1ª VRP|SP: Dúvida – Registro de Imóveis – Formal de partilha – Imóvel alienado fiduciariamente – Anuência do credor – Necessidade – Dúvida procedente.
SENTENÇA
Processo Digital nº: 1066883-97.2023.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Requerente: Roberto Kui
Requerido: Primeiro Oficial de Registro de Imóveis
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad
Vistos.
Trata-se de dúvida inversa suscitada por Roberto Kui em face do Oficial do 1º Registro de Imóveis da Capital após negativa de registro de formal de partilha extraído de ação de divórcio (processo de autos n. 1003691-69.2018.8.26.0100, 11ª Vara de Família e Sucessões do Foro Central), na qual se resolveu pela partilha dos direitos que recaem sobre o imóvel da matrícula n.113.641 daquela serventia.
A parte informa que foram exigidas comprovação do recolhimento do ITCMD e anuência do credor fiduciário; que não vislumbra hipótese de incidência tributária, mas ainda assim providenciou guia de isenção e recolheu ITCMD sobre 50% do valor do imóvel, uma vez que já era proprietária da outra metade; que houve exigência de recolhimento integral; que o credor fiduciário negou anuência.
Documentos vieram às fls. 12/42.
O feito foi recebido como dúvida e, diante do decurso da validade da última prenotação, determinou-se reapresentação do título à serventia extrajudicial (fls.43/44).
Com o atendimento, o Oficial prestou informações às fls.52/55, confirmando a reapresentação do título sob prenotação n.433.899 e esclarecendo que reiterou a exigência pela anuência do credor fiduciário, notadamente porque se encontra prenotado, sob n.430.287, procedimento de execução extrajudicial requerido pelo credor fiduciário, com a finalidade de intimação dos devedores para pagamento das parcelas em atraso, o que ainda não foi possível realizar nos endereços informados, apesar de diversas tentativas. Diante da oportunidade, apresentou notificação e planilha de projeção da dívida, requerendo cientificação para efeito de purgação da mora. Juntou documentos às fls.56/114.
O Ministério Público opinou pela manutenção do óbice (fls. 117/119).
É o relatório.
Fundamento e Decido.
De início, vale destacar que os títulos judiciais não estão isentos de qualificação para ingresso no fólio real.
O Egrégio Conselho Superior da Magistratura já decidiu que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n. 413-6/7).
Neste sentido, também a Ap. Cível nº 464-6/9, de São José do Rio Preto:
“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental”.
E, ainda:
“REGISTRO PÚBLICO – ATUAÇÃO DO TITULAR – CARTA DE ADJUDICAÇÃO – DÚVIDA LEVANTADA – CRIME DE DESOBEDIÊNCIA – IMPROPRIEDADE MANIFESTA. O cumprimento do dever imposto pela Lei de Registros Públicos, cogitando-se de deficiência de carta de adjudicação e levantando-se dúvida perante o juízo de direito da vara competente, longe fica de configurar ato passível de enquadramento no artigo 330 do Código Penal – crime de desobediência – pouco importando o acolhimento, sob o ângulo judicial, do que suscitado” (STF, HC 85911 / MG – MINAS GERAIS, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, j. 25/10/2005, Primeira Turma).
Sendo assim, não há dúvidas de que a origem judicial não basta para garantir ingresso automático dos títulos no fólio real, cabendo ao oficial qualificá-los conforme os princípios e as regras que regem a atividade registral.
Em outras palavras, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei (item 117, Cap. XX, NSCGJ):
“Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.
Vale esclarecer, ainda, que, quanto ao recolhimento do ITCMD, houve concordância e atendimento da exigência. Por se tratar de óbice relacionado a prenotações anteriores, já canceladas, não há providência a ser tomada nesta oportunidade.
A única exigência que foi reiterada quando da reapresentação do título por determinação deste juízo é aquela relativa à anuência do credor fiduciário.
No mérito, a dúvida é procedente. Vejamos os motivos.
Embora não tenham sido juntados os termos do acordo de partilha homologado pela sentença copiada à fl.76, de 22 de outubro de 2020, em consulta aos autos digitais da ação de divórcio é possível constatar que, no caso concreto, o casal resolveu por atribuir exclusivamente ao divorciando Roberto os direitos relativos ao apartamento n.91, da rua Flávio de Melo, n.180, o qual havia sido alienado fiduciariamente ao Banco do Brasil em 2013, conforme Registro n.04 da matrícula n.113.641 (fls.16/18). Porém, não houve anuência expressa do credor fiduciário.
A Lei n. 9.514/97, ao tratar da transmissão dos direitos que recaem sobre o imóvel alienado fiduciariamente, estabelece a obrigatoriedade de intervenção do credor fiduciário, assim como o item 232, Cap. XX, das NSCGJ:
“Art. 29. O fiduciante, com anuência expressa do fiduciário, poderá transmitir os direitos de que seja titular sobre o imóvel objeto da alienação fiduciária em garantia, assumindo o adquirente as respectivas obrigações”.
“232. O devedor fiduciante, com anuência expressa do credor fiduciário, poderá transmitir seu direito real de aquisição sobre o imóvel objeto da alienação fiduciária em garantia, assumindo o cessionário adquirente as respectivas obrigações, na condição de novo devedor fiduciante”.
Nota-se, em verdade, que o ex-casal não fez qualquer menção à dívida que recai sobre o imóvel no acordo.
Não resta dúvida, portanto, que, para regularização da divisão dos direitos dos fiduciantes perante o fólio real, haverá necessidade de complementação do título pela anuência expressa do credor fiduciário na forma da lei e, também, em respeito ao princípio da continuidade registral.
Neste sentido se decidiu em casos análogos:
“REGISTRO DE IMÓVEIS Carta de Sentença Partilha de Bens – Dúvida procedente Necessidade de correção do plano de partilha para constar a partilha dos direitos aquisitivos dos fiduciantes e não a partilha do imóvel propriamente dito Indispensabilidade da anuência do credor fiduciário, na forma do art. 29 da Lei 9.514/97 Carta de sentença que deve ser aditada porque o plano de partilha se encontra incompleto Apelação não provida” (CSM Apelação n. 1036558-52.8.26.0100 Des. Pinheiro Franco j. 28.03.2018).
“Registro de Imóveis Carta de sentença Partilha de bem objeto de alienação fiduciária em garantia Resignação parcial Recurso não conhecido Análise das exigências a fim de orientar futura prenotação.
Necessidade de constar no título a porcentagem do bem atribuída a cada um dos ex-companheiros Descabimento Atribuição de quinhões que decorre do título judicial. Anuência da credora fiduciária para a transferência do contrato de alienação fiduciária em garantia Necessidade Inteligência do artigo 29 da Lei nº 9.514/97 e do item 238 do Capítulo XX das Normas de Serviço” (CGJ Processo n. 0011989-18.8.26.0291 Des. Pereira Calças j. 20.04.2016).
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida para manter o óbice registrário. A parte suscitante fica notificada na pessoa de seu patrono, a partir da publicação desta decisão, para pagamento das parcelas do contrato de alienação fiduciária em atraso, na forma de fls. 108 e 109/110.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo.
P.R.I.C.
São Paulo, 03 de julho de 2023.
(DJe de 05.07.2023 – SP)