CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida – Arrecadação de imóvel abandonado – Qualificação negativa – Cópia simples de procedimento administrativo desenvolvido perante o município, com observância dos requisitos do Artigo 64 da Lei n. 13.465/2017 e do artigo 1.276 do Código Civil – Modo derivado de aquisição de propriedade – Bloqueio da matrícula impossibilidade de novo ato registral sem expressa autorização da autoridade judicial que o determinou prenotações anteriores – Apelação não provida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1002918-88.2023.8.26.0604, da Comarca de Sumaré, em que é apelante MUNICÍPIO DE HORTOLÂNDIA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SUMARÉ.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 29 de maio de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1002918-88.2023.8.26.0604

Apelante: Município de Hortolândia

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Sumaré

VOTO Nº 43.367

Registro de imóveis – Dúvida – Arrecadação de imóvel abandonado – Qualificação negativa – Cópia simples de procedimento administrativo desenvolvido perante o município, com observância dos requisitos do Artigo 64 da Lei n. 13.465/2017 e do artigo 1.276 do Código Civil – Modo derivado de aquisição de propriedade – Bloqueio da matrícula impossibilidade de novo ato registral sem expressa autorização da autoridade judicial que o determinou prenotações anteriores – Apelação não provida.

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Município de Hortolândia contra a r. sentença de fls. 317/318, proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Sumaré, que julgou procedente dúvida registral para manter a recusa de registro de título de arrecadação do imóvel da matrícula n. 137.980 daquela serventia (prenotação n. 427.805 fl. 279). Fê-lo a r. sentença sob o argumento de que, embora não se discuta a configuração dos requisitos legais para a arrecadação municipal do bem, não é possível registro enquanto perdurar o bloqueio de sua matrícula, tal como determinado pelo juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública de Campinas. Cabe ao município interessado diligenciar junto ao juízo competente para o devido cancelamento nos termos do art. 214, § 4º, da Lei de Registros Públicos (fls. 317/318).

O Município de Hortolândia apela, argumentando que o título trata-se de processo administrativo, de n. 9.115/2019 (fls. 07/278), por meio do qual se comprovou não só o abandono efetivo do imóvel, como seu abandono presumido, já que não adimplidos os ônus fiscais sobre a propriedade por cinco anos (artigo 64, § 1º, da Lei n. 13.465/2017), sem que tenha havido apresentação de manifestação pelos proprietários ou eventuais terceiros interessados pelo prazo legal após notificação por edital (artigo 64, § 2º, inciso III, da Lei n. 13.465/2017, e artigo 1.276 do Código Civil).

A parte apelante argumenta, ainda, que a Lei n. 13.465/2017 não prevê necessidade de “decisão final fundamentada” no processo administrativo de arrecadação, mas prova do abandono e oportunidade para apresentação de impugnação; que a Lei n. 13.726/2018 dispensa o cidadão de autenticar cópia de documento (artigo 3º, inciso II) e não há motivo para se exigir cópia autenticada do processo administrativo, notadamente porque não há previsão na Lei n. 13.465/2017 sobre apresentação de “capa, termos de abertura e encerramento”; que o bloqueio previsto nos §§ 3º e 4º do artigo 214 da Lei n. 6.015/73 refere-se às nulidades do registro e não às ordens de indisponibilidade de bens averbadas na matrícula, as quais decorrem de penhora em sua maioria; que a arrecadação do bem, na forma dos artigos 1.276 do CC e 64 da Lei n. 13.465/2017, é espécie de aquisição originária, de modo que seu registro, que não depende da vontade do proprietário, deve prevalecer sobre a ordem de indisponibilidade; que não se nega registro de usucapião ou de desapropriação em razão da existência de averbação de indisponibilidade, o que também deve ser observado em relação à arrecadação; que o Código Civil (artigos 1.275 e 1.276) e a Medida Provisória n. 759/2016, convertida na Lei n. 13.465/2017 (artigo 64), estabeleceram o instituto da arrecadação de bens, consistente na perda da propriedade imobiliária por abandono, que visa justamente efetivar a função social da propriedade e da cidade, em consonância com o que estabelece a Lei n. 10.257/2001 (fls. 324/332).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 353/354).

É o relatório.

De início, vale ressaltar que o Oficial titular ou interino dispõe de autonomia no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

Esta conclusão se reforça pelo disposto no item 117 do Cap. XX das Normas de Serviço:

Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.

