STJ: Direito Civil. Adoção de menores por casal homossexual. Imprescindibilidade da prevalência dos interesses dos menores. Verifica-se nos autos reais vantagens para os adotandos. Artigos 1º da lei 12.010⁄09 e 43 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Deferimento da medida.
EMENTA
DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. ADOÇÃO DE MENORES POR CASAL HOMOSSEXUAL. SITUAÇÃO JÁ CONSOLIDADA. ESTABILIDADE DA FAMÍLIA. PRESENÇA DE FORTES VÍNCULOS AFETIVOS ENTRE OS MENORES E A REQUERENTE. IMPRESCINDIBILIDADE DA PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DOS MENORES. RELATÓRIO DA ASSISTENTE SOCIAL FAVORÁVEL AO PEDIDO. REAIS VANTAGENS PARA OS ADOTANDOS. ARTIGOS 1º DA LEI 12.010⁄09 E 43 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. DEFERIMENTO DA MEDIDA. 1. A questão diz respeito à possibilidade de adoção de crianças por parte de requerente que vive em união homoafetiva com companheira que antes já adotara os mesmos filhos, circunstância a particularizar o caso em julgamento. 2. Em um mundo pós-moderno de velocidade instantânea da informação, sem fronteiras ou barreiras, sobretudo as culturais e as relativas aos costumes, onde a sociedade transforma-se velozmente, a interpretação da lei deve levar em conta, sempre que possível, os postulados maiores do direito universal. 3. O artigo 1º da Lei 12.010⁄09 prevê a “garantia do direito à convivência familiar a todas e crianças e adolescentes”. Por sua vez, o artigo 43 do ECA estabelece que “a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos”. 4. Mister observar a imprescindibilidade da prevalência dos interesses dos menores sobre quaisquer outros, até porque está em jogo o próprio direito de filiação, do qual decorrem as mais diversas consequencias que refletem por toda a vida de qualquer indivíduo. 5. A matéria relativa à possibilidade de adoção de menores por casais homossexuais vincula-se obrigatoriamente à necessidade de verificar qual é a melhor solução a ser dada para a proteção dos direitos das crianças, pois são questões indissociáveis entre si. 6. Os diversos e respeitados estudos especializados sobre o tema, fundados em fortes bases científicas (realizados na Universidade de Virgínia, na Universidade de Valência, na Academia Americana de Pediatria), “não indicam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga a seus cuidadores”. 7. Existência de consistente relatório social elaborado por assistente social favorável ao pedido da requerente, ante a constatação da estabilidade da família. Acórdão que se posiciona a favor do pedido, bem como parecer do Ministério Público Federal pelo acolhimento da tese autoral. 8. É incontroverso que existem fortes vínculos afetivos entre a recorrida e os menores – sendo a afetividade o aspecto preponderante a ser sopesado numa situação como a que ora se coloca em julgamento. 9. Se os estudos científicos não sinalizam qualquer prejuízo de qualquer natureza para as crianças, se elas vêm sendo criadas com amor e se cabe ao Estado, ao mesmo tempo, assegurar seus direitos, o deferimento da adoção é medida que se impõe. 10. O Judiciário não pode fechar os olhos para a realidade fenomênica. Vale dizer, no plano da “realidade”, são ambas, a requerente e sua companheira, responsáveis pela criação e educação dos dois infantes, de modo que a elas, solidariamente, compete a responsabilidade. 11. Não se pode olvidar que se trata de situação fática consolidada, pois as crianças já chamam as duas mulheres de mães e são cuidadas por ambas como filhos. Existe dupla maternidade desde o nascimento das crianças, e não houve qualquer prejuízo em suas criações. 12. Com o deferimento da adoção, fica preservado o direito de convívio dos filhos com a requerente no caso de separação ou falecimento de sua companheira. Asseguram-se os direitos relativos a alimentos e sucessão, viabilizando-se, ainda, a inclusão dos adotandos em convênios de saúde da requerente e no ensino básico e superior, por ela ser professora universitária. 13. A adoção, antes de mais nada, representa um ato de amor, desprendimento. Quando efetivada com o objetivo de atender aos interesses do menor, é um gesto de humanidade. Hipótese em que ainda se foi além, pretendendo-se a adoção de dois menores, irmãos biológicos, quando, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, que criou, em 29 de abril de 2008, o Cadastro Nacional de Adoção, 86% das pessoas que desejavam adotar limitavam sua intenção a apenas uma criança. 14. Por qualquer ângulo que se analise a questão, seja em relação à situação fática consolidada, seja no tocante à expressa previsão legal de primazia à proteção integral das crianças, chega-se à conclusão de que, no caso dos autos, há mais do que reais vantagens para os adotandos, conforme preceitua o artigo 43 do ECA. Na verdade, ocorrerá verdadeiro prejuízo aos menores caso não deferida a medida. 15. Recurso especial improvido. (STJ – REsp nº 889.852 – RS – 4ª Turma – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJ 10.08.2010)
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, por unanimidade, conhecer do recurso especial e negar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ⁄AP), Aldir Passarinho Junior e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 27 de abril de 2010(data do julgamento)
MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO – Relator
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
1. LMBG requereu a adoção dos menores JVRM e PHRM, irmãos biológicos, nascidos em 07.09.2002 e 26.12.2003. Informa a requerente que vive em união homoafetiva com LRM desde 1998, e que sua companheira adotou judicialmente as crianças desde o nascimento.
Após a realização de minucioso estudo social do caso (fls. 13-17), a sentença julgou procedente o pedido, deferindo a adoção e determinando a inserção do sobrenome de LMBG nas crianças, “sem mencionar as palavras pai e mãe”, acrescentando ainda que “a relação avoenga não explicitará a condição materna ou paterna” (fls. 24-35).
A apelação cível interposta pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul foi improvida, estando a ementa assim redigida:
“APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO. CASAL FORMADO POR DUAS PESSOAS DE MESMO SEXO. POSSIBILIDADE. Reconhecida como entidade familiar, merecedora da proteção estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo, com características de duração, publicidade, continuidade e intenção de constituir família, decorrência inafastável é a possibilidade de que seus componentes possam adotar. Os estudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227 da Constituição Federal). Caso em que o laudo especializado comprova o saudável vínculo existente entre as crianças e as adotantes. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME” (fl. 69).
O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul interpõe recurso especial, fundado nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional. Alega contrariedade aos artigos 1.622 e 1.723 do Código Civil de 2002, 1º da Lei 9.278⁄96 e 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, além de dissídio pretoriano. Requer o provimento do recurso, “para o fim de definir a união homossexual apenas como sociedade de fato e, consectariamente, fazer incidir o artigo 1.622 do Código Civil, vedando a adoção conjunta dos menores pleiteada” (fls 85-110).
