CSM|SP: Registro de imóveis – Usucapião na via extrajudicial – Dúvida – Apelação – Impugnação fundamentada do confrontante – Impossibilidade de prosseguimento na via administrativa – Apelação a que se dá provimento para os fins das NSCGJ, II, XX, 420.4.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001285-66.2020.8.26.0048, da Comarca de Atibaia, em que é apelante ERNANI TEIXEIRA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE ATIBAIA.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 6 de novembro de 2023.
FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1001285-66.2020.8.26.0048
APELANTE: Ernani Teixeira
APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Atibaia
VOTO Nº 39.184
Registro de imóveis – Usucapião na via extrajudicial – Dúvida – Apelação – Impugnação fundamentada do confrontante – Impossibilidade de prosseguimento na via administrativa – Apelação a que se dá provimento para os fins das NSCGJ, II, XX, 420.4.
Cuida-se de apelação (fls. 469/476) interposta por Ernani Teixeira contra a r. sentença (fls. 459/465), proferida pelo MM. Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Atibaia, Corregedor Permanente da Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da referida Comarca, que julgou improcedente a dúvida e permitiu o prosseguimento de processo extrajudicial de usucapião.
O apelante aduz (fls. 469/476) que o processo de usucapião, instaurado a requerimento de Rubens Pedroso e de sua mulher Zuleide Tricoli Pedroso, não pode prosseguir, pois estão a pedir para si uma área que é em verdade possuída pelo apelante, exclusivamente, de maneira que não existe, em favor deles, apelados, nenhuma posse própria (“com animus domini”), e tanto é assim, que os relativos tributos (imposto predial urbano de 2015/2016) foram pagos por ele, apelante; a existência de cerca não significa que a parte que está além desse tapume não seja objeto de posse do apelante, pois essa é uma cerca interna que não indica o limite entre a sua posse e a dos apelados; ademais, impugna o conteúdo da sessão de mediação e conciliação, pois estava desacompanhado de advogado e foi levado a erro por força dos termos jurídicos empregados, de forma que não concorda com a pretensão dos apelados, que querem apropriar-se de cerca de 42% da área que cabe ao apelante; soma-se a isso o fato de que os apelados nunca fizeram construções nem plantios no local; por tudo isso, insiste em opor-se ao pedido e pede a reforma do r. decisum.
Os autos, que antes tinham ido à Corregedoria Geral da Justiça, foram distribuídos para este Conselho Superior da Magistratura (fls. 522/523 e 524).
A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento da apelação (fls. 515/519).
É o relatório.
Em que pese aos termos da bem lançada sentença (fls. 459/465) e ao parecer do Ministério Público (fls. 515/519), o caso é de dar provimento à apelação, para que, acolhida a impugnação de Ernani Teixeira, não mais se prossiga no processo extrajudicial de usucapião intentado por Rubens Pedroso e de sua mulher Zuleide Tricoli Pedroso.
Quando se trata de impugnação manifestada em processo extrajudicial de usucapião, um ponto tem de ficar assente: nem o Oficial de Registro de Imóveis nem o Juiz Corregedor Permanente podem dirimir ou solucionar litígios. O julgamento da impugnação não se destina a compor lides. Pelo contrário: quando se julga uma impugnação dessa espécie, tudo o que se pode fazer é verificar a existência do litígio (caso em que cessa a instância administrativa, pois a contenda só pode ser resolvida por meio de ação contenciosa) ou constatar que, a despeito da contradição do interessado, verdadeira lide não há, mas tão-somente aparência dela (o que autoriza o prosseguimento na instância administrativa, na qual, como se sabe, tem de imperar o consenso, uma vez que o Oficial de Registro de Imóveis não é Juiz).
Posto isso, vê-se que no caso existe verdadeira lide possessória entre os interessados, porque o apelante Ernani Teixeira sustenta e defende que a cerca, tantas vezes discutida, não reflete a verdadeira situação dos limites nem indica corretamente o exercício da posse de uns e de outros, aduzindo-se ainda, até, a inexistência de atos externos de poder fático (= ausência de cultivos e edificações), matéria toda essa que só pode ser conhecida e apreciada depois de prova judiciária.
Note-se que não prejudica nem favorece nenhum dos interessados o que se disse ou deixou de dizer em sessão de conciliação e mediação, e causa espécie o erro cometido pela Oficial de Registro de Imóveis, que não podia ter registrado o ato de nenhuma forma, nos termos do item 91 do Capítulo XIII do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça: afinal, é justamente para que os interessados se possam expressar livremente e, assim, possam ter mais facilidade em chegar a uma solução consensual, que a sessão é e tem de ser confidencial.
Ademais, não se pode exigir que todo confrontante, para impugnar eficazmente, esteja obrigado a realizar levantamento geodésico de seu imóvel ou, quando menos, a providenciar assistente técnico. Não se estando diante de nenhuma das hipóteses de manifestação infundada (cf. NSCGJ, II, XX, item 420.3) – ou seja, tendo sido trazida a exposição dos motivos da discordância, e tendo sido indicado, de forma plausível, onde e como se poderia dar o avanço na propriedade do impugnante –, isso basta para que se remeta o caso para a esfera jurisdicional, com a extinção do feito administrativo.
Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação, dando a impugnação por fundamentada para os fins do item 420.4 do Capítulo XX do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.
FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA
Corregedor Geral da Justiça e Relator
(DJe de 09.02.2024 – SP)