CGJ|SP: Tabelionato de Notas – Pretensão de lavratura de escritura pública de inventário e partilha de bens – Herdeiro incapaz – Vedação legal e normativa – Qualificação notarial negativa – Recurso não provido.
PROCESSO Nº 1013891-91.2022.8.26.0037 – ARARAQUARA
(224/2023-E)
M. A. D. S..
ADV: R. L. S., OAB/SP (número).
TABELIONATO DE NOTAS – PRETENSÃO DE LAVRATURA DE ESCRITURA PÚBLICA DE INVENTÁRIO E PARTILHA DE BENS – HERDEIRO INCAPAZ – VEDAÇÃO LEGAL E NORMATIVA – QUALIFICAÇÃO NOTARIAL NEGATIVA – RECURSO NÃO PROVIDO.
Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,
Trata-se de apelação interposta por M. A. dos S., representado por sua curadora, contra a r. decisão proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º Tabelião de Notas e de Protesto de Letras e Títulos da Comarca de Araraquara, que manteve a recusa de lavratura de escritura pública de inventário e partilha de bens por ser um dos herdeiros incapaz (fls. 191/192).
Em suas razões, o recorrente, em síntese, sustentou a viabilidade de realização do inventário extrajudicial, ainda que um dos herdeiros seja incapaz, desde que a partilha seja igualitária. Por isso, pugnou pela reforma do r. decisório, garantindo-lhe o direito de se valer da via extrajudicial, com a participação do órgão ministerial (fls. 198/202). A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 218/220).
É o relatório.
Opino.
De início, impende consignar que, apesar da interposição do recurso com o nome de apelação, cuida-se de procedimento administrativo comum e, por conseguinte, recurso administrativo (artigo 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo), cujo processo e julgamento competem a esta Corregedoria Geral da Justiça. Pretende o recorrente valer-se da via extrajudicial para o inventário e a partilha dos bens deixados pelo falecimento de A. C., A. C. dos S. e J. C. dos S., intitulando-se como um dos herdeiros.
O Tabelião recusou-se a lavrar a escritura pública, uma vez que o herdeiro é incapaz. Tal recusa vem lastreada no artigo 610 do Código de Processo Civil:
“Art. 610. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial.”
No artigo 2.016 do Código Civil:
“Art. 2.016. Será sempre judicial a partilha, se os herdeiros divergirem, assim como se algum deles for incapaz.”
E nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, o item 107, do Capítulo XVI, disciplina:
“107. Admitem-se inventário e partilha extrajudiciais com viúvo(a) ou herdeiro(s) capazes, inclusive por emancipação, representado(s) por procuração formalizada por instrumento público com poderes especiais.”
Assim, diante da vedação legal e normativa, pouco importando a equidade da partilha a que se deseja proceder ou a existência de concordância entre os herdeiros, mesmo porque o herdeiro sequer possui capacidade para anuir a tal partilha, impondo-se, a velar por seus interesses, a intervenção do Ministério Público, nos termos do artigo 178, II, do Código de Processo Civil, o inventário deverá ser feito na esfera judicial.
Não é demais lembrar que é função precípua do serviço notarial a garantia da segurança jurídica aos usuários, conferindo fé pública aos atos praticados. O Código de Normas, em seu capítulo XVI, item 1, preleciona:
“1. O Tabelião de Notas, profissional do direito dotado de fé pública, exercerá a atividade notarial que lhe foi delegada com a finalidade de garantir a eficácia da lei, a segurança jurídica e a prevenção de litígios.
1.1. Na atividade dirigida à consecução do ato notarial, atua na condição de assessor jurídico das partes, orientado pelos princípios e regras de direito, pela prudência e pelo acautelamento.”
Nessa ordem de ideias, a qualificação negativa efetivada pelo notário encontra-se regularmente inserida dentro de seu mister de atribuições, objetivando, exatamente, como descrito, “garantir a eficácia da lei, a segurança jurídica e a prevenção de litígios”, em atuação que visa proteger o direito dos próprios interessados. Em suma, não há como transpor o expresso óbice legal por meio da pretendida interpretação da legislação incidente, sobretudo no âmbito administrativo. A respeito, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já decidiu:
“APELAÇÃO EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ JUDICIAL. Pretensão de realização de inventário extrajudicial. Presença de menor. Sentença de improcedência. Irresignação da requerente. JUSTIÇA GRATUITA. Pedido de justiça gratuita não apreciado desde a inicial. Requisitos Preenchidos. Deferimento. EXPEDIÇÃO. Impossibilidade. Presença de herdeiro menor incapaz. Imposição de abertura de inventário judicial. Inteligência do Art. 610 do CPC. Sentença de improcedência mantida. Recurso provido em parte.” (Apelação Cível 1001919-83.2022.8.26.0568; Relator: Vitor Frederico Kümpel; 4ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 24/01/2023)
“Alvará judicial. Pretensão de processamento de inventário extrajudicial. Herdeiro menor. Impossibilidade. Havendo herdeiro incapaz, o inventário deverá ocorrer necessariamente por via judicial, com a necessária intervenção do Ministério Público. Inteligência dos artigos 610 do CPC e 2.016 do CC. Precedentes do Tribunal. Sentença revista. Recurso provido.” (Apelação Cível 1063958-92.2022.8.26.0576; Relator: Claudio Godoy; 1ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 20/06/2023)
Ante o exposto, o parecer que submeto ao elevado critério de Vossa Excelência é no sentido de receber a apelação interposta como recurso administrativo e a ele negar provimento.
Sub censura.
São Paulo, 18 de julho de 2023.
CAREN CRISTINA FERNANDES DE OLIVEIRA
Juíza Assessora da Corregedoria
Assinatura Eletrônica
DECISÃO
Vistos.
Aprovo o parecer da MM. Juíza Assessora desta Corregedoria Geral da Justiça e, por seus fundamentos, ora adotados, recebo a apelação como recurso administrativo, na forma do artigo 246, do Código Judiciário do Estado de São Paulo, ao qual nego provimento.
São Paulo, 20 de julho de 2023.
FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA
Corregedor Geral da Justiça
DJE de 24.7.2023.