base no valor venal de referência na data do óbito nos termos do Decreto n. 55.002/09; que a lei impõe aos registradores fiscalização rigorosa quanto ao recolhimento de impostos devidos sob pena de responsabilização pessoal.
Documentos vieram às fls. 04/50.
Em manifestação dirigida ao Interino e em impugnação, a parte suscitada aduz, preliminarmente, que é representante dos herdeiros da de cujus, pelo que necessária a retificação do polo passivo para retirada de seu nome e inclusão dos requerentes do registro. No mérito, alega que o parâmetro deve ser admitido conforme orientação jurisprudencial, não podendo o registrador questionar a correção do valor; que esta 1ª Vara de Registros Públicos já decidiu nesse sentido em casos análogos (processos de autos n. 1115167-78.2019.8.26.0100, 1116491-06.2019.8.26.0100 e 1059178-53.2020.8.26.0100); que a utilização do valor venal do imóvel como base de cálculo do ITCMD não se mostra flagrantemente incorreta, notadamente porque o órgão especial do Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu a impossibilidade de se utilizar o valor venal de referência como base de cálculo do ITBI (Incidente de Inconstitucionalidade n. 0056693-19.2014.8.26.0000), de modo que o valor venal de referência também não pode servir como base de cálculo para o ITCMD (fls. 07/10 e 51/55). Juntou documentos às fls. 56/65.
O Ministério Público opinou pela improcedência (fls. 68/70).
É o relatório.
Fundamento e decido.
De início, observo que André Victor Bascarotto Stella é representante da parte suscitada, pelo que sua exclusão do polo passivo é medida de rigor (fls. 56 e 61). Os suscitados, na verdade, são Luiz Carlos Marin Cardoso e Cintia Maria Cardoso, interessados no registro (fls. 51/52).
Neste contexto, prioridade de tramitação deve ser observada (fls. 51, 57 e 62), com afixação da tarja correspondente.
No mérito, a dúvida improcede. Vejamos os motivos.
Sabe-se que vigora, para os registradores, ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (art. 289 da Lei n. 6.015/73; art. 134, VI, do CTN e art. 30, XI, da Lei n. 8.935/1994).
Por outro lado, o C. Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a fiscalização devida não vai além da aferição sobre a existência ou não do recolhimento do tributo (e não se houve correto recolhimento do valor, sendo tal atribuição exclusiva do ente fiscal, a não ser na hipótese de flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo):
“Ao oficial de registro incumbe a verificação de recolhimento de tributos relativos aos atos praticados, não a sua exatidão” (Apelação Cível 20522-0/9- CSMSP – J.19.04.1995 – Rel. Antônio Carlos Alves Braga).
“Todavia, este Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a qualificação feita pelo Oficial Registrador não vai além da aferição sobre a existência ou não de recolhimento do tributo, e não sobre a integralidade de seu valor” (Apelação Cível 996-6/6 CSMSP, j. 09.12.2008 – Rel. Ruy Camilo).
“Este Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a qualificação feita pelo Oficial Registrador não vai além da aferição sobre a existência ou não de recolhimento do tributo, e não sobre a integralidade de seu valor” (Apelação Cível 0009480- 97.2013.8.26.0114 Campinas – j. 02.09.2014 – Rel. des. Elliot Akel).
O recolhimento do imposto com base no valor venal para fins de IPTU ao tempo do óbito não implica flagrante irregularidade à vista do que dispõe a Lei n. 10.705/00 (a base de cálculo do ITCMD é o valor venal do bem indicado pelo valor de mercado, desde que não inferior àquele fixado para lançamento do IPTU):
“Artigo 9º – A base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito transmitido, expresso em moeda nacional ou em UFESPs (Unidades Fiscais do Estado de São Paulo).
§ 1º – Para os fins de que trata esta lei, considera-se valor venal o valor de mercado do bem ou direito na data da abertura da sucessão ou da realização do ato ou contrato de doação. (…)
Artigo 11 – Não concordando a Fazenda com valor declarado ou atribuído a bem ou direito do espólio, instaurar-se-á o respectivo procedimento administrativo de arbitramento da base de cálculo, para fins de lançamento e notificação do contribuinte, que poderá impugnálo.
(…)
Artigo 13 – No caso de imóvel, o valor da base de cálculo não será inferior:
I – em se tratando de imóvel urbano ou direito a ele relativo, ao fixado para o lançamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana IPTU”.