Contrarrazões às fls. 134-148.
Os recursos especial e extraordinário foram admitidos na origem (fls. 150-151).
O parecer do Ministério Público Federal, subscrito pelo eminente Subprocurador Geral da República Pedro Henrique Távora Niess, é pelo não-provimento do recurso, contando com a seguinte ementa (fls.159-167):
RECURSO ESPECIAL. Adoção de filho adotivo de homossexual por sua companheira. Procedência do pedido. Apelação. Improvimento. RESP (CF. Art. 105, III, “a” e “c”). Alegação de ofensa aos arts. 1622 e 1723 do Código Civil, ao art. 1º da Lei 9.278⁄96 e ao art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil. Inocorrência. Apontado dissídio jurisprudencial não demonstrado. Parecer pelo não-conhecimento do recurso pela alínea “c” e improvimento pela alínea “a” do permissivo constitucional.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
2. A questão diz respeito à possibilidade de adoção de crianças por parte de requerente que vive em união homoafetiva com companheira que antes já adotara os mesmos filhos, circunstância a particularizar o caso em julgamento.
3. Além da peculiaridade antes realçada, uma outra observação inicial se impõe, ao tratar de tema tão importante.
É a sincronização necessária entre a interpretação legal com o tempo presente. De fato, houve momento na história em que aparecer com tronco desnudo na praia era considerado obsceno, passível o autor de prisão em flagrante. Em tempos outros, o casamento interracial, nos Estados Unidos da América, era proibido em alguns estados da federação.
Destarte, em um mundo pós-moderno de velocidade instantânea da informação, sem fronteiras ou barreiras, sobretudo as culturais e as relativas aos costumes, onde a sociedade transforma-se velozmente, a interpretação da lei, segundo penso, deve levar em conta, sempre que possível, os postulados maiores do direito universal.
Nesse passo, a cláusula constitucional que proíbe a discriminação (art. 3º, IV, da CF) deita raízes na Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Como leciona Fábio Konder Comparato, na obra “A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos”, Ed. Saraiva, p. 240:
Inegavelmente, a Declaração Universal de 1948 representa a culminância de um processo ético que, iniciado com a Declaração de Independência dos Estados Unidos e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da Revolução Francesa, levou ao reconhecimento da igualdade essencial de todo ser humano em sua dignidade de pessoa, isto é, como fonte de todos os valores, independentemente das diferenças de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição, como se diz em seu artigo II. E esse reconhecimento universal da igualdade humana só foi possível quando, ao término da mais desumanizadora guerra de toda a História, percebeu-se que a ideia de superioridade de uma raça, de uma classe social, de uma cultura ou de uma religião, sobre todas as demais, põe em risco a própria sobrevivência da humanidade.
4. No caso dos autos, é adequada uma breve descrição fática da situação, com base nos elementos recolhidos pela assistente social Berenice da Silva, no laudo de fls. 13-17:
“L. de 39 anos e Lu. de 31 anos convivem desde 1998. Em abril de 2003 Lu teve a adoção de P.H. deferida e, em fevereiro de 2004, foi deferida a adoção de J.V. Na época L. participou da decisão e de todo o processo de adoção, auxiliando nos cuidados e manutenção das crianças.
Elas relatam que procuram ser discretas quanto ao seu relacionamento afetivo, na presença das crianças. Participam igualmente nos cuidados e educação dos meninos, porém é L. que se envolve mais no deslocamento deles, quando depende de carro, pois é ela quem dirige.
L. diz que é mais metódica e rígida do que Lu e observou-se que é mais atenta na imposição de limites.
Segundo a Sra. I., mãe de L., a família aceita e apoia sua orientação sexual, “ela é uma filha que nunca deu problemas para a família, acho que as crianças tiveram sorte, pois têm atenção, carinho e tudo o que necessitam, L. os trata como filhos”. Coloca que L. e Lu se relacionam bem. Observou-se fotos dos meninos e de L. na casa dos pais dela, eles costuma visitá-la aos finais de semana, quando almoçam todos juntos e convivem mais com as crianças e Lu (…)
Os meninos chamam L. e Lu de mãe.
P.H. está com 2 anos e 6 meses (…). A professora dele, L.B.F, informou que o menino apresenta comportamento normal para sua faixa etária, se relaciona bem e adaptou-se rapidamente. L. e Lu estão como responsáveis na escola e participam juntas nos eventos na escolinha, sendo bem aceitas pelos demais pais dos alunos.
Observou-se que P.H. é uma criança com aparência saudável, alegre e ativo. J.V. faz tratamento constante para bronquite e, apesar dos problemas de saúde iniciais, apresenta aparência saudável e desenvolvimento normal para sua faixa etária. Durante a tarde, ele fica sob os cuidados da mãe de Lu enquanto Lu e L. trabalham. A Sra. N. coloca que os meninos são muito afetivos com as mães e vice-versa.
Lu coloca que, até agora, não sentiu nenhuma discriminação aos filhos (…).
L. coloca que sempre pensou em adotar, o que se acentuou com a convivência com Lu e as crianças, pois se preocupa com o futuro dos meninos, já que Lu. é autônoma e possui problemas de saúde. E ela já possui uma situação mais estável, trabalha com vínculo empregatício como professora da Urcamp, possuindo convênios de saúde e vantagens para o acesso dos meninos ao ensino básico e superior. Coloca: “a minha preocupação não é criar polêmica, mas resguardá-los para o futuro”.
L. relata que, quando não está trabalhando, se dedica ao cuidado às crianças. Se refere à personalidade de cada um, demonstrando os vínculos e convivência intensa que possui com os meninos. Diz que costumam limitar a vida social às condições de saúde das crianças, principalmente J.V.
Avaliação:
L. possui relacionamento estável com Lu, mantendo a união homoafetiva há 7 anos. (…)
As motivações de L. são adequadas, pois se preocupa com a segurança futura das crianças. (…)
L. e Lu têm exercido a parentalidade com responsabilidade e atenção às necessidades das crianças, possuindo ambiente familiar harmônico e estruturado, sendo que L. é uma profissional atuante e reconhecida na comunidade. (…)
As crianças apresentam desenvolvimento aparentemente normal para sua faixa etária, estando plenamente integrados na família e comunidade, atualmente. (…)
De acordo com o exposto acima, s.m.j., parece que L. tem exercido a parentalidade adequadamente.
Com relação às vantagens da adoção para estas crianças, especificamente, conhecendo-se a família de origem, pode-se afirmar que, quanto aos efeitos sociais e jurídicos são inegáveis, quanto aos efeitos subjetivos é prematuro dizer, porém existem fortes vínculos afetivos que indicam bom prognóstico”.