No mérito, o recurso não comporta provimento.

Vejamos os motivos.

O Município de Hortolândia pretende o registro de processo administrativo por meio do qual arrecadou o imóvel da matrícula n. 137.980 do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Sumaré (fls. 07/278).

O título em questão foi prenotado em 17 de fevereiro de 2023 sob o n. 427.805, mas qualificado negativamente nos seguintes termos (fl. 279):

1. Cabe primeiramente informar que trata-se de apresentação de cópias simples, portanto, não encontram-se no rol restrito do artigo 221 da Lei nº 6.015/73.

2. Tendo em vista que a legislação não dispõe sobre a forma de transmissão dos imóveis objetos de arrecadação pelo Municípios, faz-se necessária a apresentação de Carta de Sentença Judicial de Adjudicação, autorizando o registro da transmissão do imóvel arrecadado ao Município de Hortolândia-SP.

3. Conforme, AV. 9 de 14 de outubro de 2016, o imóvel objeto da matrícula nº 137.980 encontra-se BLOQUEADO, tendo em vista o ofício extraído dos autos da ação do processo nº 1024529-59.2016.8.26.0114, da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Campinas- SP.

Sendo assim, nos termos do artigo 214, § 4º, da Lei de Registros Públicos Lei nº 6.015/73, fica este oficial impedido de praticar qualquer ato na referida matrícula, salvo com autorização judicial, permitindo-se, todavia, aos interessados a prenotação dos seus títulos, que ficarão com prazo prorrogado até a solução do bloqueio, o que se aplica ao presente caso”.

Ao encaminhar o caso para análise pela Corregedoria Permanente, o Oficial Registrador esclareceu que, com a regulamentação do instituto da arrecadação de imóvel abandonado, artigo 64 da Lei n. 13.465/2017, a formação de título neste sentido na via administrativa passou a ser viável, de modo que, em reanálise das exigências feitas, o processo administrativo apresentado pela parte apelante comporta registro desde que “dele restem inequivocamente comprovados todos os requisitos procedimentais previstos nos incisos, I, II, e III do art. 64 da Lei n. 13.465/2017, culminando com decisão final fundamentada, que aborde todos os itens previstos, inclusive a presunção absoluta prevista no parágrafo segundo do artigo 1.276 do Código Civil, bem como notificações às proprietárias, à credora hipotecária”, com apresentação “por folhas numeradas e autenticadas, com capa, termos de abertura e encerramento” (fl. 02).

Esclareceu, ainda, que a negativa se mantém diante do bloqueio da matrícula (Av. 9 fls. 293/294 e artigo 214 da Lei n. 6.015/73), de modo que necessária ordem judicial de cancelamento pela própria autoridade que o determinou, bem como que referida matrícula possui prenotações anteriores vigentes, que aguardam a solução do bloqueio para qualificação e possível acesso à tábua registral, com prioridade em relação ao presente protocolo, a saber (fl. 03):

1º) Protocolo n. 337.371, de 13 de abril de 2018 certidão de penhora expedida pelo 2º Oficial Cível da Comarca de Jundiaí SP, Processo n. 1018957-22.2016.8.26.0309;

2º) Protocolo n. 407.417, de 07 de dezembro de 2021 ordem de indisponibilidade cadastrada na Central Nacional de Indisponibilidade de Bens, proveniente da Vara do Trabalho de Hortolândia-SP, Processo n. certidão de penhora expedida pelo 2º Ofício Cível da Comarca de Jundiaí SP, Processo n. 0011596-80.2014.5.15.0152;

3º) Protocolo n. 415.000, de 05 de julho de 2022 nova ordem de bloqueio e de averbação de existência de ação, expedida pela 1ª Vara Cível da Comarca de Hortolândia SP, Processo n. 0005227-65.2020.8.26.0229”.

Assim, somente após análise e qualificação dos protocolos acima (princípio da prioridade) e caso seu acesso não exclua a prenotação apresentada pelo Município (se incompatíveis entre si), serão possíveis análise e qualificação da prenotação n. 427.805 (fls. 01/04).

A Lei n. 13.465/2017, que dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, alterou de modo significativo o instituto do abandono do Direito Civil.