A parte entende ter recolhido o imposto devido corretamente à vista do julgamento de Incidente de Inconstitucionalidade, no qual o órgão especial do Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu a impossibilidade de se utilizar o valor venal de referência como base de cálculo do ITBI, com a seguinte ementa (destaque nosso):
“INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE Artigo 7º da Lei nº 11.154, de 30 de dezembro de 1991, com a redação dada pelas Leis nºs 14.125, de 29 de dezembro de 2005, e 14.256, de 29 de dezembro de 2006, todas do Município de São Paulo, que estabelece o valor pelo qual o bem ou direito é negociado à vista, em condições normais de mercado, como a base de cálculo do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) Acórdão que, a despeito de não manifestar de forma expressa, implicitamente também questionou as disposições dos artigos 7º-A, 7º-B e 12 da mesma legislação municipal Valor venal atribuído ao imóvel para apuração do ITBI que não se confunde necessariamente com aquele utilizado para lançamento do IPTU Precedentes do STJ Previsão contida no aludido artigo 7º que, nessa linha, não representa afronta ao princípio da legalidade, haja vista que, como regra, a apuração do imposto deve ser feita com base no valor do negócio jurídico realizado, tendo em consideração as declarações prestadas pelo próprio contribuinte, o que, em princípio, espelharia o “real valor de mercado do imóvel” “Valor venal de referência”, todavia, que deve servir ao Município apenas como parâmetro de verificação da compatibilidade do preço declarado de venda, não podendo se prestar para a prévia fixação da base de cálculo do ITBI Impossibilidade, outrossim, de se impor ao sujeito passivo do imposto, desde logo, a adoção da tabela realizada pelo Município Imposto municipal em causa que está sujeito ao lançamento por homologação, cabendo ao próprio contribuinte antecipar o recolhimento Arbitramento administrativo que é providência excepcional, da qual o Município somente pode lançar mão na hipótese de ser constatada a incorreção ou falsidade na documentação comprobatória do negócio jurídico tributável Providência que, de toda sorte, depende sempre da prévia instauração do pertinente procedimento administrativo, na forma do artigo 148 do Código Tributário Nacional, sob pena de restar caracterizado o lançamento de ofício da exação, ao qual o ITBI não se submete Artigos 7º-A e 7º-B que, nesse passo, subvertem o procedimento estabelecido na legislação complementar tributária, em afronta ao princípio da legalidade estrita, inserido no artigo 150, inciso I, da Constituição Federal Inadmissibilidade, ainda, de se exigir o recolhimento antecipado do tributo, nos moldes estabelecidos no artigo 12 da Lei Municipal nº 11.154/91, por representar violação ao preceito do artigo 156, inciso II, da Constituição Federal Registro imobiliário que é constitutivo da propriedade, não tendo efeito meramente regularizador e publicitário, razão pela qual deve ser tomado como fato gerador do ITBI Regime constitucional da substituição tributária, previsto no artigo 150, § 7º, da Constituição Federal, que nem tem lugar na espécie, haja vista que não se cuida de norma que autoriza a antecipação da exigibilidade do imposto de forma irrestrita Arguição acolhida para o fim de pronunciar a inconstitucionalidade dos artigos 7º-A, 7º-B e 12, da Lei nº 11.154/91, do Município de São Paulo” (TJSP; Incidente De Arguição de Inconstitucionalidade Cível 0056693-19.2014.8.26.0000; Relator (a): Paulo Dimas Mascaretti; Órgão Julgador: Órgão Especial; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 12ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 25/03/2015; Data de Registro: 23/04/2015).
Consequentemente, o valor venal de referência também não pode servir como base de cálculo para o ITCMD.
Note-se que a escritura foi lavrada em março de 2023 (fls. 11/16), sendo que o valor venal do apartamento e da vaga de garagem para o cálculo do IPTU no exercício fiscal de 2022, ano do óbito, foi de R$ 311.419,00 e R$ 74.384,00, respectivamente (fls. 47/48).
Considerando que a partilha envolveu somente uma quinta parte ideal dos imóveis (fls. 12/13, 17/23 e 24/30), o valor proporcional utilizado no cálculo foi de R$ 62.283,80 e R$ 14.876,80, respectivamente (fls. 35 e 38).
Vê-se, assim, que houve recolhimento do tributo devido sem flagrante irregularidade, de modo que eventual diferença, inclusive aquela decorrente de falta de atualização da base de cálculo, deve ser discutida na via adequada, que não esta.
Não subsiste, em consequência, o óbice.
Neste sentido decidiu, em caso análogo, o E. Conselho Superior da Magistratura:
“Registro de Imóveis Dúvida Escritura pública de doação imposto sobre transmissão (ITCMD) Qualificação negativa do título, sob o fundamento de irregularidade na base de cálculo do recolhimento do imposto Dever de fiscalização do Oficial que se limita à existência do recolhimento do imposto, ou eventual isenção Discussão sobre a base de cálculo utilizada que extrapola as atribuições do registrador Óbice afastado para determinar o registro do título Dá-se provimento à apelação” (CSM Apelação n. 1002131-81.2021.8.26.0587 Rel. Corregedor Geral da Justiça Des. Ricardo Anafe j. 14.12.2021).
Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida e determino o registro do título. Regularize-se o polo passivo, excluindo-se André Victor Bascarotto Stella e incluindo-se Luiz Carlos Marin Cardoso e Cintia Maria Cardoso (fls. 51/52), com afixação da tarja de prioridade.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe.
P.R.I.C.
São Paulo, 30 de junho de 2023.
Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad
Juíza de Direito
(DJe de 04.07.2023 – SP)