5. São dois os pontos cruciais para o deslinde da controvérsia submetida a julgamento: a) o primeiro, como antes mencionado, é a situação fática existente, em que a companheira da requerente já havia adotado regularmente as crianças desde o nascimento, e todos convivem em harmonia com a ora pretendente à adoção, porquanto a união de ambas existe desde 1998; b) o segundo, em um viés jurídico, é o fato de inexistir expressa previsão legal permitindo a inclusão, como adotante, do nome da companheira do mesmo sexo nos registros de nascimentos das crianças, nos quais antes constava apenas o nome da companheira que primeiro havia adotado.
5.1. Nesse particular, é bem de ver que a lacuna não pode ser óbice à proteção, pelo Estado, dos direitos das crianças e adolescentes – direitos estes que, por sua vez, são assegurados expressamente em lei. O artigo 1o da Lei 12.010⁄09 prevê a “garantia do direito à convivência familiar a todas e crianças e adolescentes”, devendo o enfoque estar sempre voltado aos interesses do menor.
Com efeito, em se tratando de adoção de crianças, há vários interesses envolvidos – daqueles que pretendem adotar, dos menores, do Ministério Público, da sociedade em geral.
Todavia, mister observar a imprescindibilidade da prevalência dos interesses dos menores sobre quaisquer outros, até porque está em jogo o próprio direito de filiação, do qual decorrem as mais diversas consequencias que refletem por toda a vida de qualquer indivíduo.
Por isso mesmo, a matéria relativa à possibilidade de adoção de menores por casais homossexuais vincula-se obrigatoriamente à necessidade de verificar qual é a melhor solução a ser dada para a proteção dos direitos das crianças, pois são questões indissociáveis entre si. É o que se depreende do artigo 43 do Estatuto da Criança e do Adolescente:
Art. 43. A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos.
5.2. Nesse passo, o acórdão recorrido, em análise detida sobre o tema, trouxe diversos estudos especializados (vale conferir, fls. 74-77), que, em resumo, “não indicam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga a seus cuidadores”.
Em síntese, tais estudos mencionados pelo acórdão (por exemplo, da Universidade de Virgínia, da Universidade de Valência e da Academia Americana de Pediatria) são respeitados e com fortes bases científicas, indicando:
– “ser pai ou ser mãe não está tanto no fato de gerar, quanto na circunstância de amar e servir”;
– “nem sempre, na definição dos papéis maternos e paternos, há coincidência do sexo biológico com o sexo social”;
– “o papel de pai nem sempre é exercido por um indivíduo do sexo masculino”;
– os comportamentos de crianças criadas em lares homossexuais “não variam fundamentalmente daqueles da população em geral”;
– “as crianças que crescem em uma família de lésbicas não apresentam necessariamente problemas ligados a isso na idade adulta”;
– “não há dados que permitam afirmar que as lésbicas e os gays não são pais adequados ou mesmo que o desenvolvimento psicossocial dos filhos de gays e lésbicas seja comprometido sob qualquer aspecto em relação aos filhos de pais heterossexuais”;
– “educar e criar os filhos de forma saudável o realizam semelhantemente os pais homossexuais e os heterossexuais”;
– “a criança que cresce com 1 ou 2 pais gays ou lésbicas se desenvolve tão bem sob os aspectos emocional, cognitivo, social e do funcionamento sexual quanto à criança cujos pais são heterossexuais”.
No caso específico dos autos, o Tribunal de origem entendeu, diante do relatório social anexado às fls. 13-17 e da constatação de estabilidade da família, que o pedido de adoção se mostrava favorável à apelada.
Eis o trecho respectivo (fls. 77-78):
“Postas as premissas, passo ao exame do caso, a fim de verificar se estão aqui concretamente atendidos os interesses dos adotandos.
E, também sob esse aspecto, a resposta é favorável à apelada.
Como ressalta o relatório de avaliação, de fls. 13-17:
(laudo já transcrito)”.
Foi esta também a conclusão do parecer do Ministério Público Federal:
Assim, sendo matéria fática indiscutível a absoluta inexistência de prejuízo no âmbito psicológico-emocional à criança, de cuja adoção se cogita, mas, bem ao contrário, maior segurança, maior amparo e maior afeto a ela reservado, encontra-se apta a recorrida à realização da adoção pretendida (fls. 161-166).
5.3. É incontroverso que existem fortes vínculos afetivos entre a recorrida e os menores – sendo a afetividade o aspecto preponderante a ser sopesado numa situação como a que ora se coloca em julgamento.
O acórdão recorrido ressaltou ser “hora de abandonar os preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes”.
De fato, se os estudos científicos não sinalizam qualquer prejuízo de qualquer natureza para as crianças, se elas vêm sendo criadas com amor e se cabe ao Estado, ao mesmo tempo, assegurar seus direitos, o deferimento da adoção é medida que se impõe.
No caso dos autos, em que as crianças já estão vivendo com o casal desde o nascimento, tendo atualmente seis e sete anos de idade respectivamente, qualquer solução denegatória da adoção retirará das crianças o direito à proteção integral, porquanto contarão apenas com uma das parceiras figurando na certidão de nascimento.
A par de prejuízos de ordem material (sucessão, pensão, dentre outros) que serão acarretados às crianças com a negativa do pleito da autora, avulta-se a questão ética, moral, pois o Judiciário não pode fechar os olhos para a realidade fenomênica.
Vale dizer, no plano da “realidade”, são ambas, a requerente e sua companheira, responsáveis pela criação e educação dos dois infantes, de modo que a elas, solidariamente, compete a responsabilidade.
Não se pode olvidar que se trata de situação fática consolidada, pois as crianças já chamam as duas mulheres de mães e são cuidadas por ambas como filhos. Existe dupla maternidade desde o nascimento das crianças, e não houve qualquer prejuízo em suas criações. Estudam em colégio particular, como consta do relatório social, e não há qualquer preconceito em relação às outras crianças.
Ademais, releva notar que, se não for reconhecido o direito de adoção pela recorrida – que é tida como mãe pelas crianças –, e se a mãe adotiva LRM, sua companheira, vier a faltar, a ora requerente poderá perder o direito de convívio com os filhos, o que será traumático para os menores, que serão “órfãos de mãe viva”.
De outro lado, se a recorrida é que vem a falecer – sendo ela que possui melhores meios de manutenção da família, como preconizado pelas instâncias ordinárias, quando ficou registrado que a mãe adotiva é autônoma e tem problemas de saúde, enquanto a recorrida é funcionária pública, estável, professora universitária e saudável –, impedir a adoção significa deixar as crianças sem a proteção conferida pelos direitos sucessórios.
