CSM|SP: Registro de imóveis – Procedimento de dúvida – Registro de Escritura Pública de Compra e Venda – Compromisso de Compra e Venda registrado – Possibilidade de Outorga de Escritura Pública a terceiro, que não o compromissário comprador registrado – Sub-rogação da obrigação de Outorga da Escritura – Afastamento do óbice fundado na ofensa ao princípio da continuidade – Apelação provida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001785-17.2023.8.26.0602, da Comarca de Sorocaba, em que são apelantes JEFFERSON AUGUSTO PEDRICO e LUCIANA BASILIO DOS SANTOS PEDRICO, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SOROCABA.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 26 de fevereiro de 2024.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1001785-17.2023.8.26.0602
APELANTES: Jefferson Augusto Pedrico e Luciana Basilio dos Santos Pedrico
APELADO: 2º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Sorocaba
VOTO Nº 43.124
Registro de imóveis – Procedimento de dúvida – Registro de Escritura Pública de Compra e Venda – Compromisso de Compra e Venda registrado – Possibilidade de Outorga de Escritura Pública a terceiro, que não o compromissário comprador registrado – Sub-rogação da obrigação de Outorga da Escritura – Afastamento do óbice fundado na ofensa ao princípio da continuidade – Apelação provida.
Trata-se de apelação interposta por JEFFERSON AUGUSTO PEDRICO em face da r.sentença de fls. 57/59 proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Sorocaba, que julgou procedente a dúvida e manteve a negativa de registro da escritura de venda e compra lavrada em 05 de outubro de 1989 pelo 3º Tabelião de Notas da Comarca de Sorocaba, figurando como outorgante o Instituto de Previdência do Estado de São Paulo e como outorgados Lina Maria Petrini da Silva Coelho e seu marido, tendo por objeto o imóvel da matrícula 5.627, ao fundamento de que há ofensa ao princípio da continuidade registral.
O recurso, em síntese, busca o afastamento do óbice apresentado pelo Registrador e o registro da escritura pública de venda e compra, insistindo na tese de que os precedentes do Conselho Superior da Magistratura são favoráveis e autorizam o registro, independentemente do registro subsequente de partilha ou cessão dos direitos dos primitivos compromissários.
A Douta Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo improvimento do recurso (fls. 80/82).
É o relatório.
O recurso deve ser recebido como apelação, haja vista tratar-se de processo de dúvida atinente a ato de registro.
O apelo merece provimento, pois a dúvida suscitada é improcedente.
A apelante apresentou a registro a escritura pública de compra e venda do imóvel objeto da matrícula 5.627, tendo o Registrador apresentado a seguinte nota devolutiva (nº 105.290, fl. 21):
“Qualifica-se negativamente o presente título, tendo em vista que os Outorgados Compradores: LINA MARIA DE PETRINI DA SILVA COELHO e seu marido JOSÉ CARLOS DA SILVA COELHO, não figuram como promissários compradores do imóvel objeto da matrícula 5.627, Livro 02, desta Serventia, nos termos do R. 04, R. 06, R. 09, R.11 e R.12 da referida matrícula (artigo 195, da Lei 6.015/73).” Analisada a matrícula 5.627 (fl. 12/19), extrai-se que permanece como titular de domínio o Instituto de Previdência de São Paulo.
No R.2 consta o registro de compromisso de venda e compra figurando como promitentes compradores Lina Maria de Petrini da Silva Coelho e seu marido José Carlos da Silva Coelho.
No R. 4 da referida matrícula consta o falecimento do promitente comprador José Carlos, sendo os direitos de compromissário partilhados à viúva meeira, Lina Maria de Petrini da Silva Coelho, de acordo com o Formal de Partilha expedido pela 4ª Vara Cível da Comarca de Sorocaba.
No R. 6 consta o falecimento de Lina Maria de Petrini da Silva Coelho, com partilha dos direitos e obrigações decorrentes e oriundos do compromisso de venda e compra em favor dos cessionários Ari Pedrico e Mara Brenga por meio de carta de adjudicação e aditamento extraídos da ação de arrolamento de bens perante o juízo da 3ª Vara de Família e Sucessões local.
