CSM|SP: Registro de imóveis – Usucapião extrajudicial – Dúvida julgada procedente – Documentação apresentada insuficiente para qualificação positiva do título rejeição do pedido que se impõe, na forma do art. 216-A, § 8º, da Lei nº 6.015/1973 – Interessados que, assim querendo, poderão buscar na esfera jurisdicional o reconhecimento de seu alegado direito – Apelação não provida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0001253-04.2019.8.26.0278, da Comarca de Itaquaquecetuba, em que são apelantes MARIA DO CARMO VELOSO, GERALDO EUSTÁQUIO VELOSO, CARLOS ALBERTO VELOSO e JOEL APARECIDO VELOSO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE ITAQUAQUECETUBA.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 8 de março de 2024.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 0001253-04.2019.8.26.0278
APELANTES: Maria do Carmo Veloso, Geraldo Eustáquio Veloso, Carlos Alberto Veloso e Joel Aparecido Veloso
APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarda de Itaquaquecetuba
VOTO Nº 43.168 -– Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –
Registro de imóveis – Usucapião extrajudicial – Dúvida julgada procedente – Documentação apresentada insuficiente para qualificação positiva do título rejeição do pedido que se impõe, na forma do art. 216-A, § 8º, da Lei nº 6.015/1973 – Interessados que, assim querendo, poderão buscar na esfera jurisdicional o reconhecimento de seu alegado direito – Apelação não provida.
Trata-se de apelação interposta por Joel Aparecido Veloso, Geraldo Eustáquio Veloso, Carlos Alberto Veloso e Maria do Carmo Veloso contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, Civil de Pessoa Jurídica e Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas de Itaquaquecetuba/SP, que manteve a recusa de registro da aquisição da propriedade por usucapião dos imóveis matriculados sob nos 29.545 e 29.546 junto ao Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Poá/SP, sob o fundamento de que não há provas do preenchimento dos requisitos legais da modalidade de usucapião eleita (fls. 461/463).
Alegam os apelantes, em síntese, estar demonstrado o exercício da posse mansa, pacífica e ininterrupta pelo tempo necessário à configuração da usucapião extraordinária, como confirmam as atas notariais e demais documentos apresentados ao Oficial de Registro.
Entendem ser possível somar sua posse à posse exercida por seus falecidos genitores, iniciada há mais de vinte anos, esclarecendo que, na área usucapienda, há quatro edificações, onde residem. Afirmam que, nos termos do art. 10 do Provimento CNJ nº 65/2017, compete ao Oficial de Registro notificar o herdeiro dos titulares de domínio, não podendo, portanto, ser responsabilizados pela diligência faltante. Aduzem, por fim, que o fato de ter o procedimento se prolongado no tempo decorre das inúmeras exigências formuladas pelo Oficial de Registro, não servindo de motivo para indeferimento do pedido (fls. 476/485).
O Oficial de Registro de Imóveis manifestou-se a fls. 514/515.
A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 536/539).
O julgamento do feito foi convertido em diligência (fls. 541), sobrevindo aos autos os esclarecimentos prestados pelo Oficial de Registro de Imóveis (fls. 544/553), com posterior manifestação dos apelantes (fls. 558/563).
É o relatório.
O procedimento extrajudicial de usucapião foi iniciado perante o Oficial de Registro de Imóveis, tendo o MM. Juiz Corregedor Permanente julgado procedente a dúvida suscitada para confirmar a rejeição do pedido, com a consequente manutenção da negativa de registro (fls. 461/463).
