CSM|SP: Registro de imóveis – Pretensão de registro de escritura de venda e compra – Cédula hipotecária integral averbada na matrícula do imóvel – Exigência de apresentação, em protocolo separado, do termo de quitação referente à cédula hipotecária integral – Óbice que não se justifica – Cédula que não torna o bem indisponível – Exigência outra que impede o registro do título – Bem que não consta na titularidade exclusiva da vendedora – Princípio da continuidade não observado – Manutenção do óbice por fundamento diverso – Apelação não provida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1033248-20.2022.8.26.0405, da Comarca de Osasco, em que é apelante J R NEVES ADMINISTRADORA DE BENS – EIRELI, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE OSASCO.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 15 de dezembro de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1033248-20.2022.8.26.0405

APELANTE: J R Neves Administradora de Bens – Eireli

APELADO: 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Osasco

VOTO Nº 39.248

Registro de imóveis – Pretensão de registro de escritura de venda e compra – Cédula hipotecária integral averbada na matrícula do imóvel – Exigência de apresentação, em protocolo separado, do termo de quitação referente à cédula hipotecária integral – Óbice que não se justifica – Cédula que não torna o bem indisponível – Exigência outra que impede o registro do título – Bem que não consta na titularidade exclusiva da vendedora – Princípio da continuidade não observado – Manutenção do óbice por fundamento diverso – Apelação não provida.

Trata-se de apelação impropriamente denominada de recurso administrativo (fls. 107/112), interposta por J R Neves Administradora de Bens Eireli-ME contra a r. sentença a fls. 99/104, que manteve a recusa do 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Osasco de registro de escritura pública de venda e compra do imóvel objeto da matrícula n° 32.441 daquela serventia.

A recorrente narra que adquiriu 50% do imóvel em apreço conforme carta de arrematação extraída de ação trabalhista (fls. 113/116), e a outra metade diretamente da proprietária, conforme escritura pública de venda e compra (fls. 117/121), mas o Registrador negou o acesso desse último título ao fólio real porque deveria ser apresentado, em protocolo separado, o Termo de Quitação referente à Cédula Hipotecária Integral, para o cancelamento da averbação de nº 4 da matrícula nº 32.441. Pede, contudo, a reforma da decisão porque a exigência do Oficial não está fundamentada e desconsidera a extinção da hipoteca que recaía sobre o imóvel, cancelada que foi pela averbação nº 10, além do que suscita que a cédula de crédito hipotecário não obsta o acesso do título ao registro.

A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 144/148).

É o relatório.

Desde logo, cumpre consignar que a hipótese dos autos se refere à negativa de ato de registro em sentido estrito, de modo que o recurso administrativo interposto deve ser recebido como apelação, na forma do art. 202 da Lei nº 6.015/73.

Respeitado o entendimento da apelante, o recurso não comporta provimento, mas por fundamento diverso do que constou da nota de devolução apresentada pelo Registrador.

Trata-se de imóvel objeto da matrícula nº 32.411 do 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Osasco, que, conforme o registro de nº 01, constava sob a titularidade dominial total de Armando Martins Cesaro e sua mulher Adine Cecilia Bayeux Cesaro, mas, por força da arrematação havida em ação trabalhista, a recorrente J R Neves Administradora de Bens Eireli passou a deter 50% da propriedade do referido bem, consoante o registro nº 08 (fls. 60/64).

Por contrato particular, os anteriores proprietários, Armando e Adine, deram em primeira e especial hipoteca o imóvel a L. G. Empreendimentos Imobiliários S/C Ltda. (R.2), a qual, por sua vez, cedeu e transferiu todos os direitos decorrentes da mencionada garantia real a Bradesco S/A Crédito Imobiliário (AV. 3), seguindo-se a emissão de uma cédula hipotecária integral em favor do referido banco (AV. 4).

Com a arrematação nos autos da demanda trabalhista, houve o cancelamento da hipoteca, conforme AV. 10, mas a averbação referente à cédula hipotecária integral permaneceu inscrita na matrícula (Av. 04).

Da nota devolutiva, protocolo nº 400387 (fls. 37), consta a exigência seguinte:

“1. Apresentar em protocolo separado o Termo de Quitação referente a Cédula Hipotecária Integral, averbada sob o n. 4 da matrícula n. 32.441.”

Entretanto, o registro da escritura de compra e venda do imóvel não deve ser condicionado à comprovação de que houve a quitação da cédula hipotecária integral averbada na matrícula, porque não existe no Decreto-lei nº 70/66 regra semelhante à aplicável à cédula de crédito rural que condiciona a venda dos bens apenhados ou hipotecados pela cédula de crédito rural à prévia anuência do credor, por escrito (art. 59 do Decreto-lei nº 167/67).

Quer dizer, a existência da hipoteca e da cédula de crédito hipotecária integral não impede a venda do imóvel. O imóvel pode ser transferido ao adquirente, mantendo-se os ônus nele incidentes.

Só que, no caso dos autos, não se sabe se a vendedora detinha a totalidade da metade ideal do imóvel que foi alienada à apelante.

Como se vê da matrícula, o imóvel era de titularidade da vendedora e de seu marido, ao que se seguiu a arrematação de 50% dele em ação trabalhista.

Os restantes 50% continuaram na propriedade do casal, que se separou consensualmente por sentença proferida em 01 de junho de 1992, transitada em julgado (Av. 11), sem que se tenha dado notícia ao fólio real sobre eventual partilha do imóvel em pauta.

Portanto, pela certidão de matrícula, o imóvel é de propriedade da vendedora e de seu ex-marido, daí porque aquela não poderia ter alienado a totalidade da parte ideal do imóvel remanescente da arrematação à apelante compradora sem demonstrar que isso lhe cabia exclusivamente.

Então, ainda que a existência da averbação não impedisse o registro da escritura de venda e compra no fólio real, tal inscrição haveria de ser impedida pela necessidade de se demonstrar o atendimento ao princípio da continuidade, mediante a comprovação de que a parte alienada do imóvel era de propriedade exclusiva da vendedora.

Ante o exposto, pelo meu voto, recebo o recurso administrativo como apelação, mas lhe nego provimento por existência de óbice diverso do apresentado pelo Registrador

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 21.03.2024 – SP)