1ª VRP|SP: Dúvida – Registro de Imóveis – Escritura de Inventário e Adjudicação – Exigência de complemento do valor do tributo com base no valor venal de referência municipal – Recolhimento do imposto com base no valor venal para fins de IPTU ao tempo do óbito não implica flagrante irregularidade à vista do que dispõe a Lei n. 10.705/00 (a base de cálculo do ITCMD é o valor venal do bem indicado pelo valor de mercado, desde que não inferior àquele fixado para lançamento do IPTU) – Houve recolhimento do tributo devido e não há flagrante irregularidade, eventual diferença, inclusive aquela decorrente de eventual falta de atualização da base de cálculo, deve ser discutida na via adequada, que não esta – Dúvida improcedente.
SENTENÇA
Processo Digital nº: 1077319-18.2023.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Suscitante: 10º Oficial de Registro de Imóveis da Capital
Suscitado: Ana Maria Campiani
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 10º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Ana Maria Campiani diante de negativa de registro de escritura pública de arrolamento e adjudicação dos bens deixados por Anna Pires Campiani, a qual foi lavrada pela Tabeliã de Notas de Barueri/SP e envolve o imóvel da matrícula n. 102.651 daquela serventia.
O Oficial informa que, em 28 de março de 2023, o título foi apresentado e devolvido com exigência pois não houve recolhimento correto do ITCMD, já que utilizada base de cálculo diversa da prevista em lei (valor venal de referência), pelo que necessária complementação (nota de devolução n. 594.602, às fls. 26/27); que a parte reapresentou o título em 30 de março, questionando a exigência e suscitando dúvida caso não houvesse reconsideração, sob o fundamento de que a matéria já estava pacificada pelas decisões proferidas na AC 0023860.85.2011.8.26.0053 e no MS de autos n. 2243516-62.2017.8.26.0000 (TJSP); que não pode desconsiderar, porém, a flagrante irregularidade, notadamente porque a lei impõe aos registradores fiscalização rigorosa quanto ao recolhimento de impostos devidos sob pena de responsabilização pessoal; que o fato de outros registros terem sido feitos em hipóteses fáticas semelhantes a esta não altera o fundamento apresentado para a exigência.
Documentos vieram às fls. 04/28.
Em manifestação perante o Oficial e em impugnação, a parte suscitada aduz que observou parâmetro correto para o recolhimento devido, notadamente à vista da jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo; que o Oficial do 10º Registro de Imóveis já reconsiderou exigência neste sentido em feito análogo e autorizou o registro de escrituras semelhantes sem formular exigência de complementação do tributo recolhido com base no valor venal (fls. 07/10 e 29/32).
O Ministério Público opinou pela improcedência (fls. 36/38).
É o relatório.
Fundamento e decido.
Por primeiro, observo que há evidências de que o Oficial tenha se confundido em suas razões, já que apresenta, em sua inicial, fatos divergentes àqueles constantes dos documentos juntados (fls. 01/03, 07/10 e 26/27). Deverá, portanto, esclarecê-los, providenciando a juntada de eventual documento faltante (nota de devolução n. 598.415), se o caso.
Como possível compreensão inequívoca sobre o título apresentado e sobre a exigência feita, passo ao julgamento.
No mérito, a dúvida improcede. Vejamos os motivos.
Sabe-se que vigora, para os registradores, ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (art. 289 da Lei n.6.015/73; art.134, VI, do CTN e art.30, XI, da Lei 8.935/1994).
Por outro lado, o C. Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a fiscalização devida não vai além da aferição sobre a existência ou não do recolhimento do tributo (e não se houve correto recolhimento do valor, sendo tal atribuição exclusiva do ente fiscal, a não ser na hipótese de flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo):
“Ao oficial de registro incumbe a verificação de recolhimento de tributos relativos aos atos praticados, não a sua exatidão” (Apelação Cível 20522-0/9- CSMSP – J.19.04.1995 – Rel. Antônio Carlos Alves Braga).
