CSM|SP: Registro de imóveis – Mandado de registro de citação de ação de constituição de servidão administrativa – Desqualificação – Exigência de prévia apuração do remanescente da transcrição objeto do registro – Inscrição que encontra fundamento no art. 167, I, 21, da Lei nº 6.015/73 – Registro que visa dar ciência a terceiros de que há em curso ação real – Hipótese que não se confunde com o registro da servidão administrativa – Apuração do remanescente da área maior inexigível mesmo em caso de registro de desapropriação – Área ainda objeto de transcrição – Necessidade de abertura de nova matrícula (art. 176, § 1º, I e 236 ambos da Lei nº 6.015/73), repetindo a descrição original, com averbação dos destaques noticiados na transcrição – Precedentes do Conselho Superior da Magistratura – Dúvida julgada improcedente – Recurso provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1003424-93.2022.8.26.0347, da Comarca de Matão, em que é apelante ÁGUAS DE MATÃO S/A, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE MATÃO.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do título, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 4 de junho de 2024.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1003424-93.2022.8.26.0347
Apelante: Águas de Matão S/A
Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Matão
VOTO Nº 43.390
Registro de imóveis – Mandado de registro de citação de ação de constituição de servidão administrativa – Desqualificação – Exigência de prévia apuração do remanescente da transcrição objeto do registro – Inscrição que encontra fundamento no art. 167, I, 21, da Lei nº 6.015/73 – Registro que visa dar ciência a terceiros de que há em curso ação real – Hipótese que não se confunde com o registro da servidão administrativa – Apuração do remanescente da área maior inexigível mesmo em caso de registro de desapropriação – Área ainda objeto de transcrição – Necessidade de abertura de nova matrícula (art. 176, § 1º, I e 236 ambos da Lei nº 6.015/73), repetindo a descrição original, com averbação dos destaques noticiados na transcrição – Precedentes do Conselho Superior da Magistratura – Dúvida julgada improcedente – Recurso provido.
Trata-se de recurso de apelação interposto por Águas de Matão S/A contra a r. sentença de fls. 135/136, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Registro de Imóveis de Matão, que, mantendo a exigência feita pelo Oficial, negou o registro na transcrição nº 2.246 daquela serventia de mandado de registro de citação extraído do processo nº 1003374-48.2014.8.26.0347, cujo objeto é a constituição de servidão administrativa.
Alega a apelante, em síntese, que o pedido se refere apenas ao registro da citação da ação; que a inscrição pretendida não altera a figura geodésica do imóvel; que a servidão administrativa está devidamente localizada no espaço; e que a publicidade que deve emanar dos registros públicos justifica a inscrição (fls. 146/155).
Após a decisão de fls. 173, a representação processual da apelante foi regularizada (fls. 176/308).
A Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo não provimento do recurso (fls. 316/318).
É o relatório.
Preceitua o art. 167, I, 21, da Lei nº 6.015/73:
Art. 167 – No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos
I – o registro:
(…)
21) das citações de ações reais ou pessoais reipersecutórias, relativas a imóveis;
Trata-se de previsão que visa dar conhecimento a terceiros da citação dos proprietários do bem para responder ação cujo julgamento pode trazer consequências para o registro imobiliário. No caso, o processo em andamento tem por objetivo o reconhecimento de servidão administrativa, que se carateriza como direito real sobre coisa alheia.
O que se busca aqui não é o registro da servidão administrativa, mas apenas o registro da citação dos titulares de domínio da área atingida para responder à ação judicial.
O Oficial negou o registro do título judicial, sustentando que “em virtude de vários destaques constante da transcrição nº 2246 de ordem, o interessado deverá primeiramente providenciar a retificação do remanescente a fim de possibilitar a abertura de matrícula para o remanescente e o registro da citação mencionada na sentença” (fls. 35).
O óbice, entretanto, não se sustenta, uma vez que o mero registro da citação dos proprietários do imóvel não exige prévia apuração do remanescente de toda a área. A inscrição dará publicidade à existência da ação a eventuais compradores do bem. Negar o registro porque outras áreas também podem ser eventualmente atingidas pela servidão terminaria por não dar publicidade acerca da ação nem mesmo às pessoas que consultam o registro original.
