1ª VRP|SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Usucapião Extrajudicial – Impugnação – Massa falida – Questão que deve ser dirimida em processo judicial (juízo universal da falência), com garantia de contraditório e ampla defesa (possibilidade de dilação probatória) – Impugnação acolhida.
SENTENÇA
Processo Digital nº: 1111611-29.2023.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Suscitante: 11º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital do Estado de São Paulo
Suscitado: Lucianna dos Santos Menezes e outro
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 11º Registro de Imóveis da Capital em decorrência de impugnação da titular do domínio, massa falida de Schahin Empreendimentos Imobiliários Ltda, contra pedido de Lucianna dos Santos Menezes pelo reconhecimento extrajudicial de usucapião do apartamento n.112 do Edifício Canário, integrante do Condomínio Morumbi Sul Park e objeto da matrícula n.310.306 daquela serventia (prenotação n.1.342.175).
O Oficial informa que, providenciadas as notificações necessárias, a massa falida da titular do domínio, representada por sua administradora judicial, apresentou impugnação, alegando que a empresa entrou com pedido de recuperação judicial em 2015, a qual se convolou em falência em 2018 perante a 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Foro Central desta Capital (processo de autos n.1037133-31.2015.8.26.0100), que é a competente para conhecimento do requerimento de usucapião, notadamente porque o imóvel foi arrecadado nos autos da falência; que a parte suscitada se manifestou, defendendo que adquiriu o imóvel em maio de 2001, muito antes da propositura da ação de falência; que a conciliação restou infrutífera; que indeferiu o pedido por considerar a impugnação fundamentada, com encaminhamento dos autos a juízo para exame da pertinência da impugnação, nos termos do item 420.4, Cap.XX, das NSCGJ.
Documentos vieram às fls. 05/108.
Determinou-se comprovação de notificação da parte interessada (fls.109/111).
A parte suscitada se manifestou às fls.115/116, alegando que não há impedimento para a escrituração pleiteada, uma vez que a aquisição do imóvel antecedeu a decretação da falência.
O Oficial prestou informações, reiterando seu entendimento (fls.118/119).
O Ministério Público opinou pela extinção do procedimento extrajudicial diante do interesse da massa falida e da competência absoluta do juízo universal (fls. 139/141).
É o relatório.
Fundamento e Decido.
Por primeiro, é importante consignar que a existência de outras vias de tutela não exclui a da usucapião administrativa, a qual segue rito próprio, com regulação pelo artigo 216-A da Lei n. 6.015/73, pelo Prov. 65/17 do CNJ e pela Seção XII do Cap. XX das NSCGJSP.
Assim, como a parte interessada optou por esta última para alcançar a propriedade do imóvel, a análise deve ser feita dentro de seus requisitos normativos.
Neste sentido, decidiu o Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível n. 1004044-52.2020.8.26.0161, com relatoria do então Corregedor Geral da Justiça, Des. Ricardo Anafe (destaque nosso):
“Usucapião Extrajudicial direito que deve ser declarado por ação judicial ou expediente administrativo nas hipóteses em que os pressupostos legais estejam rigorosamente cumpridos possibilidade de regularização do imóvel de maneira diversa à usucapião que não impede esta última, inclusive por procedimento administrativo recusa indevida quanto ao processamento do pedido dúvida improcedente – Recurso provido com determinação para prosseguimento do procedimento de usucapião Extrajudicial”.
No mérito, a dúvida procede. Vejamos os motivos.
Sabe-se que o procedimento de usucapião extrajudicial tem como principal requisito a inexistência de lide, de modo que, apresentada qualquer impugnação, a via judicial se torna necessária, cabendo à parte suscitada emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum nos termos do § 10, do artigo 216-A, da Lei n. 6.015/73.
As Normas de Serviço da Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo, prestigiando a qualificação do Oficial de Registro e a importância do procedimento extrajudicial, trouxeram pequena flexibilização a tal regra no item 420.5 de seu Capítulo XX, permitindo que seja julgada a fundamentação da impugnação, com afastamento daquela claramente impertinente ou protelatória:
“420.2. Consideram-se infundadas a impugnação já examinada e refutada em casos iguais pelo juízo competente; a que o interessado se limita a dizer que a usucapião causará avanço na sua propriedade sem indicar, de forma plausível, onde e de que forma isso ocorrerá; a que não contém exposição, ainda que sumária, dos motivos da discordância manifestada; a que ventila matéria absolutamente estranha à usucapião.
(…)
420.4. Se a impugnação for fundamentada, depois de ouvir o requerente o Oficial de Registro de Imóveis encaminhará os autos ao juízo competente.
420.5. Em qualquer das hipóteses acima previstas, os autos da usucapião serão encaminhados ao juízo competente que, de plano ou após instrução sumária, examinará apenas a pertinência da impugnação e, em seguida, determinará o retorno dos autos ao Oficial de Registro de Imóveis, que prosseguirá no procedimento extrajudicial se a impugnação for rejeitada, ou o extinguirá em cumprimento da decisão do juízo que acolheu a impugnação e remeteu os interessados às vias ordinárias, cancelando-se a prenotação”.
Como bem esclarece o dispositivo, tal julgamento deve se dar de plano ou após instrução sumária, não cabendo ao juiz corregedor permitir a produção de prova para que se demonstre a existência de óbice ao reconhecimento da usucapião. É dizer que, apresentada impugnação, deve-se apenas verificar se seu caráter é meramente protelatório ou completamente infundado.
Havendo qualquer indício de veracidade que justifique a existência de conflito de interesses, a via extrajudicial se torna prejudicada, devendo o interessado se valer da via contenciosa, sem prejuízo de utilizar-se dos elementos constantes do procedimento extrajudicial para instruir seu pedido, emendando a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum (item 420.8, Cap. XX, das NSCGJ).
No caso em tela, a massa falida alega interesse que somente pode ser apreciado pelo juízo da falência.
Quanto à matéria, a orientação consolidada pela Segunda Seção do STJ no julgamento do CC 114.842/GO, em 25/02/2015, é no sentido de que eventual acolhimento de pedido de usucapião acarreta perda patrimonial imediata, ou seja, extinção da propriedade imobiliária, com enorme prejuízo para os credores da massa falida, pelo que deve ser reconhecida a competência do juízo universal da falência para apreciar demandas dessa natureza. Nesse sentido, ainda, o AgInt no REsp 2004910/CE e o AgInt no REsp 1541564/DF.
Nesse contexto, de configuração de conflito em relação à posse alegada, a análise da questão não pode ser feita por este juízo administrativo, mas sim pelo juízo da falência, que apreciará a qualidade da posse alegada, bem como o cumprimento das obrigações derivadas do contrato por meio do qual a empresa falida vendeu o imóvel usucapiendo (fls.24/56).
Esta conclusão se reforça pela arrecadação do bem nos autos da falência, o que indica judicialização da questão da propriedade.
Em outros termos, por estar a impugnação devidamente fundamentada e por não ser possível afastar de plano as razões opostas ao direito alegado, a questão deverá ser dirimida em processo judicial (juízo universal da falência), com garantia de contraditório e ampla defesa (possibilidade de dilação probatória).
Diante do exposto, ACOLHO A IMPUGNAÇÃO, determinando a extinção da usucapião extrajudicial, com cancelamento da prenotação n. 1.342.175 e remessa da parte suscitada às vias ordinárias para solução do conflito nos termos dos itens 420.7 e 420.8 do Cap. XX das NSCGJ.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo.
P.R.I.C.
São Paulo, 06 de dezembro de 2023.
Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad
Juiz de Direito
(DJe de 11.12.2023 – SP)