CGJ|SP: Registro de Imóveis – Escritura Pública de retificação e ratificação – Inclusão de cláusulas de incomunicabilidade, impenhorabilidade e reversão em escritura pública de doação já registrada – Qualificação negativa – Doadora que embora detenha o usufruto não é mais titular de domínio do imóvel – Irrelevância da expressa anuência do atual titular de domínio – doação já aperfeiçoada, não admitindo alteração – Precedentes da CGJ e do CSM – Retificação do título que implicaria modificação da declaração de vontade das partes e da substância do negócio jurídico realizado e registrado – Parecer pelo não provimento do recurso.

REGISTRO DE IMÓVEIS – ESCRITURA PÚBLICA DE RETIFICAÇÃO E RATIFICAÇÃO – INCLUSÃO DE CLÁUSULAS  DE INCOMUNICABILIDADE, IMPENHORABILIDADE E REVERSÃO EM ESCRITURA PÚBLICA DE DOAÇÃO JÁ REGISTRADA – QUALIFICAÇÃO NEGATIVA – DOADORA QUE EMBORA DETENHA O USUFRUTO NÃO É MAIS TITULAR DE DOMÍNIO DO IMÓVEL – IRRELEVÂNCIA DA EXPRESSA ANUÊNCIA DO ATUAL TITULAR DE DOMÍNIO – DOAÇÃO JÁ APERFEIÇOADA, NÃO ADMITINDO ALTERAÇÃO – PRECEDENTES DA CGJ E DO CSM – RETIFICAÇÃO DO TÍTULO QUE IMPLICARIA MODIFICAÇÃO DA DECLARAÇÃO DE VONTADE DAS PARTES E DA SUBSTÂNCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO REALIZADO E REGISTRADO – PARECER PELO NÃO PROVIMENTO DO RECURSO.

PROCESSO Nº 1030404-77.2023.8.26.0562

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de recurso interposto por Guilherme de Freitas Valle, Claudia Morenghi Baggio Pedro Baggio de Freitas Valle contra a r. sentença de fls. 54/57, por meio da qual o MM. Juiz Corregedor Permanente do 1º Registro de Imóveis de Santos manteve o óbice à averbação da Escritura Pública de Retificação e Ratificação da Escritura Pública de Doação com Reserva de Usufruto do imóvel matriculado sob o nº 51.422 daquela Serventia.

Alegam os recorrentes, em síntese, que se trata de doação de um bem disponível e que a negativa de acesso ao folio registral da Escritura Pública de Retificação e Ratificação fere o princípio da autonomia da vontade. Sustentam que a retificação pretendida visa à adequação da doação para os termos avençados entre as partes desde o primeiro momento, considerando que a redação atual não exprime a vontade dos doadores e do donatário quando da consolidação do ato (fls. 64/74).

A Procuradoria de Justiça  opinou  pelo  não  provimento do recurso (fls. 96/98).

É o relatório.

De início, cabe esclarecer que não se tratando de dúvida, cujo procedimento fica restrito aos atos de registro em sentido estrito, o recurso foi impropriamente denominado apelação. Isso porque se discute a possibilidade de retificação de registros anteriores, ato materializado por meio de averbação, na forma do artigo 213, § 1º, da Lei nº 6.015/73.

Todavia, cabíveis o recebimento e o processamento do reclamo como recurso administrativo, na forma do art. 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo.

Consoante R.6 e R.7 da matrícula nº 51.422 do 1º Registro de Imóveis de Santos, Pedro Baggio de Freitas Valle recebeu em doação a nua propriedade do apartamento nº 51 do Condomínio “Porto Mare” de Guilherme de Freitas Valle e Cláudia Morenghi Baggio, os quais reservaram para si o usufruto do imóvel (fls. 7/8). Referida doação com reserva de usufruto foi prenotada no Registro de Imóveis em 30 de maio de 2023.

Passados alguns meses, em 26 de setembro de 2023, foi apresentada para qualificação escritura pública de retificação e ratificação, lavrada no 20º Tabelionato de Notas da Capital, que visa acrescentar na doação já registrada cláusulas de incomunicabilidade, impenhorabilidade e reversão (fls. 14/16).

O título foi desqualificado (fls. 17) e, instaurado pedido de providências, o óbice foi mantido pelo MM. Juiz Corregedor Permanente (fls. 54/57).

Respeitados os argumentos trazidos pelos apelantes, a retificação realmente não pode ser inscrita.

Sobre o tema, parecer recente da MM. Juíza Assessora desta Corregedoria Geral da Justiça Stefânia Costa Amorim Requena, aprovado pelo então Corregedor Geral, Des. Fernando Antonio Torres Garcia:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – ESCRITURA PÚBLICA DE RETIFICAÇÃO E RATIFICAÇÃO, POR INTERMÉDIO DA QUAL FOI  PROMOVIDA A MODIFICAÇÃO E A INCLUSÃO DE CLÁUSULAS NA ESCRITURA PÚBLICA DE DOAÇÃO JÁ REGISTRADA – QUALIFICAÇÃO NEGATIVA – PRETENSÃO DE QUEM JÁ NÃO É MAIS TITULAR DO DOMÍNIO DE IMPOR CLÁUSULAS RESTRITIVAS À ATUAL PROPRIETÁRIA QUE SE MOSTRA INVIÁVEL – OFENSA AO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE – IRRELEVÂNCIA DA EXPRESSA ANUÊNCIA DA ATUAL TITULAR DE DOMÍNIO, EIS QUE INCABÍVEL A IMPOSIÇÃO DE GRAVAMES AOS PRÓPRIOS BENS, COM A CONSEQUENTE LIMITAÇÃO DE SUA RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL – LEI MUNICIPAL POSTERIOR QUE NÃO PODE RETROAGIR EM  DETRIMENTO  DE  ATO  JURÍDICO  PERFEITO  – RECURSO NÃO PROVIDO.”  (CGJ/SP – Recurso Administrativo nº 1006268-70.2021.8.26.0114, j. em 9/9/2022).

