CSM|SP: Registro de Imóveis – Carta de adjudicação – Desapropriação – Rodovia – Imóvel rural – Aquisição originária da propriedade – Área desapropriada georreferenciada – Necessidade de certificação pelo INCRA, inscrição junto ao CAR e apresentação de CCIR – Apelação não provida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000520-14.2022.8.26.0699, da Comarca de Sorocaba, em que é apelante DEPARTAMENTO DE ESTRADAS DE RODAGEM DO ESTADO DE SÃO PAULO, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SOROCABA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 29 de junho de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1000520-14.2022.8.26.0699

APELANTE: DEPARTAMENTO DE ESTRADAS DE RODAGEM DO ESTADO DE SÃO PAULO.

APELADO: 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SOROCABA.

VOTO Nº 39.035 

Registro de Imóveis – Carta de adjudicação – Desapropriação – Rodovia – Imóvel rural – Aquisição originária da propriedade – Área desapropriada georreferenciada – Necessidade de certificação pelo INCRA, inscrição junto ao CAR e apresentação de CCIR – Apelação não provida.

Trata-se de apelação interposta pelo DEPARTAMENTO DE ESTRADAS DE RODAGEM DO ESTADO DE SÃO PAULO contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SOROCABA, que manteve a recusa do registro da carta de adjudicação extraída dos autos de ação de desapropriação (fls. 98/100).

Aduz o apelante, em suma, que a desapropriação, como forma originária de aquisição da propriedade, dispensa, para o registro do título, o georreferenciamento e a sua certificação pelo INCRA. Ademais, a área desapropriada, destinada ao prolongamento de uma rodovia, não têm mais características de um imóvel rural, de modo que não há que se falar em sua inscrição no Cadastro Ambiental Rural CAR e apresentação do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural CCIR. Afastadas as exigências, o título deve ingressar no fólio real (fls. 118/122).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 131/135 e 155/156).

É o relatório.

A apelante, por sentença proferida em ação judicial, obteve a desapropriação, por utilidade pública, de parte ideal do imóvel objeto da matrícula nº 31.100 do 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SOROCABA.

Contudo, a carta de adjudicação expedida nos autos da ação de desapropriação (Processo nº 1000872-79.2016.8.26.0699, da 4ª Vara Distrital de Salto de Pirapora), apresentada a registro, foi negativamente qualificada pelo Oficial Registrador, que apresentou as seguintes exigências (fls. 24/25):

“1. Apresentar as inscrições definitivas no C.A.R. individuais, referente aos imóveis objetos do presente título (Área desapropriada e Área Remanescente), as quais deverão vir acompanhadas de plantas e memoriais descritivos que identifiquem as reservas legais florestais nos referidos imóveis, bem como declarações firmadas pelo profissional técnico e proprietários de que as descrições demonstradas nas plantas e memoriais descritivos correspondem às inscrições nos C.A.R, nos termos dos itens 125 e seguintes, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da E. Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo.

2. Tendo em vista que, a descrição do imóvel encontra-se georreferenciada, apresentar certificação do INCRA.

3. Apresentar ITR dos últimos 5 anos (exercício de 2016 a 2020) devidamente quitados, ou Certidão Negativa de Débitos de Imóvel Rural, acompanhada da Declaração de Entrega referente ao último exercício.

4. Juntar CCIR 2020, devidamente quitado.” Afastada a exigência elencada no item 3, o MM. Juiz Corregedor Permanente manteve os demais óbices, impedindo o acesso do título à tabua registral (fls. 98/100).

Desde logo, importa lembrar que a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registral, ainda que limitada aos requisitos formais do título e sua adequação aos princípios registrais, conforme disposto no item 117, do Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.

Está pacificado, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n.º 413-6/7; Apelação Cível nº 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação Cível nº 0005176-34.2019.8.26.0344; e Apelação Cível nº 1001015-36.2019.8.26.0223).

Fixada, assim, esta premissa, indiscutível que a aquisição da propriedade imobiliária por meio da desapropriação judicial encerra forma originária.

E, a despeito de dito caráter originário, a partir da redação dos artigos 176, § 3º e 225, § 3º, da Lei nº 6.015/1973, infere-se que, na hipótese em que há destaque de parcela de imóvel rural, observados, por certo, os prazos constantes do artigo 10 do Decreto nº 4.449/2002, existe a necessidade de regular apresentação da planta e do memorial descritivo georreferenciado, contendo as coordenadas georreferenciadas, notadamente pela repercussão no imóvel objeto da desapropriação parcial no aspecto da especialidade objetiva.