O mesmo problema se verifica se houver separação. Aqui a probabilidade de a recorrida perder qualquer direito de convívio com as crianças é ainda maior, pois será possível alegar que inexiste qualquer vínculo jurídico entre LMBG e as crianças, o que será prejudicial tanto para a recorrida como, principalmente, para os menores, e estes não terão direito sequer a alimentos.
Como se não bastasse, há efeitos práticos que independem da eventual separação ou da morte.
Caso deferida a adoção, as crianças terão automaticamente o direito de ser incluídas no convênio de saúde da recorrida, que conta também com vantagens para inclusão de filhos no ensino básico e superior, por ser professora universitária.
Por sinal, o plano de saúde da recorrida decorre, como consignado pelas instâncias ordinárias, do vínculo empregatício, em que geralmente são estabelecidas regras de inclusão de dependentes, não sendo, por isso mesmo, daqueles de livre pactuação no mercado, como quer fazer crer o recorrente.
5.4. A atitude da requerente, antes de mais nada, representa um ato de amor, desprendimento. A adoção, quando efetivada com o objetivo de atender aos interesses do menor, como no caso dos autos, é um gesto de humanidade, e LRM foi além, adotando duas crianças e delas cuidando. Os menores são, ainda, irmãos biológicos – e, segundo o Conselho Nacional de Justiça, que criou, em 29 de abril de 2008, o Cadastro Nacional de Adoção, 86% das pessoas que desejavam adotar limitavam sua intenção a apenas uma criança (fonte: Jornal Folha de São Paulo de 4 de agosto de 2009).
Na verdade, a fundamentação do recurso especial passa distante do ponto central da questão, qual seja, os interesses das crianças e, no que diz respeito ao caso concreto, insurge-se apenas quanto à situação das mães, por isso que o Tribunal de origem assinalou:
“Ora, ao acolher-se eventualmente o recurso interposto por quem tem o dever legal de proteger crianças e adolescentes, o que isto mudaria? Afinal, o que quer o agente ministerial? Que essas crianças sejam institucionalizadas? Que as mães se separem?” (fl. 79-verso).
6. A doutrina acolhe a tese do acórdão.
Mormente em se tratando de situação já consolidada, como no caso dos autos, importante destacar a observação de Mariana de Oliveira Farias e Ana Cláudia Bortolozzi Maia a respeito:
“Ora, se o que se busca com a adoção é o bem-estar da criança, como prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente, poderíamos dizer que o não-reconhecimento das famílias compostas por pais⁄mães homossexuais e, assim, a impossibilidade da adoção por ambos os (as) parceiros (as) iria contra os princípios legais, já que facilitaria o fato de a criança se sentir diferente e discriminada. Assim, a criança poderia se sentir estigmatizada não por ser adotada por pessoas homossexuais, mas pela lei de seu país não considerar sua família como tal” (Adoção por Homossexuais – A Família Homoparental sob o Olhar da Psicologia Jurídica, Ed. Juruá, p. 217).
Na mesma linha, confiram-se Vera Lucia da Silva Sapko, Do Direito à Paternidade e Maternidade dos Homossexuais, Ana Paula Ariston Barion Peres, A Adoção por Homossexuais – Fronteiras da Família Pós-modernidade, Enézio de Deus Silva Júnior, A Possibilidade Jurídica de Adoção por Casais Homossexuais.
Por todos, vale transcrever a doutrina de Caio Mário da Silva Pereira, que, curiosamente, menciona exatamente o caso ora em exame, logo após o seu julgamento pelo Tribunal local:
A adoção conjunta por duas pessoas do mesmo sexo foi objeto de reconhecimento pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, tendo como relator o Desembargador Luis Felipe Brasil Santos. A Sétima Câmara Cível, por unanimidade, confirmou a sentença de primeira instância proferida pelo Juiz Julio César Spoladore Domingos, da Comarca de Bagé, concedendo a adoção de dois irmãos, à companheira da mãe biológica. A decisão reconheceu como entidade familiar, merecedora da proteção estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo, com características de duração, publicidade, continuidade e intenção de constituir família, decorrência inafastável é a possibilidade de que seus componentes possam adotar. Não identificando os estudos especializados qualquer inconveniente para que crianças fossem adotadas, e comprovado o saudável vínculo de afeto existente entre as crianças e as adotantes, destacou o ilustre Relator: “é hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227, CF)”. Não se pode usar como argumento contrário à adoção por casal homoafetivo a impossibilidade do registro do filho. O art. 54 da Lei nº 6.015, de 1973, conhecida como “Lei de Registros Públicos”, dentre os elementos de identificação, indica os nomes e prenomes dos pais, e os nomes e prenomes dos avós paternos e maternos. Nada impede a simples menção dos “pais”, atendida a ordem alfabética e respectiva filiação biológica (avós) (Instituições de Direito Civil – Volume V – Direito de Família, Ed. Forense, p. 422).
7. Ademais, como se sabe, e é possível constatar em rápida pesquisa à rede mundial de computadores, são vários países hodiernamente onde há previsão legal expressa permitindo a adoção por casais homossexuais, valendo destacar: Inglaterra, País de Gales e Países Baixos. O mesmo ocorre em algumas províncias da Espanha, entre as quais Navarra e País Basco.
8. Destarte, por qualquer ângulo que se analise a questão, seja em relação à situação fática consolidada, seja no tocante à expressa previsão legal de primazia à proteção integral das crianças, chega-se à conclusão de que, no caso dos autos, há mais do que reais vantagens para os adotandos, conforme preceitua o artigo 43 do ECA. Na verdade, ocorrerá verdadeiro prejuízo aos menores caso não deferida a medida.
9. Como reforço de argumentação, e no sentido de afastar, por outro aspecto, a tese jurídica do recorrente, que alega contrariedade aos artigos 1.622 e 1.723 do Código Civil de 2002, 1º da Lei 9.278⁄96 e 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, vale recordar que, segundo penso, não existe proibição para o reconhecimento de qualquer união, desde que preenchidos os requisitos legais.
Os dispositivos mencionados limitam-se a estabelecer a possibilidade de união estável entre homem e mulher que preencham as condições impostas pela lei, quais sejam, convivência pública, duradoura e contínua, sem restringir eventual união entre dois homens ou duas mulheres.
O objetivo da lei é conferir aos companheiros os direitos e deveres trazidos pelo artigo 2º (Lei 9.278⁄96), não existindo qualquer vedação expressa para que esses efeitos alcancem uniões entre pessoas do mesmo sexo.
Poderia o legislador, caso desejasse, utilizar expressão restritiva, de modo que a união entre pessoas de idêntico sexo ficasse definitivamente excluída da abrangência legal. Contudo, assim não procedeu.