No corpo do parecer mencionado, doutrina específica sobre o tema e precedente do C. Conselho Superior da Magistratura são citados para embasar a desqualificação da escritura:

“No caso concreto, com a inscrição no registro imobiliário da escritura de doação (R-1-7357 fls. 43/45), operou-se a transmissão do domínio da doadora para a donatária. Inviável, portanto, a pretensão daquela que deixou de ser titular do domínio de instituir cláusulas restritivas à atual proprietária, sendo irrelevante a expressa anuência desta, eis que incabível a  inserção de tais gravames aos  próprios  bens, com a consequente limitação de sua responsabilidade patrimonial.

A imposição de cláusulas restritivas deve ocorrer no próprio ato da liberalidade, na medida em que se trata de deliberação que somente pode ser praticada pela titular do domínio, já transmitido, in casu, com o registro da escritura de doação. Com efeito, a ninguém é dado vincular os próprios bens, conforme ensinamento doutrinário de Ademar Fioranelli:

“A imposição da cláusula restritiva deve ocorrer no próprio ato da liberalidade (doação ou testamento) e nunca posteriormente. Esse entendimento é perfeito e correto, já que, além de preservar o aspecto moral da questão, está alicerçado em princípios de direito e consubstanciado no conjunto de normas vigentes.” (“Das Cláusulas de Inalienabilidade, Impenhorabilidade e Incomunicabilidade; Série Direito Registral e Notarial”, 1ª edição; 2ª tiragem, Saraiva, São Paulo, 2010, p. 29).

No mesmo sentido, a lição de Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza: “Após o aperfeiçoamento da doação, com a aceitação e o registro, operando-se a transmissão (art. 1245 do C.C.), não mais há que se falar em imposição de cláusulas, pois o bem não mais estará no patrimônio do instituidor.

Assim, após o registro, será incabível aditamento ou rerratificação para imposição das cláusulas eis que o bem já pertencerá ao donatário, não podendo os doadores impor cláusulas sobre bem de terceiro. A imposição das cláusulas após o registro só será possível se houver uma rescisão da doação, retornando o bem aos doadores e a celebração de nova doação com as cláusulas, com todas as conseqüências decorrentes da prática do ato (pagamento de tributos, lavratura de escrituras, prática de atos no registro imobiliário).” (in “As restrições voluntárias na transmissão de bens imóveis- Cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade”. Quinta Editorial, São Paulo, 2012).

A matéria foi apreciada com exatidão no v. acórdão proferido nos autos da Apelação Cível nº 056317-0/1, em que foi relator o então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador Sérgio Augusto Nigro Conceição, conforme julgamento proferido na data de 26.03.1999, assim ementado:

“Registro de Imóveis – Dúvida – Ingresso de escritura de retificação e ratificação de ato notarial anterior, para instituição de usufruto e de cláusulas restritivas de impenhorabilidade e incomunicabilidade – Pretensão de registro indeferida – Recurso improvido.””

Assim, seja pelo fato de a doação registrada já estar aperfeiçoada, seja pela impossibilidade formal de o titular da nua propriedade gravar patrimônio próprio, nota-se que a recusa é correta.

Não se olvide, ainda, que a retificação do título, no caso a escritura de doação, é reservada a casos bastante específicos. Mesmo na hipótese de lavratura de escritura de retificação-ratificação (item 55 do Capítulo XVI das NSCGJ[1]), uma vez registrado o título, não se admite a modificação nem da declaração de vontade das partes nem da substância do negócio jurídico realizado. E isso ocorreria no caso de inclusão das cláusulas constantes na escritura de retificação, tendo em vista que a doação já está inscrita na matrícula.

Nesses termos, o parecer que submeto à elevada consideração de Vossa Excelência é no sentido de receber a apelação como recurso administrativo, na forma do art. 246 do Código Judiciário Estadual, e a ele negar provimento.

Sub censura.

São Paulo, data registrada no sistema.

Carlos Henrique André Lisboa
Juiz Assessor da Corregedoria
Assinatura Eletrônica

DECISÃO

Vistos.

Aprovo o parecer apresentado pelo MM. Juiz Assessor da Corregedoria e por seus fundamentos, ora adotados, recebo a apelação como recurso administrativo e a ele nego provimento.

Int.

São Paulo, 21 de maio de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça
Assinatura Eletrônica

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[1] 55. Os erros, as inexatidões materiais e as irregularidades, quando insuscetíveis de saneamento mediante ata retificativa, podem ser remediados por meio de escritura de retificação-ratificação, que deve ser assinada pelas partes e pelos demais comparecentes do ato rerratificado e subscrita pelo Tabelião de Notas ou pelo substituto legal.

DJE DE 28/05/2024.