E como bem destacado pela apelante, há precedente deste Conselho Superior no sentido de que a apuração do remanescente não é exigível nem mesmo no caso do registro de desapropriação:
“Em razão da transmissão da propriedade por meio de desapropriação, da interpretação teleológica efetuada, bem como o destaque de área menor, faço observação da necessidade do georreferenciamento apenas da área desapropriada sem necessidade de sua efetivação para fins de apuração do remanescente da matrícula da qual será destacada” (CSM/SP – Apelação nº 1006361-02.2018.8.26.0320, Rel. Des. Geraldo Francisco Pinheiro Franco, j. em 1º/4/2019).
O caso dos autos, porém, traz uma peculiaridade que deve ser considerada. Com efeito, o imóvel objeto do pedido ainda está transcrito, de modo que a realização do registro depende da abertura de matrícula[1].
Embora a descrição constante da transcrição não seja precisa e destaques tenham sido realizados (fls. 105/107), não ofende o princípio da especialidade a abertura de matrícula cuja descrição corresponda à contida em assento anterior. Nesse sentido:
“Registro de Imóveis. Carta de sentença que visa a partilhar imóveis entre os cônjuges, em virtude de separação judicial. Descrição precária dos imóveis. Desqualificação do título. Exigência de prévia retificação dos registros imobiliários. Dúvida julgada procedente. Título que repete as descrições constantes nas matrículas, que já estão descerradas. Precedentes do Conselho Superior da Magistratura permitindo, nessa situação, o ingresso do título. Inscrições que, ademais, não alterarão a titularidade dominial dos bens. Descrições que, embora imperfeitas, definem as medidas perimetrais dos bens e indicam pontos que permitem a localização deles. Recurso provido” (CSM/SP – apelação nº 0002907-66.2015.8.26.0116, Rel. Des. Manoel de Queiroz Pereira Calças, j. em 6/6/2017).
“REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura pública de inventário e partilha – Dúvida prejudicada – Irresignação parcial configurada – Exibição tardia da certidão atualizada da matrícula do bem imóvel – Inadmissibilidade – Ofensa ao princípio da especialidade objetiva inocorrente – Coincidência entre as descrições do título e da matrícula a informar a abertura de uma nova (artigo 229 da Lei nº 6.015/1973) – Recurso não conhecido” (CSM/SP – apelação nº 90000002-16.2011.8.26.0296, Rel. Des. José Renato Nalini, j. Em 23/5/2013).
E embora este Conselho já tenha decidido que descrições precárias a ponto de impossibilitar a localização do imóvel não podem servir como base para a abertura de matrícula[2], não há, no caso em análise, em que pesem os destaques, informação de que a descrição seja de tal modo imprecisa.
Nota-se, desse modo, que o óbice não se sustenta, devendo o Oficial abrir nova matrícula, utilizando a descrição original (fls. 105/107) e averbando os destaques noticiados na transcrição.
Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do título judicial.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Notas:
[1] De acordo com a Lei nº 6.105/73:
Art. 176 – O Livro nº 2 – Registro Geral – será destinado, à matrícula dos imóveis e ao registro ou averbação dos atos relacionados no art. 167 e não atribuídos ao Livro nº 3.
§ 1º A escrituração do Livro nº 2 obedecerá às seguintes normas:
I – cada imóvel terá matrícula própria, que será aberta por ocasião do primeiro ato de registro ou de averbação caso a transcrição possua todos os requisitos elencados para a abertura de matrícula; (grifei).
Art. 236 – Nenhum registro poderá ser feito sem que o imóvel a que se referir esteja matriculado.
[2] “Registro de Imóveis – Recusa de ingresso de formal de partilha que repete descrição que já consta em transcrição anterior – Dúvida procedente – Descrição que impede a própria localização do imóvel – Precedentes que permitem o ingresso de título que repete descrição lacunosa e cujo objeto é a integralidade do bem – Inaplicabilidade – Localização mínima do imóvel que se faz necessária – Impossibilidade de ingresso do título – Necessidade de prévia retificação – Apelação a que se nega provimento“(CSM/SP – apelação nº 1006360-55.2015.8.26.0309, Rel. Des. Manoel de Queiroz Pereira Calças, j. em 24/7/2017).
(DJe de 07.06.2024 – SP)