CSM|SP: Registro de imóveis – Negativa de registro de escritura de compra e venda de bem imóvel – Recusa fundada na necessidade de prévio inventário de bens deixados pelo cônjuge – Direito de acrescer não ocorrente na espécie – Doação realizada exclusivamente em favor dos filhos, e não de seus cônjuges – Mancomunhão sobre o imóvel doado que decorre do regime de bens do casamento e não de efeitos próprios da doação – Inaplicabilidade do art. 551, parágrafo único do código civil – Sentença mantida – Apelação não provida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1007246-74.2023.8.26.0438, da Comarca de Penápolis, em que é apelante MADALENA MIRANDA GOMIDE, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE PENÁPOLIS.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 8 de março de 2024.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1007246-74.2023.8.26.0438
APELANTE: Madalena Miranda Gomide
APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Penápolis
VOTO Nº 43.165
Registro de imóveis – Negativa de registro de escritura de compra e venda de bem imóvel – Recusa fundada na necessidade de prévio inventário de bens deixados pelo cônjuge – Direito de acrescer não ocorrente na espécie – Doação realizada exclusivamente em favor dos filhos, e não de seus cônjuges – Mancomunhão sobre o imóvel doado que decorre do regime de bens do casamento e não de efeitos próprios da doação – Inaplicabilidade do art. 551, parágrafo único do código civil – Sentença mantida – Apelação não provida.
Trata-se de apelação interposta por MADALENA MIRANDA GOMIDE contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis de Penápolis, que, em dúvida suscitada, manteve a recusa de registro da Escritura Pública de Venda e Compra do imóvel de matrícula nº 29.539 daquela serventia, exigindo a realização de inventário e partilha dos bens deixados pelo cônjuge falecido, Nilsen Arruda Gomide (fls. 83/84).
A apelante pretende, em síntese, seja reconhecido o direito de acrescer com fundamento no artigo 551, parágrafo único, do Código Civil, dispensando-se a abertura de inventário pelo falecimento de seu marido. Nestes termos, requer a reforma da r. sentença, com ingresso do título no fólio real (fls. 85/92).
A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 127/129).
É o relatório.
Decido.
A recorrente apresentou a registro a escritura pública de compra e venda e divisão amigável, lavrada pelo 1º Tabelionato de Notas de Penápolis (livro 439, fls. 299/304), em que Hamilton Vieira Miranda e outros venderam a Acir Vieira de Miranda, casado com Maria Constância Baffile de Miranda, e Madalena Miranda Gomide, viúva, uma parte ideal de 60% de uma propriedade composta de 14,4093 hectares, procedente da matrícula nº 29.539, adquirindo, cada comprador, 30% do imóvel, do qual já possuíam em comum, os outros 40%.
Na mesma escritura, os agora únicos proprietários, Acir e Madalena, decidem dividir o imóvel, ficando uma gleba de 6,5572 hectares para o primeiro, e outra de 7,8521 hectares para a segunda.
Como esclareceu o Oficial, Madalena comparece na referida escritura na condição de viúva, requerendo que seja acrescida a parte que seria de seu falecido cônjuge ao patrimônio, com invocação do disposto no artigo 551, §1º, do Código Civil Brasileiro, com o que o delegatário não concordou, como explicitado na nota de devolução nº 208.101 (fls. 70):
“- O acréscimo requerido pela vendedora Madalena não pode ser feito tendo em vista que a parte recebida por doação de seus pais foi feita a ela casada com Nilson e não ao casal, Nesse caso não se aplica o direito de acrescer, previsto no art. 551-§ 1º do código civil. – Necessário apresentar o ART do profissional responsável”.
A recusa do Oficial, salvo melhor juízo de Vossa Excelência, deve prevalecer.
O direito de acrescer entre cônjuges está previsto no parágrafo único do artigo 551 do Código Civil, cujo teor transcrevo:
“Art. 551. Salvo declaração em contrário, a doação em comum a mais de uma pessoa entende-se distribuída entre elas por igual.
Parágrafo único. Se os donatários, em tal caso, forem marido e mulher, subsistirá na totalidade a doação para o cônjuge sobrevivo”.
Da leitura do dispositivo legal, conclui-se que na doação feita aos cônjuges, isto é, ao casal, subentende-se estabelecido o direito de acrescer, de modo que, falecido um dos cônjuges, o imóvel passa a pertencer na totalidade ao cônjuge sobrevivente, não integrando o acervo hereditário.