A matéria, conquanto derive de situação fática conhecida de todos, ainda não foi expressamente regulada.
Nesse particular, leciona Vicente Rao:
“As lacunas do direito normativo, segundo Enneccerus, nos quatro casos seguintes se verificam:
(…)
2º. quando a norma é totalmente omissa: a) intencionalmente, porque o problema, ao sobrevir a lei, não se achava suficientemente amadurecido para a solução; b) ou, apenas, porque a solução não foi prevista; c) ou, ainda, porque a questão não chegou a ser praticamente suscitada até a superveniência da norma” (O Direito e a Vida dos Direitos, Volume I. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991, p.456-458).
Como é de curial sabença, a lacuna existe na lei e não no ordenamento jurídico. Admite-se a integração mediante o uso da analogia, a fim de alcançar casos não expressamente contemplados, mas cuja essência coincida com outros tratados pelo legislador.
Nas palavras de Caio Mário da Silva Pereira:
“A analogia consiste no processo lógico pelo qual o aplicador do direito estende o preceito legal aos casos não diretamente compreendidos em seu dispositivo. Pesquisa a vontade da lei, para leva-lá às hipóteses que a literalidade de seu texto não havia mencionado” (Instituições de Direito Civil, Volume 1. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004, p.72).
Por outro lado, ao julgador é vedado eximir-se de prestar jurisdição sob o argumento de ausência de previsão legal.
Maria Berenice Dias, Desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que anos atrás em seus estudos jurídicos cunhou a expressão relação homoafetiva, adverte:
“A falta de previsão específica nos regramentos legislativos não pode servir de justificativa para negar prestação jurisdicional ou ser invocada como motivo para deixar de reconhecer a existência de direito merecedor de tutela.” (Homoafetividade: o que diz a Justiça, Editora: Livraria do Advogado, p.11-12).
Registre-se que o Superior Tribunal de Justiça, a despeito de não haver reconhecido expressamente a união estável homoafetiva, considerou-a análoga à união entre pessoas de sexos diferentes, fazendo incidir, a fim de dispensar tratamento igualitário, em termos patrimoniais, às relações heterossexuais e homossexuais, a norma inserta no artigo 4º da LICC, que dispõe:
Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
Confiram-se os precedentes:
Direito civil. Previdência privada. Benefícios. Complementação.
Pensão post mortem. União entre pessoas do mesmo sexo. Princípios fundamentais. Emprego de analogia para suprir lacuna legislativa.
Necessidade de demonstração inequívoca da presença dos elementos essenciais à caracterização da união estável, com a evidente exceção da diversidade de sexos. Igualdade de condições entre beneficiários.
– Despida de normatividade, a união afetiva constituída entre pessoas de mesmo sexo tem batido às portas do Poder Judiciário ante a necessidade de tutela, circunstância que não pode ser ignorada, seja pelo legislador, seja pelo julgador, que devem estar preparados para atender às demandas surgidas de uma sociedade com estruturas de convívio cada vez mais complexas, a fim de albergar, na esfera de entidade familiar, os mais diversos arranjos vivenciais.
– O Direito não regula sentimentos, mas define as relações com base neles geradas, o que não permite que a própria norma, que veda a discriminação de qualquer ordem, seja revestida de conteúdo discriminatório. O núcleo do sistema jurídico deve, portanto, muito mais garantir liberdades do que impor limitações na esfera pessoal dos seres humanos.
– Enquanto a lei civil permanecer inerte, as novas estruturas de convívio que batem às portas dos Tribunais devem ter sua tutela jurisdicional prestada com base nas leis existentes e nos parâmetros humanitários que norteiam não só o direito constitucional, mas a maioria dos ordenamentos jurídicos existentes no mundo. Especificamente quanto ao tema em foco, é de ser atribuída normatividade idêntica à da união estável ao relacionamento afetivo entre pessoas do mesmo sexo, com os efeitos jurídicos daí derivados, evitando-se que, por conta do preconceito, sejam suprimidos direitos fundamentais das pessoas envolvidas.
– O manejo da analogia frente à lacuna da lei é perfeitamente aceitável para alavancar, como entidade familiar, na mais pura acepção da igualdade jurídica, as uniões de afeto entre pessoas do mesmo sexo. Para ensejar o reconhecimento, como entidades familiares, de referidas uniões patenteadas pela vida social entre parceiros homossexuais, é de rigor a demonstração inequívoca da presença dos elementos essenciais à caracterização da união estável, com a evidente exceção da diversidade de sexos.
– Demonstrada a convivência, entre duas pessoas do mesmo sexo, pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família, haverá, por consequência, o reconhecimento de tal união como entidade familiar, com a respectiva atribuição dos efeitos jurídicos dela advindos.
– A quebra de paradigmas do Direito de Família tem como traço forte a valorização do afeto e das relações surgidas da sua livre manifestação, colocando à margem do sistema a antiga postura meramente patrimonialista ou ainda aquela voltada apenas ao intuito de procriação da entidade familiar. Hoje, muito mais visibilidade alcançam as relações afetivas, sejam entre pessoas de mesmo sexo, sejam entre o homem e a mulher, pela comunhão de vida e de interesses, pela reciprocidade zelosa entre os seus integrantes.
– Deve o juiz, nessa evolução de mentalidade, permanecer atento às manifestações de intolerância ou de repulsa que possam porventura se revelar em face das minorias, cabendo-lhe exercitar raciocínios de ponderação e apaziguamento de possíveis espíritos em conflito.
– A defesa dos direitos em sua plenitude deve assentar em ideais de fraternidade e solidariedade, não podendo o Poder Judiciário esquivar-se de ver e de dizer o novo, assim como já o fez, em tempos idos, quando emprestou normatividade aos relacionamentos entre pessoas não casadas, fazendo surgir, por consequência, o instituto da união estável. A temática ora em julgamento igualmente assenta sua premissa em vínculos lastreados em comprometimento amoroso.
– A inserção das relações de afeto entre pessoas do mesmo sexo no Direito de Família, com o consequente reconhecimento dessas uniões como entidades familiares, deve vir acompanhada da firme observância dos princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da liberdade, da autodeterminação, da intimidade, da não-discriminação, da solidariedade e da busca da felicidade, respeitando-se, acima de tudo, o reconhecimento do direito personalíssimo à orientação sexual.
– Com as diretrizes interpretativas fixadas pelos princípios gerais de direito e por meio do emprego da analogia para suprir a lacuna da lei, legitimada está juridicamente a união de afeto entre pessoas do mesmo sexo, para que sejam colhidos no mundo jurídico os relevantes efeitos de situações consolidadas e há tempos à espera do olhar atento do Poder Judiciário.