O Código Civil Brasileiro, em seus artigos 1.275 e 1.276, prevê a figura do abandono como hipótese de perda da propriedade:

Art. 1.275. Além das causas consideradas neste Código, perde-se a propriedade: (…)

III por abandono; (…)

“Art. 1.276. O imóvel urbano que o proprietário abandonar, com a intenção de não mais o conservar em seu patrimônio, e que se não encontrar na posse de outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade do Município ou à do Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunscrições.

§ 1º O imóvel situado na zona rural, abandonado nas mesmas circunstâncias, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade da União, onde quer que ele se localize.

§ 2º Presumir-se-á de modo absoluto a intenção a que se refere este artigo, quando, cessados os atos de posse, deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais”.

Embora preservados os requisitos tradicionais do abandono, a arrecadação de imóvel abandonado por município passou a ser autorizada pela nova lei de regularização fundiária mediante a prévia abertura de processo administrativo, com notificação dos proprietários e interessados para, querendo, impugnar o ato no prazo de trinta dias, contado da data de recebimento da notificação (artigo 64, § 2º, inciso III, da Lei n. 13.465/2017).

O processo de formação do título, portanto, não precisa mais ser feito na via judicial, o que foi confirmado pelo próprio Oficial à fl. 02, com superação da exigência contida no item 2 da nota devolutiva (fl. 279).

Note-se que, após a arrecadação, o imóvel ainda não integra o patrimônio público: nos termos do artigo 1.276, caput, do Código Civil, a perda da propriedade somente se dará decorridos três anos da lavratura do auto de arrecadação, período no qual o proprietário poderá evitar a perda por meio de comportamento incompatível com o abandono.

No caso concreto, após a abertura do processo administrativo (artigo 64, inciso I, da Lei n. 13.465/2017) e comprovado o tempo de abandono e de inadimplência fiscal (artigo 64, inciso II, da Lei n. 13.465/2017), houve tentativa de notificação dos proprietários tabulares (fls. 232, 236/237) e demais interessados (fls. 233, 234, 237/238), nos termos do artigo 64, inciso III, da Lei n. 13.465/2017. Pela falta de sucesso, expediu-se edital de notificação (fls. 239/240), que foi publicado por três vezes no Diário Oficial Eletrônico do Município de Hortolândia (fls. 243/245), na imprensa oficial (fls. 247/249) e em jornal de grande circulação local (fls. 250/252).

Seguiu-se, então, com a lavratura de “Auto de Constatação de Abandono” (fl. 255), com determinação de publicação no Diário Oficial Eletrônico do Município de Hortolândia, o que se deu em 02 de dezembro de 2019 (fls. 266/267).

Verificado o decurso do triênio previsto no caput do artigo 1.276 do Código Civil (fl. 277), determinou-se à Procuradoria Geral do Município de Hortolândia que adotasse as providências necessárias à regularização da propriedade do imóvel junto à serventia imobiliária, conforme preceitua o artigo 8º do Decreto Municipal n. 4.294/2019, que regulamenta o procedimento administrativo para arrecadação de bens imóveis vagos no âmbito daquele município (copiado à fl. 262).

Constata-se, portanto, como preenchidos todos os requisitos legais necessários à formação de título de arrecadação de imóvel abandonado em favor do Município, que foi o apresentante, de modo que não se justifica a exigência de apresentação de folhas numeradas e autenticadas do procedimento administrativo, com capa e termos de abertura e encerramento, além de decisão final fundamentada (item 1 da nota devolutiva fl. 279).

Além de inexistir exigência expressa neste sentido na lei de regência, o apresentante, como já dito, é o próprio Município interessado, sendo o título formado por cópia de seus documentos em qualidade suficiente à devida análise.

Dessa maneira, e uma vez que não foram especificadas efetivas irregularidades, a exigência de complemento é formalismo excessivo, que pode ser dispensado.

No que diz respeito ao óbice decorrente do bloqueio averbado na matrícula n. 137.980 (fls. 282/294), a conclusão é outra.

Nota-se que, quando da instauração do procedimento administrativo para arrecadação do imóvel, em 05 de agosto de 2019 (fls. 07/14), já vigia ordem de bloqueio (1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Campinas, conforme AV.9/137980, de 14 de outubro de 2016 – fls. 293/294).

Nos termos do § 4º, do artigo 214, da Lei n. 6.015/73:

Art. 214 (…).