O Oficial de Registro havia indeferido o pedido de usucapião extrajudicial, por entender que (fls. 261/267 e 414/418):
“1) o imóvel que se pretende usucapir tem como origem tabular as matrículas nos 29.545 e 29.546 do Registro de Imóveis de Poá (fls. 43/44), nas quais os imóveis constam ser propriedade de JOSÉ LUIZ MENDES RAMOS, casado com IDELMA LONGO RAMOS; 1.1) o requerente informou que IDELMA LONGO RAMOS é falecida desde 1990, conforme certidão de óbito de fls. 70. A certidão relata que IDELMA faleceu em 29/01/1990, no estado civil de casada com JOSÉ LUIZ MENDES RAMOS, deixando um filho menor de nome LUIZ;
1.2) como nas matrículas dos imóveis não há esclarecimentos acerca do regime de bens adotado pelo casal, não foi possível aferir, de início, se houve ou não comunicação do bem. Por essa razão, solicitamos ao interessado a apresentação da certidão de casamento de IDELMA LONGO RAMOS e JOSÉ LUIZ MENDES RAMOS, para verificação do regime adotado;
1.3) o advogado apresentou cópia da certidão de casamento de JOSÉ e IDELMA (fls. 101), mas nela não consta o regime de bens adotado para o casamento. O advogado esclarece às fls. 96 que não houve comunicação do imóvel, por tratar-se de bem de herança. Contudo, tais esclarecimentos não servem e não possuem fundamento para afastar a comunicabilidade. No caso, somente após esclarecido o regime adotado é que se poderá cogitar a eventual incomunicabilidade do bem;
1.4) portanto, como não há um título formal de transmissão da propriedade por parte dos tabulares, torna-se imprescindível a anuência ou notificação do meeiro e do herdeiro filho. Conforme dispõe o artigo 12 do Provimento 65/2017, na hipótese de algum titular de direitos reais registrados na matrícula do imóvel usucapiendo ter falecido, a anuência ao procedimento de usucapião dever ser prestada pelos herdeiros legais, desde que apresentem escritura pública declaratória de que são os únicos herdeiros com nomeação do inventariante, o que não foi juntado nos autos;
1.5) além disso, a certidão de óbito de IDELMA (fls. 70) aponta que ela possuía um filho de nome JOSÉ LUIZ, que, na época (1990), era menor. Na nota devolutiva anterior solicitamos esclarecimentos sobre a data do nascimento do filho JOSÉ LUIZ, pois, conforme dispõe o artigo 198, I, do Código Civil, contra o incapaz não corre a prescrição, de modo que o prazo para a usucapião só poderia começar a contar após a cessação da incapacidade. Contudo, não foi apresentada a certidão de nascimento do herdeiro filho dos tabulares. Foi declarado, apenas, que ele nasceu em 24/07/1979 e que, na época do óbito JOSÉ LUIZ, possuía 10 anos e meio e que sua incapacidade cessou em 24/07/1997. Porém, nada disso foi comprovado por documentos idôneos. Segundo o advogado, o Sr. JOSÉ LUIZ se comprometeu a juntar nos autos a sua certidão de nascimento, o que não ocorreu até a presente data;
(…)
2) os requerentes continuam a alegar que exercem posse do imóvel desde o nascimento de cada um, fato que não é possível considerar. Isto porque, cada um deles nasceu em datas diferentes, e não é usual que uma criança exerça posse “ad usucapionem” desde o seu nascimento. Se eles estão no imóvel desde que nasceram, na verdade, quem exercia a posse eram seus pais ou responsáveis que tinham a posse do imóvel, e não os requerentes;
(…)
3) voltando à posse dos requerentes, alguns pontos não foram esclarecidos (…);
4) no que se refere ao confrontante do lado esquerdo de quem da Rua Chavantes olha para o imóvel, verificamos que o terreno designado pelo lote 13 da quadra 15 da Vila São Carlos, tem como proprietário tabular, JOSÉ PORFIRIO SIQUEIRA FILHO, solteiro, conforme transcrição nº 55.274 do 1º R.I. de Mogi das Cruzes. Os requerentes apresentaram cópia de escritura de venda e compra, lavrada em 07/08/2002, na qual o proprietário tabular transmite o imóvel a HELVECIO VELOSO e sua esposa MARIA OLIMPIA DE JESUS VELOSO. Em buscas realizadas na Central do Registro Civil, verificamos que o Sr. HELVECIO VELOSO faleceu em 12/09/2005, por essa razão os requerentes colheram na planta apenas assinatura da viúva, MARIA OLIMPIA DE JESUS VELOSO. Ocorre que, para considerar suficiente apenas a assinatura da viúva, seria necessário que os requerentes apresentem o termo judicial ou a escritura extrajudicial de nomeação de MARIA OLIMPIA DE JESUS VELOSO como inventariante representante do Espólio de HELVECIO VELOSO, documento que até a presente data não foi apresentado;