– Comprovada a existência de união afetiva entre pessoas do mesmo sexo, é de se reconhecer o direito do companheiro sobrevivente de receber benefícios previdenciários decorrentes do plano de previdência privada no qual o falecido era participante, com os idênticos efeitos operados pela união estável.
– Se por força do art. 16 da Lei n.º 8.213⁄91, a necessária dependência econômica para a concessão da pensão por morte entre companheiros de união estável é presumida, também o é no caso de companheiros do mesmo sexo, diante do emprego da analogia que se estabeleceu entre essas duas entidades familiares.
– “A proteção social ao companheiro homossexual decorre da subordinação dos planos complementares privados de previdência aos ditames genéricos do plano básico estatal do qual são desdobramento no interior do sistema de seguridade social” de modo que “os normativos internos dos planos de benefícios das entidades de previdência privada podem ampliar, mas não restringir, o rol dos beneficiários a serem designados pelos participantes”.
– O direito social previdenciário, ainda que de caráter privado complementar, deve incidir igualitariamente sobre todos aqueles que se colocam sob o seu manto protetor. Nessa linha de entendimento, aqueles que vivem em uniões de afeto com pessoas do mesmo sexo, seguem enquadrados no rol dos dependentes preferenciais dos segurados, no regime geral, bem como dos participantes, no regime complementar de previdência, em igualdade de condições com todos os demais beneficiários em situações análogas.
– Incontroversa a união nos mesmos moldes em que a estável, o companheiro participante de plano de previdência privada faz jus à pensão por morte, ainda que não esteja expressamente inscrito no instrumento de adesão, isso porque “a previdência privada não perde o seu caráter social pelo só fato de decorrer de avença firmada entre particulares”.
– Mediante ponderada intervenção do Juiz, munido das balizas da integração da norma lacunosa por meio da analogia, considerando-se a previdência privada em sua acepção de coadjuvante da previdência geral e seguindo os princípios que dão forma à Direito Previdenciário como um todo, dentre os quais se destaca o da solidariedade, são considerados beneficiários os companheiros de mesmo sexo de participantes dos planos de previdência, sem preconceitos ou restrições de qualquer ordem, notadamente aquelas amparadas em ausência de disposição legal.
– Registre-se, por fim, que o alcance deste voto abrange unicamente os planos de previdência privada complementar, a cuja competência estão adstritas as Turmas que compõem a Segunda Seção do STJ.
Recurso especial provido. (REsp 1.026.981⁄RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04⁄02⁄2010, DJ de 23⁄02⁄2010).
PROCESSO CIVIL E CIVIL – PREQUESTIONAMENTO – AUSÊNCIA – SÚMULA 282⁄STF – UNIÃO HOMOAFETIVA – INSCRIÇÃO DE PARCEIRO EM PLANO DE ASSISTÊNCIA MÉDICA – POSSIBILIDADE – DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADA. (…) – A relação homoafetiva gera direitos e, analogicamente à união estável, permite a inclusão do companheiro dependente em plano de assistência médica. – O homossexual não é cidadão de segunda categoria. A opção ou condição sexual não diminui direitos e, muito menos, a dignidade da pessoa humana. (…) (REsp 238.715⁄RS, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, DJ de 02⁄10⁄2006).
A Suprema Corte também assim se manifestou, em decisão proferida pelo Ministro Celso Mello, quando analisou o pleito formulado na MC na ADin 3.300⁄DF, DJ de 09⁄02⁄2006:
UNIÃO ESTÁVEL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO. ALTA RELEVÂNCIA SOCIAL E JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DA QUESTÃO PERTINENTE ÀS UNIÕES HOMOAFETIVAS. PRETENDIDA QUALIFICAÇÃO DE TAIS UNIÕES COMO ENTIDADES FAMILIARES. DOUTRINA. ALEGADA INCONSTITUCIONALIDADE DOA RT. 1º DA LEI 9.278⁄96. NORMA LEGAL DERROGADA PELA SUPERVENIÊNCIA DO ART. 1723 DO NOVO CÓDIGO CIVIL (2002), QUE NÃO FOI OBJETO DE IMPUGNAÇÃO NESTA SEDE DE CONTROLE ABSTRATO. INVIABILIDADE, POR TAL RAZÃO, DA AÇÃO DIRETA. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA, DE OUTRO LADO, DE SE PROCEDER À FISCALIZAÇÃO NORMATIVA ABSTRATA DE NORMAS CONSTITUCIONAIS ORIGINÁRIAS (ART.226,PARAGRAFO 3º, NO CASO). DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA (STF). NECESSIDADE, CONTUDO, DE SE DISCUTIR O TEMA DAS UNIÕES ESTÁVEIS HOMOAFETIVAS, INCLUSIVE PARA EFEITO DE SUA SUBSUNÇÃO AO CONCEITO DE ENTIDADE FAMILIAR: MATÉRIA A SER VEICULADA EM SEDE DE ADPF. (…) Não obstante as razões de ordem estritamente formal, que tornam insuscetível de conhecimento a presente ação direta, mas considerando a extrema importância jurídico-social da matéria – cuja apreciação talvez pudesse viabilizar-se em sede de argüição de descumprimento de preceito fundamental -, cumpre registrar, quanto à tese sustentada pelas entidades autoras, que o magistério da doutrina, apoiando-se em valiosa hermenêutica construtiva, utilizando-se da analogia e invocando princípios fundamentais (como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não-discriminação e da busca da felicidade), tem revelado admirável percepção do alto significado de que se revestem tanto o reconhecimento do direito personalíssimo à orientação sexual, de um lado, quanto a proclamação da legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como entidade familiar, de outro, em ordem a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais, relevantes conseqüências no plano do Direito e na esfera das relações sociais. Essa visão do tema, que tem a virtude de superar, neste início de terceiro milênio, incompreensíveis resistências sociais e institucionais fundadas em fórmulas preconceituosas inadmissíveis, vem sendo externada, como anteriormente enfatizado, por eminentes autores, cuja análise de tão significativas questões tem colocado em evidência, com absoluta correção, a necessidade de se atribuir verdadeiro estatuto de cidadania às uniões estáveis homoafetivas (LUIZ EDSON FACHIN, “Direito de Família – Elementos críticos à luz do novo Código Civil brasileiro”, p. 119⁄127, item n. 4, 2003, Renovar; LUIZ SALEM VARELLA⁄IRENE INNWINKL SALEM VARELLA, “Homoerotismo no Direito Brasileiro e Universal – Parceria Civil entre Pessoas do mesmo Sexo”, 2000, Agá Juris Editora, ROGER RAUPP RIOS, “A Homossexualidade no Direito”, p. 97⁄128, item n. 4, 2001, Livraria do Advogado Editora – ESMAFE⁄RS; ANA CARLA HARMATIUK MATOS, “União entre Pessoas do mesmo Sexo: aspectos jurídicos e sociais”, p. 161⁄162, Del Rey, 2004; VIVIANE GIRARDI, “Famílias Contemporâneas, Filiação e Afeto: a possibilidade jurídica da Adoção por Homossexuais”, Livraria do Advogado Editora, 2005; TAÍSA RIBEIRO FERNANDES, “Uniões Homossexuais: efeitos jurídicos”, Editora Método, São Paulo; JOSÉ CARLOS TEIXEIRA GIORGIS, “A Natureza Jurídica da Relação Homoerótica”, “in “Revista da AJURIS” nº 88, tomo I, p. 224⁄252, dez⁄2002, v.g.).