A propósito:

“Art. 176, § 3º – Nos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais, a identificação prevista na alínea a do item 3 do inciso II – do § 1º será obtida a partir de memorial descritivo, assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais.”

“Art. 225. § 3º- Nos autos judiciais que versem sobre imóveis rurais, a localização, os limites e as confrontações serão obtidos a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georeferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais.”

Na expressão consagrada de Afrânio de Carvalho:

“(…) o requisito registral da especialidade do imóvel, vertido no fraseado clássico do direito, significa a sua descrição como corpo certo, a sua representação escrita como individualidade autônoma, com o seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e, portanto heterogêneo em relação a qualquer outro.”[1]

No caso em tela, foi realizado o georreferenciamento do imóvel desmembrado, conforme afirmado pelo Oficial de Registro de Imóveis.

De outra sorte, a necessidade de sua certificação pelo INCRA consta do artigo 9º do Decreto nº 4.449/2002:

“Art. 9º – A identificação do imóvel rural, na forma do §3º do art. 225 da Lei nº 6015, de 1973, será obtida a partir de memorial descritivo elaborado, executado e assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro, e com precisão posicional a ser estabelecida em ato normativo, inclusive em manual técnico, expedido pelo INCRA.

§ 1º – Caberá ao INCRA certificar que a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra constante de seu cadastro georreferenciado e que o memorial atende às exigências técnicas, conforme ato normativo próprio.”

“Art. 9º – A identificação do imóvel rural, na forma do §3º do art. 225 da Lei nº 6015, de 1973, será obtida a partir de memorial descritivo elaborado, executado e assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro, e com precisão posicional a ser estabelecida em ato normativo, inclusive em manual técnico, expedido pelo INCRA.

§ 1º – Caberá ao INCRA certificar que a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra constante de seu cadastro georreferenciado e que o memorial atende às exigências técnicas, conforme ato normativo próprio.”

Não se olvida dos prazos de carência estabelecidos no mencionado art. 10 de referido Decreto que, na hipótese, ocorreria em vinte e dois anos.

“Art.10 – A identificação da área do imóvel rural, prevista nos §§ 3º e 4º do art. 176 da Lei nº 6.015, de 1973, será exigida nos casos de desmembramento, parcelamento, remembramento e em qualquer situação de transferência de imóvel rural, na forma do art. 9º, somente após transcorridos os seguintes prazo:

VII – vinte e dois anos, para os imóveis com área inferior a vinte e cinco hectares”.

Contudo, georreferenciada a descrição perimétrica da área desapropriada, como ocorre in casu, ainda que não expirado o prazo de carência, afigura-se imprescindível a apresentação, no Registro de Imóveis competente, da certificação expedida pelo INCRA, confirmando a inexistência de sobreposição com outro imóvel rural, tudo a fim de se evitar o ingresso de identificação incompleta no fólio real.

Nestes moldes foi o parecer de lavra do então Juiz Auxiliar da Corregedoria Dr. José Antônio de Paula Santos Neto, nos autos do processo nº 24066/2005, aprovado pelo, à época, Corregedor Geral da Justiça Desembargador José Mário Antonio Cardinale:

“Foi questionado, outrossim, se ‘aqueles que optarem pelo georreferenciamento já, deverão atender de imediato a certificação de que trata o § 1º do artigo 9º do Decreto 4.449/02, ou poderão fazê-lo dentro do prazo que for entendido como aplicável’. Obviamente, a providência deverá ser imediata. A obtenção do certificado de não sobreposição emitido pelo INCRA é parte integrante e relevante do sistema de individualização imobiliária disciplinado no dito decreto. Logo, não é de se admitir o ingresso, no fólio real, de identificação truncada; incompleta. Nem parceladamente, a prestações. Configura a certificação verdadeiro requisito a ser observado.

Aliás, sua exigência é um dos aspectos essenciais do mapeamento cadastral que se almeja erigir. Destarte, a bem da própria higidez do Registro Imobiliário, deverá ser desqualificado o ingresso da nova descrição quando o memorial não vier devidamente certificado. Do contrário, ferir-se-ia a lógica da estrutura concebida e se correria o risco, até, de permitir a vulneração da tábua por modificação aventureira das características da área rural, uma vez que sem a chancela de segurança do órgão oficial responsável. Além disso, a certificação diferida para o futuro poderia nunca chegar, criando-se perplexidade acerca do destino a ser dado àquela descrição precipitadamente abrigada”.

