CSM|SP: Registro de imóveis – Usucapião na via extrajudicial – Dúvida – Apelação – Impugnação infundada – Prosseguimento na via administrativa – Apelação a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1032941-74.2023.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante SILVIA MANFREDINI BORDIGNON, são apelados SOLOTRAT ENGENHARIA GEOTECNICA LTDA e DECIMO PRIMEIRO OFICIAL DE REGISTRO DE IMOVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 5 de dezembro de 2023.
FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1032941-74.2023.8.26.0100
APELANTE: Silvia Manfredini Bordignon
APELADOS: Solotrat Engenharia Geotecnica Ltda e Decimo Primeiro Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital
VOTO Nº 39.195
Registro de imóveis – Usucapião na via extrajudicial – Dúvida – Apelação – Impugnação infundada – Prosseguimento na via administrativa – Apelação a que se nega provimento.
Cuida-se de apelação (fls. 211/215) interposta por Silvia Maria Manfredini Bordignon contra a r. sentença (fls. 202/205), proferida pela MM.ª Juíza de Direito da 1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo, Corregedora Permanente do 11º Oficial de Registro de Imóveis dessa Comarca, que julgou improcedente a dúvida e permitiu o prosseguimento de processo extrajudicial de usucapião.
A apelante pede a reforma da r. sentença e aduz (fls. 211/215): (a) não pode prosseguir o processo de usucapião instaurado a requerimento de Solotrat Engenharia Geotécnica EIRELI, pois ela, apelante, é uma das donas da área usucapienda e exerce posse mansa e pacífica sobre essa parcela desde 03 de novembro de 2005, quando recebeu o bem por herança dos bens de seu pai, o qual, por sua vez, era dono desde 18 de dezembro de 1987; (b) a área está alugada a terceiro; (c) nunca teve conhecimento do compromisso de compra e venda alegado pela requerente; (d) havendo controvérsia sobre a posse, são indispensáveis a produção de prova pericial e documental, bem como a tomada do depoimento pessoal dos litigantes; (e) a apelante paga o tributo municipal (IPTU); e (f) alguns dos proprietários ainda não foram notificados, o que é indispensável também para que se saiba se alguma parte do imóvel foi dada em comodato.
A apelada Solotrat Engenharia Geotécnica EIRELI apresentou contrarrazões (fls. 220/228).
A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento da apelação (fls. 269/270).
É o relatório.
De início, observe-se que não convém (para dizer o mínimo) que os Oficiais de Registro de Imóveis reduzam a termo, no próprio ato ou a partir de gravações, o que se disse e discutiu em sessão de conciliação, como se fez nestes autos (fls. 49/57): em que pese ao zelo dos Registradores, fato é que o ato é confidencial e seu conteúdo não pode ser conservado (item 91 do Capítulo XIII do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça), justamente para que, na busca da composição amigável, os interessados tenham plena liberdade para debater o que mais lhes convier, sem que depois se possa tirar, do que afirmaram, qualquer tipo de conclusão ou ilação que influa no deslinde final da questão.
De meritis, o caso é de negar provimento à apelação, para que, afastada a impugnação de Silvia Maria Manfredini Bordignon, siga avante o processo extrajudicial de usucapião intentado por Solotrat Engenharia Geotécnica EIRELI.
Quando se trata de impugnação manifestada em processo extrajudicial de usucapião, um ponto tem de ficar assente, como está salientado na r. sentença (cf. fls. 203/204): nem o Oficial de Registro de Imóveis nem o Corregedor Permanente podem dirimir ou solucionar litígios, uma vez que nenhum deles está no exercício de jurisdição contenciosa. O julgamento da impugnação não se destina a compor lides. Pelo contrário: quando se julga uma impugnação dessa espécie, tudo o que se pode fazer é verificar a existência da lide (caso em que cessa a instância administrativa, pois a contenda só pode ser resolvida por meio de ação contenciosa) ou constatar que, a despeito da oposição do impugnante, verdadeira lide não há, mas tão-somente aparência dela (o que autoriza o prosseguimento na instância administrativa, na qual, como se sabe, tem de imperar o consenso).
Dada essa premissa, vê-se que in casu a apelante não conseguiu demonstrar a existência de verdadeira lide possessória entre si e a requerente da usucapião, de modo que a sua impugnação é infundada: é que para nenhum dos pontos que arguiu a apelante conseguiu trazer sequer um indício ou início de prova, pois se limitou a opor-se genericamente ao memorial descritivo e à planta (sem indicar de modo consistente onde estaria a irregularidade), contentou-se em alegar o comodato ou o arrendamento da área (sem declinar quem seriam tais ou quais possuidores diretos ex commodato ou ex locato), e restringiu-se a afirmar-se possuidora (mas não trouxe indício de posse, sequer do pagamento de tributos). Finalmente, o mero desconhecimento de um negócio jurídico (na hipótese, do contrato alegado pela requerente como título para início de seu poder fático) ou a falta de notificação de outros possíveis interessados (o que se fará até o final do processo cf., em todo caso, fls. 20/21, para verificar-se o bom cuidado que se tem tomado nesse ponto) não são causas suficientes para dizer que a avença não exista, ou que desde logo se deva interromper a instância administrativa.
Ora, sendo infundada a impugnação, andaram bem o Oficial de Registro de Imóveis e a MM.ª Juíza Corregedora Permanente, quando a afastaram para que se continue no processo extrajudicial, de maneira que a r. sentença não merece reparo, e o recurso não pode ser provido.
Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.
FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA
Corregedor Geral da Justiça e Relator
(DJe de 23.01.2024 – SP)