“Todavia, este Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a qualificação feita pelo Oficial Registrador não vai além da aferição sobre a existência ou não de recolhimento do tributo, e não sobre a integralidade de seu valor” (Apelação Cível 996-6/6 CSMSP, j. 09.12.2008 – Rel. Ruy Camilo).
“Este Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a qualificação feita pelo Oficial Registrador não vai além da aferição sobre a existência ou não de recolhimento do tributo, e não sobre a integralidade de seu valor” (Apelação Cível 0009480-97.2013.8.26.0114 Campinas – j. 02.09.2014 – Rel. des. Elliot Akel).
O recolhimento do imposto com base no valor venal para fins de IPTU ao tempo do óbito não implica flagrante irregularidade à vista do que dispõe a Lei n. 10.705/00 (a base de cálculo do ITCMD é o valor venal do bem indicado pelo valor de mercado, desde que não inferior àquele fixado para lançamento do IPTU):
“Artigo 9º – A base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito transmitido, expresso em moeda nacional ou em UFESPs (Unidades Fiscais do Estado de São Paulo).
§ 1º – Para os fins de que trata esta lei, considera-se valor venal o valor de mercado do bem ou direito na data da abertura da sucessão ou da realização do ato ou contrato de doação. (…)
Artigo 10 – O valor do bem ou direito na transmissão “causa mortis” é o atribuído na avaliação judicial e homologado pelo Juiz.
§ 1º – Se não couber ou for prescindível a avaliação, o valor será o declarado pelo inventariante, desde que haja expressa anuência da Fazenda, observadas as disposições do artigo 9°, ou o proposto por esta e aceito pelos herdeiros, seguido, em ambos os casos, da homologação judicial.
§ 2º – Na hipótese de avaliação judicial ou administrativa, será considerado o valor do bem ou direito na data da sua realização.
§ 3º – As disposições deste artigo aplicam-se, no que couber, às demais partilhas ou divisões de bens sujeitas a processo judicial das quais resultem atos tributáveis.
Artigo 11 – Não concordando a Fazenda com valor declarado ou atribuído a bem ou direito do espólio, instaurar-se-á o respectivo procedimento administrativo de arbitramento da base de cálculo, para fins de lançamento e notificação do contribuinte, que poderá impugná-lo.
(…)
Artigo 13 – No caso de imóvel, o valor da base de cálculo não será inferior:
I – em se tratando de imóvel urbano ou direito a ele relativo, ao fixado para o lançamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana IPTU”.
A parte, por sua vez, justifica ter recolhido o imposto com base em entendimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça de São Paulo, o qual se coaduna com o parâmetro legal citado acima (valor do imóvel ao tempo da abertura da sucessão IPTU/2021).
Em outros termos, como houve recolhimento do tributo devido e não há flagrante irregularidade, eventual diferença, inclusive aquela decorrente de eventual falta de atualização da base de cálculo, deve ser discutida na via adequada, que não esta.
Não subsiste, em consequência, o óbice.
Neste sentido decidiu, em caso análogo, o E. Conselho Superior da Magistratura:
“Registro de Imóveis Dúvida Escritura pública de doação imposto sobre transmissão (ITCMD) Qualificação negativa do título, sob o fundamento de irregularidade na base de cálculo do recolhimento do imposto Dever de fiscalização do Oficial que se limita à existência do recolhimento do imposto, ou eventual isenção Discussão sobre a base de cálculo utilizada que extrapola as atribuições do registrador Óbice afastado para determinar o registro do título Dá-se provimento à apelação” (CSM Apelação n. 1002131-81.2021.8.26.0587 Rel.
Corregedor Geral da Justiça Des. Ricardo Anafe j. 14.12.2021).
Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida e determino o registro do título.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe.
P.R.I.C.
São Paulo, 06 de julho de 2023.
Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad
Juíza de Direito
(DJe de 10.07.2023 – SP)