Nesse sentido é o ensinamento de Maria Helena Diniz, em comentário ao art. 551, na obra Código Civil Anotado, São Paulo: Editora Saraiva, 18ª Edição, pág. 505:
“Se os beneficiários são marido e mulher (casal donatário), a regra é a do direito de acrescer: a doação subsistirá, na totalidade, para o cônjuge sobrevivente (RJTJSP, 138:105; RT, 677:218) não passando a parte do bem doado, cabível ao de cujus ao acervo hereditário, nem aos herdeiros necessários”.
A hipótese vertente é semelhante à apreciada nos autos do Recurso Administrativo nº 1000010-77.2017.8.26.0019, em que o parecer da lavra do MM. Juiz Assessor da Corregedoria, Dr. Paulo Rogério Bonini, foi acolhido pelo então Desembargador Corregedor Geral da Justiça, Dr. Ricardo Mair Anafe, onde ficou expressamente consignado que:
“O fato de haver doação a um dos cônjuges que, por força do regime de bens, irá se integrar a comunhão, não indica desnecessidade de liquidação da meação e dos bens particulares do cônjuge falecido, formando-se, a um só tempo, a meação do cônjuge sobrevivente e a herança partilhável. A tese confunde os efeitos de cláusula contratual decorrente da doação em favor de ambos os cônjuges com os efeitos do regime de bens em relação ao bem doado a um só deles.
Se a recorrente era casada pelo regime da comunhão universal de bens e recebeu, individualmente, doação sem a imposição de cláusula de incomunicabilidade, houve natural comunhão sobre o bem e, com o falecimento de seu cônjuge, deverá a mancomunhão ser liquidada para fins de aferição da meação sobre o bem comum e da parte legítima dos herdeiros. Neste sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, apreciando recurso especial em processo que discutir a mesma questão apresentada na tese recursal: Civil. Recurso especial. Inventário. Imóvel obtido pelo falecido mediante doação. Único donatário. Subsistência da doação em relação ao seu cônjuge, com base no art. 1178, parágrafo único do CC. Impossibilidade. – A aplicação do art. 1178, parágrafo único do CC, no sentido de subsistir a doação em relação ao cônjuge supérstite, condiciona-se ao fato de terem figurado como donatários marido e mulher. No contrato de doação, se apenas o marido figura como donatário, ocorrendo a morte deste, eventual benefício à mulher somente se configurará se o regime de bens, estabelecido no matrimônio, permitir. Recurso especial não conhecido. (STJ Resp 324.593/SP 3ª T. rel.ª Min.ª Nancy Andrighi j. 16.09.2003 DJ 01.12.2003).
Do teor do voto, colhe-se a seguinte posição:
“Por outro lado, se na doação figura como donatário somente o marido ou a mulher, em razão de sua morte serão os seus herdeiros beneficiados. Nessa hipótese, poderá o cônjuge supérstite, caso exista, ser ou não beneficiado em razão do regime de bens adotado no matrimônio. Adotado o regime de comunhão de bens, o bem doado acrescerá a meação do cônjuge supérstite, nos termos do art. 263, II do CC, se no contrato de doação não restou lançada cláusula de incomunicabilidade. A respeito da questão, assim se pronunciou o mestre Pontes de Miranda: ‘No art. 1178, parágrafo único, estabelece-se o direito do cônjuge sobrevivo à totalidade da doação. Nada tem isso com a sorte da doação confirme o regime matrimonial de bens. O que o parágrafo único faz entender-se é que, se os donatários são cônjuges, a parte do cônjuge que premorre passa ao sobrevivo. Nada tem isso com a doação a um dos cônjuges, se o regime é da comunhão de bens, ou outro regime. O parágrafo único supõe pluralidade, aí duas pessoas, que foram os outorgados, e em atenção à situação jurídica entre eles estatui que toda a doação vai ao que está vivo. Se já a haviam recebido, não há invocabilidade do parágrafo único.’ (Tratado de Direito Privado Parte Especial, Tomo XLVI, Ed. Borsoi, Rio de Janeiro, 1964, p. 237).”
Na espécie, não houve doação ao casal, mas apenas a Madalena, quando era casada pelo regime da comunhão universal de bens.
A procedência da propriedade de Madalena está no R.01 da matrícula nº 29.539, em que ela recebeu, em doação, juntamente com seus irmãos, uma parte ideal do referido imóvel.
