1ª VRP|SP: Dúvida – Registro de Imóveis – Usucapião Extrajudicial – Notificação pessoa jurídica – Se a pessoa jurídica não for localizada no endereço de sua sede, poderá ser notificada na pessoa de um de seus sócios identificados nos documentos arquivados na JUCESP, com feitura de pesquisas possíveis para sua atual localização conforme os dados disponíveis no cadastro oficial – Dúvida improcedente, com seguimento do procedimento na via extrajudicial.
SENTENÇA
Processo Digital nº: 1108995-81.2023.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Suscitante: 17º Oficial de Registro de Imóveis da Capital
Suscitado: Wilmar Scaranello e outro
Prioridade Idoso
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 17º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Wilmar Scaranello e Maria Magdalena Scaranello à vista de exigências feitas em procedimento pelo reconhecimento extrajudicial de usucapião do imóvel situado na rua José Pinheiro, n.115 e n.115 fundos, bairro Jardim Piratininga, inserido em área maior correspondente à transcrição n.33.014 do 3º Registro de Imóveis da Capital (prenotação n.248.001).
O Oficial informa que o procedimento é inviável por constatar que a titular do domínio e a promitente vendedora são empresas antigas, cuja ficha cadastral na JUCESP indica apenas a data de sua constituição (19/12/1924 e 03/01/1959), sem alteração contratual posterior nem indicação de sócios ou administradores, o que prejudica sua notificação, inclusive por edital, conforme orientação do Conselho Superior da Magistratura firmada no julgamento da Apelação n.1005261-38.2020.8.26.0127.
Cópia do procedimento extrajudicial foi produzida às fls.05/407.
A parte suscitada apresentou impugnação às fls.424/425, alegando que ajuizou anteriormente ação de obrigação de fazer contra a proprietária tabular e a promitente vendedora visando outorga de escritura definitiva, na qual as empresas foram citadas por edital e não se manifestaram, pelo que o pedido foi julgado procedente; que, no presente expediente, também é possível notificação por edital nos termos do artigo 11 do Provimento CNJ n.65/2017.
O Ministério Público opinou pela procedência (fls. 432/433).
É o relatório.
Fundamento e Decido.
No mérito, a dúvida é improcedente. Vejamos os motivos.
Por primeiro, é importante consignar que a existência de outras vias de tutela não exclui a da usucapião administrativa, a qual segue rito próprio, com regulação pelo artigo 216-A da Lei n.6.015/73, pelo Provimento n.65/17 do CNJ e pela Seção XII do Cap.XX das NSCGJ.
Assim, como a parte interessada optou por esta última para alcançar a propriedade do imóvel, a análise deve ser feita dentro de seus requisitos normativos.
Neste sentido, decidiu o Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível n. 1004044-52.2020.8.26.0161, com relatoria do então Corregedor Geral da Justiça, Des. Ricardo Anafe (destaque nosso):
“Usucapião Extrajudicial direito que deve ser declarado por ação judicial ou expediente administrativo nas hipóteses em que os pressupostos legais estejam rigorosamente cumpridos possibilidade de regularização do imóvel de maneira diversa à usucapião que não impede esta última, inclusive por procedimento administrativo recusa indevida quanto ao processamento do pedido dúvida improcedente – Recurso provido com determinação para prosseguimento do procedimento de usucapião Extrajudicial”.
No caso, o que se pretende é o reconhecimento de usucapião extraordinária com fundamento no artigo 1.238 do Código Civil: a parte suscitada alega posse há mais de quinze anos e por justo título (desde 27/08/1963 fls. 05/18 e 30/49).
O imóvel usucapiendo está inserido em área maior objeto da transcrição n.33.014 do 3º Registro de Imóveis da Capital, na qual figura como titular do domínio EMPREZA TERRITORIAL PIRATININGA LIMITADA, que adquiriu a área por escritura pública lavrada em 18 de maio de 1925 (fls.87/96).
A venda do imóvel foi prometida por MATERIAIS PARA CONSTRUÇÕES E IMÓVEIS RODRIGUES XAVIER LTDA para Francisco Batista Cavalcante por instrumento particular firmado em 18 de setembro de 1963 (fls.68/69). Francisco, por sua vez, revendeu seus direitos sobre o bem para a parte suscitada por meio instrumento particular firmado em 27 de agosto de 1963 (fls.64/67).
Visando regularizar o domínio sobre o imóvel, a parte suscitada promoveu ação contra a titular do domínio e a promitente vendedora, obtendo sentença favorável (fls.204/205). Contudo, quando apresentou a carta de adjudicação para registro, o título foi devolvido por se entender necessária prévia regularização do loteamento, conforme nota de devolução emitida em 17 de fevereiro de 1989, nos seguintes termos (fls.82/83):
“Muito embora este cartório já tenha admitido registros de lotes de terrenos integrantes do loteamento denominado Jardim Piratininga, com origem na transcrição n.33.014 do 3º Registro, não parece mais possível dar continuidade a registros de DESMEMBRAMENTOS de lotes, pela impossibilidade de enquadrar o terreno transmitido dentro da disponibilidade da aludida transcrição, que é bastante minudente e de apreensão complexa.
Por outro lado, não existe regular loteamento, para admitir menção a lote e quadra.
Parece, pois, a este Cartório, que os registros de LOTES do citado loteamento, ficarão na dependência de regularização do loteamento junto ao PARSOLO (antiga SERLA)”.
Exigência semelhante foi formulada em outubro de 2017, quando o título foi reapresentado (fls.84/85). Justificada, portanto, a regularização pela via da usucapião.