Em se tratando de benefícios previdenciários, o INSS editou a Instrução Normativa 25, que “estabelece, por força de decisão judicial, procedimentos a serem adotados para a concessão de benefícios previdenciários ao companheiro ou companheira homossexual”. Tal instrução, embora de caráter administrativo, sinaliza uma evolução no tratamento da matéria, ao se utilizar, expressamente, do termo união estável para as relações homoafetivas. É o que dispõe o artigo 3º: “A comprovação da união estável e dependência econômica far-se-á através dos seguintes documentos…”.
Também a Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006 – a “Lei Maria da Penha” -, estabelece no artigo 5º, parágrafo único, que “As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual”.
No julgamento do Recurso Especial 820.475⁄RJ, DJ de 11⁄05⁄2009, esta Corte entendeu pela possibilidade jurídica do pedido de declaração de união estável formulado por casal homossexual, ficando a ementa assim redigida:
PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO HOMOAFETIVA. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. OFENSA NÃO CARACTERIZADA AO ARTIGO 132, DO CPC. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ARTIGOS 1º DA LEI 9.278⁄96 E 1.723 E 1.724 DO CÓDIGO CIVIL. ALEGAÇÃO DE LACUNA LEGISLATIVA. POSSIBILIDADE DE EMPREGO DA ANALOGIA COMO MÉTODO INTEGRATIVO. 1. Não há ofensa ao princípio da identidade física do juiz, se a magistrada que presidiu a colheita antecipada das provas estava em gozo de férias, quando da prolação da sentença, máxime porque diferentes os pedidos contidos nas ações principal e cautelar. 2. O entendimento assente nesta Corte, quanto a possibilidade jurídica do pedido, corresponde a inexistência de vedação explícita no ordenamento jurídico para o ajuizamento da demanda proposta. 3. A despeito da controvérsia em relação à matéria de fundo, o fato é que, para a hipótese em apreço, onde se pretende a declaração de união homoafetiva, não existe vedação legal para o prosseguimento do feito. 4. Os dispositivos legais limitam-se a estabelecer a possibilidade de união estável entre homem e mulher, dês que preencham as condições impostas pela lei, quais sejam, convivência pública, duradoura e contínua, sem, contudo, proibir a união entre dois homens ou duas mulheres. Poderia o legislador, caso desejasse, utilizar expressão restritiva, de modo a impedir que a união entre pessoas de idêntico sexo ficasse definitivamente excluída da abrangência legal. Contudo, assim não procedeu. 5. É possível, portanto, que o magistrado de primeiro grau entenda existir lacuna legislativa, uma vez que a matéria, conquanto derive de situação fática conhecida de todos, ainda não foi expressamente regulada. 6. Ao julgador é vedado eximir-se de prestar jurisdição sob o argumento de ausência de previsão legal. Admite-se, se for o caso, a integração mediante o uso da analogia, a fim de alcançar casos não expressamente contemplados, mas cuja essência coincida com outros tratados pelo legislador. 5. Recurso especial conhecido e provido.
Embora naquela oportunidade a Corte não tenha adentrado no mérito, afastando apenas a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, entendo que os fundamentos expendidos naquele voto podem aplicar-se ao caso concreto.
É que, ainda que não se reconheça a existência de união estável entre casais homossexuais, o fato é que esse tipo de união deve receber o mesmo tratamento conferido às uniões estáveis, o que afasta a pretensa violação ao artigo 1.622 do Código Civil, que dispunha: “Ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher, ou se viverem em união estável” (tal dispositivo foi revogado pela recente Lei de Adoção – Lei 12.010, de 3 de agosto de 2009, que, ao alterar a redação do artigo 42, § 2º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, acrescentou a necessidade de comprovação da estabilidade da família, preconizando: “Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família”).
Por sinal, o acórdão recorrido foi claro em afirmar que, apesar de a união homoafetiva não constituir uma união estável, o tratamento jurídico a ser dado a ambas as situações deve ser idêntico. Confira-se o trecho respectivo:
“Não se está aqui a afirmar que tais relacionamentos constituem exatamente uma união estável. O que se sustenta é que, se é para tratar por analogia, muito mais se assemelham a uma união estável do que a uma sociedade de fato. Por quê? Porque a affectio que leva estas duas pessoas a viverem juntas, a partilharem os momentos bons e maus da vida é muito mais a affectio conjugalis do que a affectio societatis. Elas não estão ali para obter resultados econômicos da relação, mas, sim, para trocarem afeto, e esta troca de afeto, com o partilhamento de uma vida em comum, é que forma uma entidade familiar. Pode-se dizer que não é união estável, mas é uma entidade familiar à qual devem ser atribuídos iguais direitos”. (…)
Partindo então do pressuposto de que o tratamento a ser dado às uniões do mesmo sexo, que convivem de modo durável, sendo essa convivência pública, contínua e com o objetivo de constituir família deve ser o mesmo que é atribuído em nosso ordenamento jurídico às uniões estáveis, resta concluir que é possível reconhecer, em tese, a essas pessoas o direito de adotar em conjunto”.
Nesse sentido também foi o pronunciamento do Ministério Público Federal, que, em parecer da lavra do Subprocurador-Geral da República Pedro Henrique Távora Niess, registrou:
“Há de se ressaltar que a Lei, ao estabelecer que a união estável entre homem e mulher caracteriza entidade familiar, apenas teve a preocupação de também incluir esta forma de convivência na concepção de família, sem dela excluir, entretanto, as relações homoafetivas, agindo, portanto, com acerto o Tribunal de origem que, por analogia ao regramento vigente, entendeu ser o caso de lhes dar tratamento equivalente à união estável, sendo possível, portanto, a adoção conforme pleiteado”. (…)
Portanto, quer se reconheça à união homoafetiva de que cuida este processo o caráter de união estável, quer se lhe reconheça a natureza de instituição a ela equivalente, não há como negar que caracteriza entidade familiar.