Confira-se o R.01 da matrícula nº 29.539:
“Por escritura pública lavrada no 1º Tabelionato de Notas local, em 10 de setembro de 1999, no livro 257, fls. 163/164, o proprietário Augusto Vieira de Miranda, acima qualificado, transmitiu a título de doação à seus filhos: MADALENA MIRANDA GOMIDE (…) casada sob o regime da comunhão de bens, antes da Lei 6.515/77, com NILSEN ARRUDA GOMIDE (…); HAMILTON VIEIRA DE MIRANDA (…) casado com BALBINA PRANCISCA PAES DE MIRANDA (…); ACIR VIEIRA DE MIRANDA (…) casado com MARIA CONSTÂNCIA BAFILE DE MIRANDA (…); EURIDES VIEIRA DE MIRANDA CUNHA (…) casada com RUBENS CUNHA (…); AMIR VIEIRA DE MIRANDA (…) casada com MARIA ELENA MUNHOZ MIRANDA (…) o imóvel objeto desta matrícula (…)” (grifo nosso).
Como se vê do registro em apreço, a doação foi feita pelo genitor a seus filhos, e não a seus filhos e correspondentes cônjuges.
Desta forma, Madalena recebeu sua parte ideal do imóvel por doação de seu pai, quando estava casada com Nilsen Arruda Gomide, sob o regime da comunhão universal de bens, hipótese que não dá ensejo ao direito de acrescer entre cônjuges previsto no parágrafo único do artigo 551 do Código Civil.
Somente, portanto, em casos de doação expressa ao casal é que há incidência da regra do citado dispositivo legal.
Na espécie, a doação foi feita exclusivamente a Madalena e a seus irmãos, não incluindo os correspondentes cônjuges, como já destacado.
Assim, não há que se falar em incidência da regra do art. 551, parágrafo único, do Código Civil à hipótese vertente.
Diante do falecimento do cônjuge de Madalena, necessária a partilha de bens para que seja dado destino ao seu patrimônio.
Nesse sentido, é o entendimento da Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo:
“REGISTRO DE IMÓVEIS. RECORRENTE QUE PRETENDE, DEPOIS DE AVERBADO NA MATRÍCULA O ÓBITO DE SEU CÔNJUGE, COM QUEM ERA CASADA SOB O REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS, SEJA TAMBÉM AVERBADA A SUBSISTÊNCIA, EM SEU FAVOR, DA TOTALIDADE DA PARTE IDEAL DO IMÓVEL RECEBIDO POR DOAÇÃO. NEGATIVA DE AVERBAÇÃO, COM EXIGÊNCIA DE QUE A PARTE CABENTE AO FALECIDO SEJA LEVADA A INVENTÁRIO. DOAÇÃO REALIZADA EXCLUSIVAMENTE EM FAVOR DO CÔNJUGE FALECIDO. INAPLICABILIDADE DO DISPOSTO NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 551 DO CÓDIGO CIVIL ÓBICE MANTIDO. RECURSO NÃO PROVIDO.” (Parecer 10/2024-E, Processo CG nº 1005259-37.2022.8.26.0438, Juíza Assessora da Corregedoria Geral da Justiça Maria Isabel Romero Rodrigues Henriques, aprovado pelo E. Des. Francisco Eduardo Loureiro, em 19/01/2024).
“REGISTRO DE IMÓVEIS – Recorrente que pretende, depois de averbado na matrícula o óbito de seu cônjuge, com quem era casada sob o regime da comunhão universal de bens, que seja também averbada a subsistência, em seu favor, da totalidade da parte ideal do imóvel recebido por doação – Negativa de averbação, com exigência de que a parte cabente ao falecido seja levada a inventário – Doação realizada exclusivamente em favor da recorrente, filha dos doadores, e não em favor dela e seu marido – Inaplicabilidade do disposto no parágrafo único do art. 551 do Código Civil – Mancomunhão sobre o imóvel doado que decorre do regime de bens do casamento e não de efeitos próprios da doação – Óbice mantido – Recurso não provido.” (Parecer 113/2020-E, Processo CG 1000013-32.2017.8.26.0019, Parecer MM Juíza Auxiliar da Corregedoria Stefânia Costa Amorim Requena, aprovado pelo E. Des. Ricardo Mair Anafe, em 13/03/2020).
Correta, portanto, a recusa do registrado pelo ingresso do título no fólio real.
Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
(DJe de 14.03.2024 – SP)