Não colhe, outrossim, a alegação do apelante no sentido de que o imóvel em questão perdeu o status de rural.

Com efeito, nos termos do artigo 53 da Lei nº 6.766/79, a alteração de uso do solo rural para fins urbanos depende de aprovação do Município, bem como de prévia audiência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA.

E não há demonstração de manifestação do INCRA e tampouco comprovação de aprovação por parte do Município da mudança de destinação do imóvel desapropriado.

Neste sentido já se manifestou, também, este Colendo Conselho Superior da Magistratura:

“Registro de Imóveis. Dúvida julgada procedente. Escritura de venda e compra. Descrição sucinta do imóvel constante da matrícula e reproduzida no título que, porém, dadas as circunstâncias do caso concreto, não chega a ofender o princípio da especialidade objetiva. Alegada destinação urbana de imóvel originalmente rural. Necessária apresentação de certidão de descadastramento pelo INCRA. Recurso não provido” (Apelação nº 790-6/6, Rel. Des. Ruy Camilo, j. em 27/5/2008).

De outra parte, mesmo que dispensada a reserva legal (artigo 12, § 8º, da Lei nº 12.651/2012), em virtude de encerrar a área desapropriada imóvel rural para fins de registro imobiliário, compete exigir o Cadastro Ambiental Rural CAR, nos termos do artigo 29 da Lei nº 12.651/2012:

“Art. 29. É criado o Cadastro Ambiental Rural – CAR, no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente – SINIMA, registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento.

(…)

§ 3º – A inscrição no CAR é obrigatória e por prazo indeterminado para todas as propriedades e posses rurais.”

Assim tem decidido este Colendo Conselho Superior da Magistratura:

“Registro de Imóveis. Desapropriação Parcial de Área Rural. Aquisição originária da propriedade. Rodovia em área rural. Modificação geodésica do imóvel. Cabimento do registro no CAR, nos termos do Código Florestal e das NSCGJ Recurso não provido” (Apelação n° 1034507-89.2018.8.26.0114, Desembargador Relator e Corregedor Geral da Justiça, Geraldo Francisco Pinheiro Franco). J12

E o Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR) documento emitido pelo INCRA nas hipóteses de desmembramento, arrendamento, hipoteca, venda ou promessa de venda de imóveis rurais deve ser exigido com fundamento no artigo 22 da Lei nº 4.947/1996 e, especialmente, por força do estabelecido no art. 9º do Decreto nº 4.449/2002.

Frise-se que a natureza originária da aquisição pela desapropriação não descaracteriza a submissão dessa situação jurídica à hipótese de desmembramento de imóvel rural, porquanto a área desapropriada foi destacada de imóvel rural com área maior.

A propósito:

“REGISTRO DE IMÓVEIS. DESAPROPRIAÇÃO PARCIAL DE ÁREA RURAL. Carta de Adjudicação. Qualificação registral. Aquisição originária da propriedade. Rodovia em área rural. Cabimento do georreferenciamento, em cumprimento à Lei de Registros Públicos (artigos 176, § 1º, 3 “a”, 176, §§ 3º e 5º e 225, § 3º) e ao Princípio da Especialidade Objetiva. Cabimento do registro no CAR. Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR). Recurso não provido, com observação” (TJSP; Apelação Cível 1001639-44.2018.8.26.0539; Relator PINHEIRO FRANCO (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Santa Cruz do Rio Pardo – 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 25/06/2019; Data de Registro: 12/07/2019).

“REGISTRO DE IMÓVEIS. Desapropriação de imóvel rural. Aquisição originária da propriedade. Rodovia em área rural. Descrição georreferenciada do imóvel desapropriado e sua certificação pelo INCRA. Cadastro Ambiental Rural. CAR. Certificado de Cadastro de Imóvel Rural CCIR. Exigências mantidas, em observância aos princípios da legalidade e da especialidade objetiva. Dúvida procedente. Apelação a que se nega provimento.” (TJSP; Apelação Cível 1000463-37.2021.8.26.0341; Relator RICARDO ANAFE (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Maracaí – Vara Única; Data do Julgamento: 14/12/2021; Data de Registro: 16/12/2021).

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Nota:

[1] Registro de Imóveis, p. 206.

(DJe de 28.08.2023 – SP)