§ 4º Bloqueada a matrícula, o oficial não poderá mais nela praticar qualquer ato, salvo com autorização judicial, permitindo-se, todavia, aos interessados a prenotação de seus títulos, que ficarão com o prazo prorrogado até a solução do bloqueio”.

O bloqueio, portanto, é providência cautelar que impede, a partir de sua averbação, a prática de qualquer ato registral na matrícula, ressalvadas exceções expressamente autorizadas pela própria autoridade que o impôs.

Em outros termos, a partir de tal medida, título não poderá ter ingresso sem autorização prévia do juízo que a determinou ou após seu cancelamento.

Vale observar que não cabe, neste âmbito administrativo, qualquer juízo de valor sobre as medidas restritivas, as quais devem ser debatidas nos autos em que determinadas.

A via administrativa, como se sabe, não se presta a rever decisões proferidas em sede judicial.

A matéria não é nova e já foi objeto de análise por este C. Conselho Superior da Magistratura (destaques nossos):

REGISTRO DE IMÓVEIS. CARTA DE ADJUDICAÇÃO. INDISPONIBILIDADE DE BENS DESPROVIDA DE FORÇA PARA OBSTACULIZAR O SEU REGISTRO, O QUAL, CONTUDO, ESTÁ OBSTADO DEVIDO AO BLOQUEIO JUDICIAL DA MATRÍCULA DO IMÓVEL. DÚVIDA PROCEDENTE. APELO NÃO PROVIDO” (TJSP; Ap. Cível n. 1072860-07.2022.8.26.0100; Rel. Fernando Torres Garcia (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Data do Julgamento: 13/12/2022; Data de Registro: 10/01/2023).

REGISTRO DE IMÓVEIS. ADITAMENTO A CONTRATO PARTICULAR. NECESSIDADE DA APRESENTAÇÃO DA TOTALIDADE DOS INSTRUMENTOS CONTRATUAIS POR FORMAREM UM ÚNICO NEGÓCIO JURÍDICO. NÃO SUBSTITUIÇÃO DO CONTRATO PRELIMINAR POR OUTRO ANTE A DIVERSIDADE DE PARTES. ESPECIALIDADE OBJETIVA. NECESSIDADE DA DESCRIÇÃO DO IMÓVEL NO TÍTULO CONFORME OS REGISTROS EXISTENTES. BLOQUEIO JUDICIAL QUE NÃO PERMITE O INGRESSO DE CONTRATO SEM EXPRESSA AUTORIZAÇÃO DA AUTORIDADE JUDICIÁRIA. IMPOSSIBILIDADE DA NÃO APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS SOB ALEGAÇAO DE SUA RETENÇÃO POR TERCEIROS. RECURSO NÃO PROVIDO” (TJSP; Ap. Cível n. 1046099-39.2017.8.26.0576; Rel. Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Data do Julgamento: 24/01/2019; Data de Registro: 29/01/2019).

Não há nem mesmo como se sustentar que se trata de aquisição de natureza originária, como a usucapião, na medida em que a arrecadação se aproxima muito mais da arrematação judicial, enquanto alienação forçada, sendo pacífico o entendimento atual de que a arrematação é modo derivado de aquisição da propriedade:

REGISTRO DE IMÓVEIS – Carta de Arrematação Título judicial sujeito à qualificação registral Forma derivada de aquisição de propriedade – Desqualificação por ofensa ao princípio da continuidade – Dúvida julgada procedente Recurso não provido, com determinação” (TJSP; Apelação Cível 0005176-34.2019.8.26.0344; Relator: Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Data do Julgamento: 10/12/2019; Data de Registro: 12/12/2019).

REGISTRO DE IMÓVEIS – Carta de Arrematação Executado que é titular de direitos sobre o imóvel Forma derivada de aquisição de direitos Arrematação que não pode ir além dos direitos do executado Princípio da continuidade – Dúvida procedente Apelação não provida” (TJSP; Apelação Cível 1125920-02.2016.8.26.0100; Relator: Pereira Calças (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Data do Julgamento: 02/12/2017; DJe: 15/03/2018).

Nesse mesmo sentido, as Apelações n. 1001015-36.2019.8.26.0223, n. 1061979-44.2017.8.26.0100, n. 0018338-33.2011.8.26.0100 e n. 0035805-59.2010.8.26.0100, dentre outras.

O que se discute, em última análise, é se a arrecadação de imóvel abandonado é modo derivado ou originário de propriedade imóvel pelo Poder Público.

