CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida – Usucapião extrajudicial – Impugnação fundamentada – Inexistência de impedimento à escrituração ordinária para a transmissão imobiliária com o recolhimento dos tributos devidos – Inteligência do artigo 13, § 2º, do Provimento CNJ 65/2017 – Extinção do processo extrajudicial – Apelação a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1035784-12.2023.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes RICARDO CAVALHEIRO e MARIA JOSÉ LINS CAVALHEIRO, é apelado 10º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 7 de novembro de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1035784-12.2023.8.26.0100

APELANTES: Ricardo Cavalheiro e Maria José Lins Cavalheiro

APELADO: 10º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 39.156

Registro de imóveis – Dúvida – Usucapião extrajudicial – Impugnação fundamentada – Inexistência de impedimento à escrituração ordinária para a transmissão imobiliária com o recolhimento dos tributos devidos – Inteligência do artigo 13, § 2º, do Provimento CNJ 65/2017 – Extinção do processo extrajudicial – Apelação a que se nega provimento.

Trata-se de apelação interposta por Ricardo Cavalheiro Maria José Lins Cavalheiro, em processo de dúvida, visando à reforma da r. sentença, que manteve a rejeição do pedido de reconhecimento extrajudicial da usucapião do imóvel objeto da matrícula nº 8.974 (um prédio à rua Sepetiba, nº 764, na Lapa, São Paulo), do 10º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Paulo, com a consequente extinção do processo e cancelamento da respectiva prenotação (fls. 474/478).

Aduzem os apelantes, em síntese, que os requisitos necessários para a usucapião foram preenchidos, fazendo jus ao reconhecimento da aquisição do domínio. Apesar dos esforços não documentados, mesmo depois de anos de quitação do preço ajustado pelo imóvel, não conseguiram a outorga da escritura pública de quem de direito, daí porque a usucapião extrajudicial se revelou como o único meio capaz para a regularização da propriedade.

Destacam que a existência de indisponibilidade sobre o imóvel, só levantada no final do ano de 2022, faz prova inequívoca da oposição do sucessor do titular da propriedade, o Banco Bradesco Financiamentos S/A, à formalização da escritura de venda e compra (fls. 484/487).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 514/516).

É o relatório.

Alegam os recorrentes que restou comprovada a real impossibilidade de outorga da escritura pública de venda e compra do imóvel porque o sucessor do titular do domínio, o Banco Bradesco, em tentativas não documentadas de regularização, sempre informou desconhecer os contratos firmados com o Banco BMC. Em acréscimo, aduziram que, até o final do ano de 2022, havia indisponibilidade do imóvel, impossibilitando a outorga do documento público.

Diante disso, o pedido de reconhecimento extrajudicial da usucapião referente ao imóvel descrito na matrícula nº 8.974, do 10º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Paulo, foi deduzido e remanesceu rejeitado, dando azo à suscitação da dúvida inversa.

O sucessor do titular do domínio, o Banco Bradesco Financiamentos S/A, afirmou que não se negou a outorgar a escritura definitiva de venda e compra aos requerentes, porquanto assumiu tal obrigação ao suceder o Banco BMC. Todavia, impugnou a usucapião extrajudicial porque não pode ser utilizada como instrumento para afastar o pagamento do ITBI. Quanto à indisponibilidade averbada na matrícula do imóvel, disse que estava pendente apenas de baixa formal.

Pois bem.

O recurso não comporta provimento.

A dúvida foi suscitada em procedimento de usucapião extrajudicial, com fulcro no artigo 17, § 5º, do Provimento CNJ nº 65/2017:

“Art. 17. Para a elucidação de quaisquer dúvidas, imprecisões ou incertezas, poderão ser solicitadas ou realizadas diligências pelo oficial de registro de imóveis ou por escrevente habilitado.

(…)

§ 5º. A rejeição do requerimento poderá ser impugnada pelo requerente no prazo de quinze dias, perante o oficial de registro de imóveis, que poderá reanalisar o pedido e reconsiderar a nota de rejeição no mesmo prazo ou suscitará dúvida registral nos moldes dos art. 198 e seguintes da LRP.”