Os atuais titulares do direito real de aquisição de compromisso de compra e venda sobre o imóvel são Ari Pedrico e Mara Brenga.
Ao contrário do sustentado pelo Registrador, o ingresso da escritura pública em comento não ofende ao princípio da continuidade registral.
Isto porque, prevalece o entendimento de que o compromisso de compra e venda não impede a lavratura e registro de escritura de compra e venda definitiva ou transmissão judicial em favor de terceiro, sendo que o registro de tal título independe da participação do promitente comprador ou cancelamento do registro de tal negócio jurídico.
Ainda, o compromisso de compra e venda continua eficaz, gerando ao promitente comprador direito real contra o titular de domínio de exigir a lavratura de escritura definitiva.
Assim, o registro do compromisso (i) não suprime o atributo de disponibilidade dominial do legitimado tabular, mas (ii) conserva suficiente eficácia prenotante para beneficiar o direito real na aquisição. Há a possibilidade do registro de escritura pública entabulada entre o proprietário do imóvel e terceiros, ainda que conste registro de instrumento de promessa, sem que isso caracterize violação ao princípio da continuidade.
Nesse sentido, a Apelação Cível n° 0060889-91.2012.8.26.0100, do C. Conselho Superior da Magistratura:
“Outro aspecto que deve ser levado em consideração é o seguinte. Suponha-se que o interessado houvesse adquirido o imóvel não de algum dos cedentes, mas do proprietário. Imagine-se que, não obstante a cadeia de sucessão de cessões, o interessado tivesse ido à fonte, ao proprietário, e pagado o preço, adquirindo o domínio do bem. Outorgada a escritura, ela seria registrada? A resposta é positiva, dada a validade do negócio, e não se cogitaria de quebra de continuidade. Ora, se aquilo que poderia, ter sido obtido, em tese, no plano do direito material, o foi no plano do direito processual – por meio da propositura de adjudicação compulsória diretamente contra o proprietário -, parece evidente que não se pode dar respostas diferentes a situações semelhantes. Da mesma, maneira, que aquela escritura poderia ser registrada, malgrado a existência da cadeia, de cedentes, também, pode ser registrada, a sentença.
O raciocínio encontra, guarida, ainda, no art. 1.418 do Código Civil:
Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste foram cedidos, a outorga da escritura definitiva, de compra, e venda, conforme o disposto no instrumento particular; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.
Ao permitir que o promitente comprador, titular de direito real – ou seja, os cedentes que constam, da matrícula do imóvel – possa, exigir de terceiros, a quem os direitos foram cedidos, a outorga da escritura definitiva, o legislador deixou claro que o negócio que deu margem ao ajuizamento da ação de adjudicação compulsória, embora, válido, pode ser declarado ineficaz em relação àquele comprador. Francisco Eduardo Loureiro acentua, com propriedade, que, doravante, os “novos atos de disposição ou de oneração praticados pelo promitente vendedor em beneficio de terceiros, ainda que de boa fé, são ineficazes frente ao promitente comprador.” (Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. Ministro Cezar Peluso (coord.). 2a ed. São Paulo: Manole, 2008. p. 1.453)
A validade dos atos de disposição permanece. Haverá ineficácia apenas se os cedentes, antes promitentes compradores, se insurgirem contra eles, o que, no caso concreto – alienações ocorridas há quase cinquenta anos – é absolutamente improvável.
Em resumo, obtida sentença, substitutiva da vontade, em ação ajuizada contra o titular do domínio, e garantida, a possibilidade de declaração de ineficácia do negócio, caso se comprove fraude, não se vulnera, o direito de nenhum dos envolvidos nas alienações nem o princípio da continuidade.