A par da similitude da arrecadação com a alienação judicial forçada e embora omisso o artigo 1.276 do Código Civil, não há dúvida de que a situação se assemelha aos casos de herança jacente e herança vacante, em que o Poder Público adquire a propriedade com as qualidades e os vícios do proprietário original.

Não se inaugura, portanto, uma nova cadeia dominial nem existe negócio jurídico para fins de transmissão, mas alienação forçada: o imóvel abandonado tem, portanto, causa e aquisição derivada e não originária.

Neste sentido:

REGISTRO DE IMÓVEIS. HERANÇA VACANTE. CARTA DE ADJUDICAÇÃO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE – AQUISIÇÃO DERIVADA – RECURSO NÃO PROVIDO” (CSM, Apelação Cível n. 3005724-43.2013.8.26.0562, Rel. Des. Hamilton Elliot Akel, j. em 22 de setembro de 2014).

HERANÇA VACANTE. Inaplicabilidade das regras gerais pertinentes aos herdeiros, porque o Município não ostenta esta condição, recebendo o bem situado na sua jurisdição no estado em que se encontra, com suas dívidas e direitos. Assim, configura-se descabida a pretensão de que o bem situado em outro município e por ele adjudicado responda pelas dívidas do bem adjudicado ao recorrente. RECURSO DESPROVIDO” (TJSP; Agravo de Instrumento 0132451-72.2012.8.26.0000; Relator (a): Paulo Alcides; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 6ª Vara da Família e Sucessões; Data do Julgamento: 25/04/2013; Data de Registro: 29/04/2013).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. LOCAÇÃO DE IMÓVEL. AÇÃO DE COBRANÇA C.C. INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ORDENS DE PENHORA E TERMOS LAVRADOS ANTES DA DECLARAÇÃO DE VACÂNCIA DOS BENS DEIXADOS PELO DEVEDOR. MUNICIPALIDADE QUE POSSUI CONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DO TÍTULO JUDICIAL. TÍTULO EXECUTIVO NÃO SATISFEITO. INOBSERVÂNCIA DO ART. 1821 DO CC E DA ORDEM DE PREFERÊNCIA, PREVISTA NO ART. 651, DO CPC/15. PREVALECIMENTO DAS PENHORAS PARA A SATISFAÇÃO DO TÍTULO JUDICIAL. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. Agravo de instrumento improvido” (TJSP; Agravo de Instrumento 2174293-17.2020.8.26.0000; Relator (a): Cristina Zucchi; Órgão Julgador: 34ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 7ª Vara Cível; Data do Julgamento: 16/09/2020; Data de Registro: 16/09/2020).

Em verdade, o próprio texto do artigo 1.276 do Código Civil também reforça a conclusão exposta acima na medida em que dispõe expressamente que o imóvel será arrecadado como “bem vago”.

A vacância, por sua vez, vem tratada nos artigos 1.819 a 1.823 do Código Civil, os quais fazem referência à herança jacente, assegurando aos credores o direito de pedir o pagamento de dívidas reconhecidas (artigo 1.821).

Não bastasse tudo isso, há notícia, ainda, de prenotações anteriores à ora em análise, de modo que, pelo princípio da prioridade, o título em questão somente poderá ser avaliado após o encerramento das prenotações anteriores.

A averbação de penhora não impede, de fato, registro de nova transmissão.

Já no que diz respeito às ordens de indisponibilidade, há que se observar o disposto no item 413, do Cap. XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça:

413. As indisponibilidades averbadas nos termos do Provimento CG. 13/2012 e CNJ nº 39/2014 e na forma do § 1º, do art. 53, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, não impedem a inscrição de constrições judiciais, assim como não impedem o registro da alienação judicial do imóvel desde que a alienação seja oriunda do juízo que determinou a indisponibilidade, ou a que distribuído o inquérito civil público e a posterior ação desse decorrente, ou que consignado no título judicial a prevalência da alienação judicial em relação à restrição oriunda de outro juízo ou autoridade administrativa a que foi dada ciência da execução”.

Por fim, vale consignar que não se vislumbra falha funcional na hipótese: todas as exigências formuladas na nota devolutiva permitiram a correta compreensão do que estava a obstar o registro colimado, tanto que o Município se insurgiu contra todas elas.

Diante do exposto e apenas em virtude do bloqueio da matrícula, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 07.06.2024 – SP)