CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida – Tutela de urgência – Não cabimento – Título judicial – Carta de arrematação – Exigência de georreferenciamento afastada – Partes ideais dos imóveis arrematados que se encontram registradas em nome de casal divorciado – Partilha não registrada – Mancomunhão – Ausência, no caso concreto, de prova da intimação da ex-cônjuge quanto à constrição e alienação judicial dos imóveis arrematados – Óbice mantido – Apelação não provida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1012273-77.2023.8.26.0037, da Comarca de Araraquara, em que é apelante PELICOLA ENGENHARIA LTDA., é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE ARARAQUARA.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 29 de maio de 2024.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1012273-77.2023.8.26.0037
APELANTE: Pelicola Engenharia Ltda.
APELADO: 2º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Araraquara
VOTO Nº 43.424
Registro de imóveis – Dúvida – Tutela de urgência – Não cabimento – Título judicial – Carta de arrematação – Exigência de georreferenciamento afastada – Partes ideais dos imóveis arrematados que se encontram registradas em nome de casal divorciado – Partilha não registrada – Mancomunhão – Ausência, no caso concreto, de prova da intimação da ex-cônjuge quanto à constrição e alienação judicial dos imóveis arrematados – Óbice mantido – Apelação não provida.
Trata-se de apelação interposta por Pelícola Engenharia Ltda.contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Araraquara/SP, que, afastando um dos óbices apresentados pelo registrador, manteve a recusa de registro da carta de arrematação extraída dos autos da ação de execução fiscal que tramitou perante a 6ª Vara Federal de Execução Fiscal do Rio de Janeiro/RJ (Processo nº 0039295-46.1998.4.02.5101), tendo por objeto parte ideal dos imóveis matriculados sob nos 650, 4.084 e 17.536 junto à referida serventia extrajudicial, por entender ser necessária a prévia partilha dos bens pertencentes ao executado e sua ex-esposa (fls. 230/232).
Em síntese, alega a apelante que as frações ideais correspondentes a 7,9% dos imóveis matriculados sob nos 650, 4.084 e 17.536 junto ao 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Araraquara/SP, pertencentes ao executado Ricardo Mansur, foram arrematadas em hasta pública, o que faz presumir a regularidade do ato, sobretudo porque não houve nenhum questionamento por parte do devedor ou da ex-esposa. Entende que não pode ser responsabilizado pelo registro de eventual partilha dos bens do casal, afirmando que o divórcio pode ser concedido independentemente de tal providência. Acrescenta que, se não efetivada a partilha dos bens do casal, após o fim do casamento prevalece entre os ex-cônjuges o estado de condomínio e não, de mancomunhão. Ainda, afirma que, independentemente da natureza da dívida e da existência, ou não, de solidariedade entre o casal, o direito de propriedade do cônjuge alheio à execução sub-roga-se no produto da arrematação, nos termos do art. 843 do Código de Processo Civil. Acrescenta que, no caso concreto, embora a ação de execução tenha sido ajuizada apenas contra o devedor Ricardo Mansur, a dívida executada foi contraída na constância do casamento e em benefício do casal, motivo pelo qual a penhora recaiu sobre a parte ideal dos imóveis pertencentes aos cônjuges. Por fim, anota que o percentual de 7,9% dos bens levados a leilão foram adquiridos pelo executado Ricardo Mansur e sua esposa por conta do falecimento do genitor desta última, sendo posteriormente decretada a indisponibilidade de tais bens. Requer, então, seja deferida tutela de urgência para averbação de protesto contra alienação de bens nas matrículas dos imóveis em questão, relativamente às partes ideais arrematadas, pugnando, ao final, pelo provimento da apelação (fls. 235/247).
A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo provimento do recurso (fls. 272/274).
É o relatório.