Na mesma direção:
Como já decidido por este E Conselho, acolhendo voto de minha lavra. (Processo 0020761-10.2011.8.26-0344, julgado em 25/10/12, da Comarca de Marília) e respeitados os precedentes da 1ª Vara de Registros Públicos desta Capital, em sintonia com a posição do Registrador, o princípio da continuidade, com a transmissão da propriedade pelos titulares de domínio sem a observância de compromisso de venda e compra registrado em favor de terceiros, não será vulnerado.
De todo modo, a possível falta de conhecimento dos compromissados compradores, a sua ocasional oposição à transmissão da propriedade do imóvel aos adquirentes e a eventual inoponibilidade das cessões de direito, com afastamento de sua repercussão sobre a situação jurídica dele, são circunstâncias despidas de força para comprometer a validade da compra e venda definitiva, para frear o acesso do título ao álbum imobiliário: quando muito, terão potência para, relativizar a. eficácia, não para atestar a invalidade da transferência coativa da propriedade. Citando Marco Aurélio S. Viana: “não se justifica a exigência, de registro prévio do contraio senão como forma, de tutelar o promitente comprador contra a alienação por parte do promitente vendedor, limitando ou reduzindo o poder de disposição deste, ao mesmo tempo que arma o adquirente de sequela, admitindo que obtenha a escritura até mesmo contra, terceiro, na forma indicada no art. 1.418.” (Comentários ao novo Código Civil: dos direitos reais. Sálvio de Figueiredo Teixeira, (coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 695 v. XVI.)
Assim sendo, uma vez constituído o direito real de aquisição, Francisco Eduardo Loureiro acentua, com propriedade: doravante, os “novos atos de disposição ou de oneração praticados pelo promitente vendedor em beneficio de terceiros, ainda, que de boa-fé, são ineficazes frente ao promitente comprador” (Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. Ministro Cezar Peluso (coord). 2.a ecl. São Paulo: Manole, 2008. p. 1.453.). Realço: ineficazes, não inválidos. Quero dizer: se o registro do instrumento particular de compromisso de venda e compra, desnecessário para obtenção da sentença, substitutiva do contrato definitivo, não impede o promitente vendedor de transferir a propriedade a. terceiros – embora seja idóneo para comprometer a. eficácia, deste negócio jurídico -, impõe, na mesma linha, de entendimento, admitir que o registro de escritura de venda, e compra, pelos sucessores dos titulares do domínio prescinde do cancelamento do registro do compromisso de venda e compra, ainda que o promitente comprador não tenha, participado do negócio jurídico posterior. (CSM Apelação 0025566-92.2011.8.26.0477 Rel. José Renato Nalinij. 10/12/2013) “
Assim, como o imóvel está registrado em nome do IPESP, não há que se falar em violação ao princípio da continuidade, porque aquele que o aliena é quem consta no registro como o titular do direito transferido, conforme exige o art. 195, da Lei n° 6.015/73.
Portanto, se o direito pátrio admite a lavratura de escritura pública em favor daquele que não figura como compromissário comprador registrado, com maior razão a possibilidade de registro de escritura pública em favor de compromissário comprador que já teve seus direitos registrados partilhados, em razão do falecimento, como é a hipótese em exame, afastada qualquer fumaça de má-fé.
Sob a ótica da qualificação do título, não há óbice ao ingresso da escritura pública em discussão, razão pela qual a sentença merece ser reformada e a dúvida julgada improcedente.
Estaco que no caso concreto os apresentantes do titulo e recorrentes são os herdeiros dos promissários compradores originais.
Nada impedem que regularizem a titularidade dominial para, em seguida, outorgarem a escritura definitiva aos atuais cessionários de direitos de promissários compradores, que já inscreveram no registro seu direito real de aquisição.
Em suma, o registro do título não cria antinomia de direitos reais, mas constitui etapa para que os recorrentes possam, ato contínuo, outorgar a escritura definitiva aos cessionários dos direitos de promissários compradores.
Ante o exposto, pelo meu voto, recebo o recurso como APELAÇÃO e a ela dou provimento, julgando improcedente a dúvida.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
(DJe de 04.03.2024 – SP)