1ª VRP|SP: Dúvida – Registro de Imóveis – Usucapião extrajudicial – Extinção de condomínio – Injustificável óbice à correta escrituração da transação pelos meios ordinários – Dúvida procedente.

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1077630-09.2023.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: 11º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital do Estado de São Paulo

Suscitado: Marli Antonia de José

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 11º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Marly Antônia de José à vista de indeferimento do pedido de usucapião extrajudicial de fração ideal do imóvel da matrícula n. 167.986 daquela serventia (prenotação n. 1.391.824).

O Oficial esclarece que a parte suscitada é proprietária de 25% do imóvel localizado na rua General Osório n. 2.324, Alto da Boa Vista, 29º Subdistrito – Santo Amaro, São Paulo, enquanto Yolanda Tavares é coproprietária na proporção de 75%; que a parte sustenta exercer posse sobre metade do imóvel, de modo que pretende usucapião de 25%; que, em razão de estar na posse com animus domini de 50% do imóvel, no ano de 2004, sua cunhada e coproprietária, Yolanda Tavares, manifestou interesse em regularizar a situação; que, para tanto, obtiveram junto à municipalidade o desdobro do lote (auto de regularização, nos termos da Lei n. 13.558/2003 – processo administrativo n. 2004-1002145-4, de 03/05/2011), não levado a registro; que a parte invoca a inteligência do artigo 288-A, parágrafo 4º, inciso I, da Lei n. 6.015/73, introduzido pela Lei n. 12.424/2011; que a lei de regularização fundiária, porém, não é aplicável ao caso, porquanto, segundo informou a própria parte, o procedimento de regularização do terreno, com desdobro, já foi levado a efeito (aprovação da Prefeitura do Município de São Paulo).

O Oficial esclarece, ainda, que, considerando que a parte e Yolanda Tavares são coproprietárias do imóvel em sua totalidade, a pretensão de usucapir uma porção de área destacada da parte-ideal da coproprietária esbarra em óbice imposto pelo ordenamento jurídico, já que há instrumentos adequados para divisão do imóvel; que a usucapião não pode servir como atalho para extinção do condomínio; que há a necessidade de contrato de transferência da parte-ideal correspondente a 25% do imóvel pertencente a Yolanda Tavares para a parte ou, então, há que se justificar adequadamente óbice à correta escrituração da transação; que a promoção do desdobro do lote não se mostra suficiente para substituir transferência da propriedade.

Documentos vieram às fls. 07/185.

Em manifestação dirigida ao Oficial (fls. 179/181), a parte suscitada alegou que requerimento foi produzido com todos os documentos necessários; que a usucapião foi negada mesmo diante de posse há mais de dezenove anos e do desdobro; que o óbice carece de fundamentação jurídica e lógica.

O Ministério Público se manifestou pela negativa de prosseguimento do expediente pela via extrajudicial (fls. 192/193).

É o relatório.

Fundamento e decido.

Por primeiro, é importante consignar que a existência de outras vias de tutela não exclui a da usucapião administrativa, a qual segue rito próprio, com regulação pelo artigo 216-A da Lei n. 6.015/73, pelo Provimento n. 65/17 do CNJ e pela Seção XII do Cap. XX das NSCGJ.

Assim, como a parte interessada optou por esta última para alcançar a propriedade do imóvel, a análise deve ser feita dentro de seus requisitos normativos.

No mérito, a dúvida é procedente. Vejamos os motivos.

O que se pretende é o reconhecimento de usucapião extraordinária sobre fração ideal do imóvel localizado na rua General Osório n. 2.324, Alto da Boa Vista, no 29º Subdistrito – Santo Amaro, São Paulo (matrícula n. 167.986).

A matrícula indica que a parte suscitada, Marly Antonia de José, é proprietária de 25% e que Yolanda Tavares é coproprietária na proporção de 75% (fls. 07/11).

A parte alega exercer posse com animus domini de metade do bem há mais de quinze anos, o que é reconhecido pela coproprietária. Por esse motivo, para regularizarem a situação, requereram junto à Prefeitura de São Paulo o desdobro do lote, cujo processo foi concluído em 2011 (processo administrativo n. 2004-1002145-4).

A questão é justamente analisar se possível o reconhecimento da usucapião nesta hipótese.

A doutrina e a jurisprudência têm admitido a possibilidade de que o condômino adquira a propriedade do imóvel comum por usucapião, desde que exerça posse com animus domini, de forma exclusiva e sem oposição sobre parte determinada ou sobre a totalidade do bem.

Neste sentido:

“(…) a posse de um condômino sobre bem imóvel exercida por si mesma, com ânimo de dono, ainda que na qualidade de possuidor indireto, sem nenhuma oposição dos demais coproprietários, nem reivindicação dos frutos e direitos que lhes são inerentes, confere à posse o caráter de ad usucapionem, a legitimar a procedência da usucapião em face dos demais condôminos que resignaram do seu direito sobre o bem, desde que preenchidos os demais requisitos legais” (REsp n.1.840.561/SP).

Contudo, de acordo com o artigo 13, § 2º, do Provimento CNJ n. 65/2017, a via da usucapião somente se justifica quando inviável a escrituração ordinária das transações (destaque nosso):

“Art. 13. Considera-se outorgado o consentimento mencionado no caput do art. 10 deste provimento, dispensada a notificação, quando for apresentado pelo requerente justo título ou instrumento que demonstre a existência de relação jurídica com o titular registral, acompanhado de prova da quitação das obrigações e de certidão do distribuidor cível expedida até trinta dias antes do requerimento que demonstre a inexistência de ação judicial contra o requerente ou contra seus cessionários envolvendo o imóvel usucapiendo.

§ 2º. Em qualquer dos casos, deverá ser justificado o óbice à corretaescrituração das transações para evitar o uso da usucapião como meiode burla dos requisitos legais do sistema notarial e registral e da tributação dos impostos de transmissão incidentes sobre os negócios imobiliários, devendo registrador alertar o requerente e as testemunhas de que a prestação de declaração falsa na referida justificação configurará crime de falsidade, sujeito às penas da lei”.

No presente caso, porém, não se apresentou qualquer óbice efetivo à correta escrituração da transação pelos meios ordinários.

Em verdade, a realização do desdobro junto à municipalidade demonstra que a coproprietária tabular, Yolanda, concorda com a transmissão da propriedade.

Em outros termos, não há disputa quanto à posse alegada nem obstáculo à celebração de negócio jurídico que permita que a cota parte buscada, de 25%, seja alienada pela proprietária à possuidora de fato.

Esta conclusão se reforça pelo fato de a parte suscitada não ter esclarecido nem comprovado efetiva recusa na outorga de escritura definitiva, embora tenha tido oportunidade para tanto.

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida para ratificar o indeferimento do pedido de usucapião extrajudicial uma vez não demonstrado efetivo óbice à correta escrituração da transação pelos meios ordinários.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 30 de junho de 2023.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juiz de Direito (DJe de 05.07.2023 – SP)