CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Instrumento particular de venda e compra de imóvel com financiamento garantido por alienação fiduciária – Qualificação negativa – Ordem judicial de indisponibilidade de bens do devedor fiduciante – Inexistência de obstáculo ao registro do título – Óbice afastado – Apelação provida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1015755-84.2023.8.26.0602, da Comarca de Sorocaba, em que é apelante BANCO DO BRASIL S/A, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SOROCABA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v.u., de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 5 de abril de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1015755-84.2023.8.26.0602

APELANTE: Banco do Brasil S/A

APELADO: 2º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Sorocaba

VOTO Nº 43.310

Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Instrumento particular de venda e compra de imóvel com financiamento garantido por alienação fiduciária – Qualificação negativa – Ordem judicial de indisponibilidade de bens do devedor fiduciante – Inexistência de obstáculo ao registro do título – Óbice afastado – Apelação provida.

Trata-se de apelação interposta por Banco do Brasil S/Acontra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Sorocaba/SP, que manteve a recusa do registro de instrumento particular, com força de escritura pública, de compra e venda e financiamento com garantia de alienação fiduciária, tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 90.481 junto à referida serventia extrajudicial, em virtude da existência de ordem de indisponibilidade em nome do outorgado comprador e devedor fiduciante (fls. 101/102).

Alega o apelante, em síntese, que o devedor fiduciante não tem a propriedade plena do bem, mas mera expectativa de direitos para quando ocorrido o adimplemento contratual. Assim, não poderia a ordem de indisponibilidade existente em seu nome impedir o registro pretendido, sob pena de obstar o direito do credor fiduciário e eventuais terceiros interessados em recuperar o crédito garantido pela alienação fiduciária do imóvel, em caso de inadimplemento do contrato de financiamento. Ressalta que a alienação fiduciária enseja a transmissão da propriedade resolúvel do imóvel ao credor fiduciário, de maneira que o bem não integra o patrimônio do devedor (fls. 165/173).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 187/190).

Nos termos da r. decisão (fls. 195), os autos foram redistribuídos a este C. Conselho Superior da Magistratura.

O julgamento foi convertido em diligência (fls. 207), sobrevindo aos autos a certidão de matrícula do imóvel objeto do presente feito (fls. 209/218).

É o relatório.

O apelante pretende o registro de venda e compra e financiamento com garantia de alienação fiduciária de imóvel junto à matrícula nº 90.481 do 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Sorocaba/SP.

O Oficial entendeu pela qualificação negativa do título em virtude da existência de ordens de indisponibilidade em nome do devedor fiduciante (fls. 12).

É sabido que a alienação fiduciária é o negócio jurídico por meio do qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa móvel ou imóvel.

Logo, na hipótese de compra e venda de imóvel com financiamento garantido por alienação fiduciária, o devedor fiduciante, contra quem recai a ordem de indisponibilidade, não é titular da propriedade plena do bem negociado, em conformidade com o que dispõe a Lei nº 9.517/1997. Sendo assim, porque os negócios jurídicos são vinculados entre si e, por conseguinte, não há possibilidade de cisão do título, a restrição não irá atingir especificamente a propriedade plena do bem imóvel objeto do contrato, mas apenas os direitos reservados ao devedor fiduciante.

Na realidade, o pretendido registro vem em benefício de possíveis credores. Isso porque o devedor fiduciante, após o registro, irá se tornar titular de direito real de aquisição, de valor patrimonial e passível de constrição. Em termos diversos, o registro aumenta o patrimônio da pessoa sobre quem recai a ordem da indisponibilidade e não o diminui.

Ora, a indisponibilidade tem a função de impedir a redução patrimonial, jamais a sua majoração, pena de violar a própria função do instituto.

Destarte, não se vislumbra, com o pretendido registro, qualquer prejuízo aos credores das ações em que declarada a indisponibilidade de bens ou mesmo a terceiros, já que a restrição será averbada em ato contínuo ao registro pretendido, como previsto no item 412.3, Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça. E até que a ordem de indisponibilidade seja eventualmente levantada, o adquirente não poderá transmitir seus direitos durante o financiamento do imóvel, sendo que, após eventual quitação da dívida e consequente consolidação da propriedade em seu favor, também de nada poderá dispor. Bem por isso, este C. Conselho Superior da Magistratura assim decidiu, recentemente:

“REGISTRO DE IMÓVEIS  DÚVIDA INVERSA JULGADA PROCEDENTE  REGISTRO DE INSTRUMENTO PARTICULAR DE VENDA E COMPRA COM FINANCIAMENTO BANCÁRIO GARANTIDO POR ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – QUALIFICAÇÃO NEGATIVA  ORDEM JUDICIAL DE INDISPONIBILIDADE DE BENS QUE RECAI SOBRE O DEVEDOR FIDUCIANTE  INEXISTÊNCIA DE OBSTÁCULO AO REGISTRO DO TÍTULO  PRECEDENTES DA CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA  ÓBICE AFASTADO – APELAÇÃO PROVIDA PARA JULGAR IMPROCEDENTE A DÚVIDA E AUTORIZAR O REGISTRO.” (TJSP; Apelação Cível 1001257-77.2023.8.26.0506; Relator (a): Francisco Loureiro (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Ribeirão Preto – 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 16/02/2024; Data de Registro: 20/02/2024).

Em suma, o óbice apresentado pelo Oficial deve ser afastado, com autorização de ingresso do título no Registro Imobiliário.

Diante do exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 16.04.2024 – SP)