O imóvel em testilha é de propriedade do Banco BMC, sucedido pelo Banco Bradesco Financiamentos S/A que, ao se manifestar nos presentes autos, não se negou à outorga da escritura de venda e compra a favor dos autores.

De outra parte, os próprios recorrentes disseram que fizeram tentativas não documentadas de obter a outorga da escritura de venda e compra junto ao Banco Bradesco, de sorte que não lograram comprovar sua alegação.

Com referência à indisponibilidade, em 12 de setembro de 2022 foi autorizada sua baixa (fls. 287), e o próprio recorrente confirmou que houve o cancelamento da correspondente averbação em suas razões de apelação.

A existência de impugnação do pedido de reconhecimento extrajudicial da usucapião faz com que se aplique o disposto no artigo 216-A, § 10, da Lei nº 6.015/1973:

“Art. 216-A. (…) § 10. Em caso de impugnação justificada do pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, o oficial de registro de imóveis remeterá os autos ao juízo competente da comarca da situação do imóvel, cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum, porém, em caso de impugnação injustificada, esta não será admitida pelo registrador, cabendo ao interessado o manejo da suscitação de dúvida nos moldes do art. 198 desta Lei.” (Redação dada pela Lei nº 14.382/2022).

Ou seja, a impugnação fundamentada do pedido de reconhecimento de usucapião afasta a via extrajudicial para o alcance da pretensão deduzida. E a impugnação impertinente ou protelatória, na esteira do já previsto no item 420.5, do Capítulo XX, do Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, impõe a sua rejeição, prosseguindo no processo extrajudicial.

Confira-se:

“420.5. Em qualquer das hipóteses acima previstas, os autos da usucapião serão encaminhados ao juízo competente que, de plano ou após instrução sumária, examinará apenas a pertinência da impugnação e, em seguida, determinará o retorno dos autos ao Oficial de Registro de Imóveis, que prosseguirá no procedimento extrajudicial se a impugnação for rejeitada, ou o extinguirá em cumprimento da decisão do juízo que acolheu a impugnação e remeteu os interessados às vias ordinárias, cancelando-se a prenotação”.

E, neste caso, a impugnação é fundamentada.

Consoante dispõe o artigo 13, § 2º, do Provimento CNJ 65/2017:

“Art. 13. Considera-se outorgado o consentimento mencionado no caput do art. 10 deste provimento, dispensada a notificação, quando for apresentado pelo requerente justo título ou instrumento que demonstre a existência de relação jurídica com o titular registral, acompanhado de prova da quitação das obrigações e de certidão do distribuidor cível expedida até trinta dias antes do requerimento que demonstre a inexistência de ação judicial contra o requerente ou contra seus cessionários envolvendo o imóvel usucapiendo.

(…) §2º. Em qualquer dos casos, deverá ser justificado o óbice à correta escrituração das transações para evitar o uso da usucapião como meio de burla dos requisitos legais do sistema notarial e registral e da tributação dos impostos de transmissão incidentes sobre os negócios imobiliários, devendo registrador alertar o requerente e as testemunhas de que a prestação de declaração falsa na referida justificação configurará crime de falsidade, sujeito às penas da lei”.

Havendo, portanto, concordância do Banco Bradesco Financiamentos S/A, sucessor do Banco BMC, titular do domínio, e não subsistindo a averbação de indisponibilidade na matrícula do imóvel, não se vislumbra empecilho intransponível para a outorga da escritura definitiva de venda e compra em nome dos requerentes.

A usucapião não pode substituir a escritura pública, essencial à transferência do direito real sobre o imóvel, da qual decorre imposto devido ao erário público. Forçoso reconhecer que o reconhecimento da usucapião extrajudicial implicaria ofensa ao citado artigo 13, § 2º, do Provimento CNJ 65/2017.

Em suma, acolhida a impugnação, o que torna despiciendo imiscuir-se na avaliação do cumprimento dos requisitos legais da usucapião extraordinária, a extinção do processo extrajudicial era mesmo de rigor.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 02.02.2024 – SP)