Como regra geral, no processo extrajudicial não se pode dispensar a notificação de titulares de direitos que não tenham dado prévia anuência à pretensão do interessado usucapiente.
Nesse sentido a redação do parágrafo 2º, artigo 216-A, da Lei n.6015/73:
“§ 2° Se a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes, o titular será notificado pelo registrador competente, pessoalmente ou pelo correio com aviso de recebimento, para manifestar consentimento expresso em quinze dias, interpretado o silêncio como concordância”.
Assim, independentemente do tempo alegado de posse, em nenhuma modalidade de usucapião há previsão legal para dispensa das notificações exigidas, ressalvada a demonstração de consentimento expresso pelos titulares dos direitos, conforme hipóteses previstas nos artigos 10 e 13 do Provimento CNJ n. 65/2017.
Eventual dificuldade ou morosidade não justifica que se dispensem notificações de quem vier a ser afetado pela usucapião, pois a regra fundamental em qualquer procedimento realizado em contraditório é de que seja dada ciência a quem quer que possa ser atingido pela decisão final.
O artigo 10 do Provimento CNJ n. 65/2017 impõe a notificação pessoal dos titulares de direitos que não assinarem a planta que instrui o pedido de usucapião nem fornecerem anuência expressa.
Como alternativa à assinatura dos interessados na planta, o artigo 13 do Provimento CNJ n.65/17 permite presumir a outorga do consentimento quando apresentado justo título ou instrumento que demonstre a existência de relação jurídica com o titular registral, acompanhado de prova de quitação das obrigações e de certidão do distribuidor cível demonstrando a inexistência de ação judicial contra o requerente ou cessionários. Neste mesmo sentido, o item 419, Cap. XX, das NSCGJ.
No caso concreto, não há demonstração de relação jurídica com a titular do domínio, cuja notificação também é necessária na condição de confrontante (fls.270/272).
Tratando-se de pessoa jurídica, a notificação deve ser entregue a pessoa com poderes de representação legal (item 418.9, Cap.XX, NSCGJ, e artigo 75, VIII, do CPC).
É certo que a ficha cadastral da proprietária tabular não identifica sócios ou representantes atuais aptos a receber notificações nem há informação de encerramento formal, com regular liquidação (fl.71).
Contudo, em pesquisa realizada nesta data aos documentos de arquivo digitalizado disponíveis no portal eletrônico da JUCESP, é possível encontrar uma ficha de breve relato com anotação de algumas alterações contratuais ocorridas até fevereiro de 1954 (<https://www.jucesponline.sp.gov.br/VisualizaTicket.aspx?sc=UN8hF7dSlnQXrSjq1zhQhEYfQ ErNCLs3yt5mUnHqQc7f5YwKFFho4ABhVibMs%2bh9>).
A última alteração arquivada foi assinada pelos sócios Hermenegildo Rodrigues Xavier, Hermenegildo Rodrigues Xavier Júnior, Gilberto Rodrigues Xavier, Rui Xavier, Cláudio Rodrigues Xavier, Marieta Alves Xavier e Odila Xavier. Assim, se a pessoa jurídica não for localizada no endereço de sua sede, poderá ser notificada na pessoa de um de seus sócios identificados nos documentos arquivados na JUCESP, com feitura de pesquisas possíveis para sua atual localização conforme os dados disponíveis no cadastro oficial.
Se os sócios não forem encontrados para notificação pessoal, então poderá ser admitida sua notificação por edital, para ciência em nome da pessoa jurídica (§§ 4º e 13, do artigo 216-A, da Lei n. 6.015/73; artigos 11 e 16 do Prov. CNJ n. 65/17; e itens 418.16 e 418.21, Cap. XX, das NSCGJ).
Importante destacar que o caso concreto se distingue da orientação jurisprudencial indicada pelo Oficial (fls.400/403), já que os sócios da pessoa jurídica formada por quotas de responsabilidade limitada podem ser identificados, os quais continuam respondendo por ela até que seja formalmente extinta, o que ainda não ocorreu.
A Apelação n.1005261-38.2020.8.26.0127, por outro lado, analisou hipótese envolvendo associação representada por diretoria transitória, que ficou acéfala por não falta de eleição periódica da administração, o que somente pode ser regularizado por intervenção judicial como previsto no artigo 49 do Código Civil.
Ressalte-se, ainda, que a empresa MATERIAIS PARA CONSTRUÇÕES E IMÓVEIS RODRIGUES XAVIER LTDA não figura na transcrição n.33.014 como titular de direitos reais (fls.87/96), já que assumiu obrigação de natureza meramente pessoal, pelo que desnecessária sua notificação.
O que se vê, portanto, é que a via extrajudicial estaria prejudicada apenas se não fosse possível a identificação dos sócios de pessoa jurídica cuja notificação é necessária, não sendo esta a hipótese dos autos.
Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida para autorizar o prosseguimento do procedimento extrajudicial, de modo que a proprietária tabular seja notificada no endereço da sua sede ou na pessoa dos seus sócios identificados nos documentos arquivados na JUCESP, cuja cópia deverá ser trasladada para os autos do expediente, com admissão de notificação por edital caso os sócios não sejam localizados para notificação pessoal após a realização das pesquisas possíveis, com os dados disponíveis nos documentos oficiais arquivados na JUCESP.
Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, arquivem-se os autos.
P.R.I.C.
São Paulo, 10 de outubro de 2023.
Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad
Juiz de Direito
(DJe de 16.10.2023 – SP)