5) em relação ao confrontante dos fundos (lote 04, quadra 15, Vila São Carlos), verifica-se como titular tabular a Srª. ROSARIA ISOLINA DE MORAIS, conforme transcrição nº 47.950 do 1º R.I. de Mogi das Cruzes. A planta foi assinada somente pelos ocupantes, ARISTIDES MIZAEL DOS SANTOS e JOSEFA BERNARDO DOS SANTOS e, neste caso, não foi apresentado qualquer título de transmissão da tabular aos ocupantes. Assim, caso não haja título que comprove a transmissão, será necessário colher na planta também a anuência do confrontante tabular;
(…)
6) não foram apresentadas certidões das escrituras de transmissões aos ocupantes, emitidas pelos respectivos tabeliães ou cópias autenticadas dos originais, ou ainda, cópias integrais das escrituras com declaração do advogados de que se trata de documentos autênticos conforme os originais;
7) não foram apresentadas negativas dos distribuidores da Justiça Estadual em nome dos tabulares, JOSE LUIZ MENDES RAMOS e IDELMA LONGO RAMOS;
8) também não foram apresentadas certidões negativas dos distribuidores da Justiça Federal em nome de IDELMA LONGO RAMOS, VALESCA INGRID DOS SANTOS VELOSO, ALESSANDRA CARDOSO CERQUEIRA e CRISTIANE SIQUEIRA VELOSO;
9) os documentos de fls. 106/122, relativos aos documentos pessoais dos requerentes não foram declarados autênticos pelo advogado, conforme faculta o artigo 4º, § 3º, do Provimento 65/2017;
10) não foram apresentadas certidões de óbito de HELVECIO VELOSO e de IDELMA LONGO RAMOS.
(…)”.
Como se vê, a despeito das alegações apresentadas pelos apelantes em suas razões recursais, a controvérsia não está, simplesmente, na suficiência, ou não, das provas apresentadas para comprovação do preenchimento dos requisitos da usucapião extraordinária.
Em verdade, antes mesmo da análise da natureza e tempo da posse exercida pelos apelantes sobre os imóveis usucapiendos, é preciso ressaltar que, para o processamento da usucapião extraordinária, impõe-se a observância das diretrizes trazidas pela Provimento CNJ nº 65/2017, em vigor quando do início do presente procedimento. Essa circunstância não se alterou com a edição do Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça (Provimento nº 149/2023 do Conselho Nacional de Justiça), que atualmente regula a usucapião extrajudicial.
De seu turno, as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça dispõem, nos subitens 416.1 e 416.2, Capítulo XX, Tomo II, sobre os requisitos do requerimento da usucapião extrajudicial e os documentos que devem instruir o pedido.
Ocorre que, em sua manifestação nos autos (fls. 542/553), o Oficial de Registro esclareceu que, para além dos questionamentos referentes à prova da posse mansa, pacífica e ininterrupta, pelo prazo da prescrição aquisitiva, no caso concreto não houve, em virtude da não apresentação da documentação exigida, a devida notificação do proprietário tabular dos imóveis usucapiendos, dos confrontantes do lado esquerdo e dos fundos. Confirmou, ainda, que não foram juntadas todas as necessárias certidões dos distribuidores da Justiça Estadual e Federal.
Ora, insistem os apelantes em afirmar que as provas trazidas aos autos, assim como as assinaturas lançadas na planta apresentada ao registrador e o pedido de notificação dos atuais ocupantes dos imóveis em questão seriam suficientes para deferimento do pedido de usucapião.
No entanto, sem que sejam atendidas as exigências formuladas pelo registrador, com a consequente juntada dos documentos faltantes, mostra-se inviável o deferimento do registro pretendido pelos apelantes. A propósito, o art. 216-A, § 8º, da Lei nº 6.015/1973 impõe a rejeição do pedido pelo Oficial do Registro de Imóveis se a documentação apresentada não estiver em ordem para a concessão da usucapião extrajudicial.
Consigne-se, por fim, que os apelantes, assim querendo, deverão buscar na via jurisdicional o reconhecimento de seu alegado direito, segundo a possibilidade instituída pelo art. 216-A, § 9º, da Lei nº 6.015/1973 e pelo subitem 421.5, Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.
Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
(DJe de 14.03.2024 – SP)