Também o E. Tribunal Superior Eleitoral, que congrega membros tanto do Pretório Excelso quanto dessa Corte Superior de Justiça, reconheceu, expressamente, que a união de duas mulheres, nas condições antes expostas, configura, efetivamente, relação estável “à semelhança do que ocorre com os sujeitos de união estável de concubinato e de casamento”, a tal ponto que se submete ‘à regra de inelegibilidade prevista no artigo 14, § 1º, da Constituição Federal” (Respe nº 24.564⁄PA, Rel. Min. Gilmar Mendes, publicado em sessão em 1º.10.2004).
De fato, em vista de as uniões homoafetivas merecerem tratamento idêntico ao conferido às uniões estáveis, a circunstância de se tratar de casal homossexual, por si só, não é motivo para impedir a adoção de menores.
10. O dissídio jurisprudencial não foi demonstrado nos moldes regimentais, uma vez que a parte não procedeu ao indispensável cotejo analítico, exigência contida nos artigos 541, parágrafo único, do CPC e 255, § 1º e 2º, do RISTJ. Tal circunstância impede o conhecimento do recurso especial pela alínea “c” do permissivo constitucional.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.
É como voto.
VOTO
EXMO. SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR:
Sr. Presidente, realmente a jurisprudência do STJ vem fortalecendo essa compreensão. Já julgamos processo, salvo engano, de V. Exa., em que admitimos a mudança de sexo no registro de nascimento. Em outro caso mais antigo, acredito que da relatoria do Sr. Ministro Fernando Gonçalves, houve a posse e guarda da criança por uma das companheiras supérstites na relação. Admitimos também, em outro precedente, a divisão patrimonial entre um casal do mesmo sexo. Mais recentemente, a Terceira Turma admitiu, em relação ao direito à previdência complementar da pessoa que estava inscrita no plano, ainda que do mesmo sexo. De modo que a jurisprudência vem toda caminhando nesse sentido. E mais o precedente citado por S. Exa., no REsp. n. 820.475⁄RJ, admitindo a possibilidade jurídica de uma ação, embora tenha sido por maioria, é um precedente, e, como V. Exa. costuma enfatizar, e eu também valorizo muito, este é um Tribunal de precedentes, que firma teses. E naquele a maioria firmou que seria possível a ação declaratória de união estável entre pessoas do mesmo sexo.
Caminhando nesse sentido, estou inteiramente de acordo com o voto do Sr. Ministro Relator, principalmente pela primeira parte da fundamentação quanto à necessidade de proteção maior, que é o direito à vida e à dignidade dos menores, que estão muito bem assistidos pelo casal em questão.
Já havia lido o voto e, agora, relendo-o, registro o meu elogio quanto à qualidade dos judiciosos argumentos apresentados por S. Exa., com quem estou de acordo.
Conheço do recurso especial e nego-lhe provimento.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄AP) (Relator):
Sr. Presidente, a evolução da vida em sociedade, às vezes, traz-nos perplexidades nas suas inovações e evoluções.
Este caso não deixa de ser uma inovação que se estabelece na relação entre pessoas. O voto do eminente Ministro Luis Felipe Salomão é bastante claro, e não tenho dúvidas em acompanhá-lo, porém acrescento que o Pacto de São José da Costa Rica, no seu art. 11, do qual o Brasil é signatário, determina o respeito à dignidade da pessoa humana. Na verdade, em respeito a esta dignidade não se justifica que as crianças fiquem em albergues ou patronatos, com tratamentos não condizentes na maioria das vezes ante a omissão do Estado, razão porque se impõe e é preferível que se admita a adoção, notadamente ante às razões justificadas no laudo dos “experts” produzidos em face a realidade.
Estou de pleno acordo com o voto do eminente Ministro Luis Felipe Salomão, conhecendo do recurso especial e negando-lhe provimento.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA:
Srs. Ministros, gostaria de parabenizar a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que está um primor. O Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos fez um estudo profundo, prudente e claro. É interessante observar que, nesse estudo todo, S. Exa. traz algumas informações importantes. Por exemplo, primeiro, que as duas vivem uma relação séria e estável. A assistente social chega a essa conclusão para recomendar a adoção, dizendo que não há nenhuma relação de promiscuidade.
Aproveito a oportunidade para dizer que o fato de ser uma relação homoafetiva não traz nenhuma influência na opção sexual dessas crianças ou na futura opção sexual desses meninos adotados. A experiência nos mostra que isso não tem nada a ver.
Segundo ponto: não vamos permitir a adoção e impedir que essas crianças tenham uma melhor assistência médica, melhor assistência social, que usufruam das rendas ou de uma eventual pensão dessa segunda pretensa adotante? Vamos deixar as crianças em abrigos públicos? Porque agora está assim, vêm com todo esse formalismo e apelo moral mas deixam a criança no abrigo, onde sofre violência. Aliás, ressalto importante aspecto que ouvi no voto segundo o qual as crianças chegam desses abrigos maltratadas, sempre com lesões e marcas. Que são reduzidas as chance de uma criança ser adotada após os quatro anos de idade…, porque, depois dos quatro anos, geralmente, não se encontra quem as adote, ficando fadadas a serem mantidas em patronatos até os dezoito anos, e o que é pior, com as conseqüências de convivências no mais das vezes negativas.
Terceiro, precisamos parar com essa falsidade, quiçá hipocrisia, de que elas podem fazer mal aos meninos. As famílias de pais heteros têm nos dado seguidos exemplos de maus tratos às crianças. As periferias nos mostram pais maltratando e estuprando as próprias filhas. Então, não se pode supor que o fato de as adotantes serem duas mulheres ou que vivam uma relação homoafetiva possa causar algum dano. Dano causa a manutenção do menor no abrigo ou dano causará ao interesse das crianças a não adoção. A adoção melhora, e muito, as condições de assistência médica e social; isso está positivado no acórdão recorrido.
Mais interessante, e que merece destaque, é a posição do acórdão, quando diz que o Ministério Público Estadual do Rio Grande do Sul, ao recorrer, é incapaz de escrever uma linha sobre essas questões sociais, sobre o interesse dos menores, trazendo apenas leis e questões legais. A indignação fora acolhida do acórdão até pelo Ministério Público Federal, que fala ser nítido manter o interesse dos menores.
Então, como se trata do primeiro caso da Turma, devemos ter bem presente que estamos fixando uma orientação. Nesses casos, há de se atender sempre o interesse do menor. E o interesse dos menores aqui, diante da melhoria de sua situação social, é o da adoção.
É como voto.