Pretende a apelante, em síntese, o registro da carta de arrematação expedida nos autos da ação de execução fiscal que tramitou perante a 6ª Vara Federal de Execução Fiscal do Rio de Janeiro/RJ (Processo nº 0039295-46.1998.4.02.5101), em que figuram como executados Ricardo Mansur, Mesbla Motos Ltda, M-Automotiva Ltda., Mesbla S/A, Mesbla Distribuidora de Veículos Ltda., Eduardo Rodrigues Neto e Anibal Faria Afonso, tendo por objeto os imóveis matriculados sob nºs 650, 4.084 e 17.536, junto ao 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Araraquara/SP (fls. 119/120).
Inicialmente, há que ser indeferida a pretendida tutela de urgência para averbação de protesto contra alienação de bens nas matrículas dos imóveis em questão, relativamente às partes ideais arrematadas. Como é sabido, instaurada a dúvida registrária, o prazo da prenotação é prorrogado até solução final do procedimento, sendo inadmissível a concessão de tutela provisória, na forma pretendida pela apelante, em razão do disposto no art. 203 da Lei nº 6.015/73 que condiciona o registro do título ao trânsito em julgado da decisão:
“Art. 203 – Transitada em julgado a decisão da dúvida, proceder-se-á do seguinte modo:
I – se for julgada procedente, os documentos serão restituídos à parte, independentemente de translado, dando-se ciência da decisão ao oficial, para que a consigne no Protocolo e cancele a prenotação;
II – se for julgada improcedente, o interessado apresentará, de novo, os seus documentos, com o respectivo mandado, ou certidão da sentença, que ficarão arquivados, para que, desde logo, se proceda ao registro, declarando o oficial o fato na coluna de anotações do Protocolo”.
Destarte, há manifesta incompatibilidade da antecipação da tutela recursal e o procedimento (processo em fase recursal) de dúvida, o que justifica o indeferimento da medida postulada. Superada essa questão, importa lembrar que a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registral, ainda que limitada aos requisitos formais do título e sua adequação aos princípios registrais, conforme disposto no item 117 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça. Está pacificado, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência, tampouco descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível nº 413-6/7; Apelação Cível nº 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação Cível nº 0005176-34.2019.8.26.0344; e Apelação Cível nº 1001015-36.2019.8.26.0223).
No exercício desse dever, o Oficial encontrou óbices ao registro da carta de arrematação apresentada pela apelante, emitindo Nota de Devolução (fls. 39/41) em que exigidos: “a) os registros naquelas matrículas do título que tenha atribuído com exclusividade citadas as partes ideais ao executado RICARDO MANSUR, uma vez que até o momento perdura referidas frações como de sua titularidade e de PATRÍCIA MONTEIRO DA SILVA ROLLO, em estado de mancomunhão, conforme divórcio objeto da AV-24 da matrícula 650 (princípio da continuidade e da disponibilidade); e b) os georreferenciamentos dos imóveis objeto das matrículas 650, 4.084 (apuração de remanescente, em virtude do destaque constante da AV – 12) e 17.536 (apuração do remanescente, em virtude do destaque constante da AV-08), por expedientes próprios, devidamente instruídos nos termos do artigo 213, inciso II e parágrafos da Lei Federal nº 6.015/1973″. Exigiu o Oficial, ainda: “2) (…) prova da quitação do ITBI relacionado às partes ideais arrematadas (…). 3) (…) originais ou fotocópias autenticadas das DITR’s/2022, inclusive DIAC’s/DIAT’s, com relação às áreas totais dos imóveis objeto das matrículas 650, 4.084 e 17.536 (…) para fins de correto cálculo de emolumentos (artigo 7º da Lei Estadual nº 11.331/2002). 4) (…) certidões atualizadas de avaliação fiscal e valor venal de referência com relação às áreas totais dos imóveis objeto das matrículas 650, 4.084 e 17.536 (…) para fins de correto cálculo de emolumentos (artigo 7º da Lei Estadual nº 11.331/2002)”.
Ao que consta dos autos, a apelante juntou os documentos exigidos pelo registrador, insurgindo-se, no entanto, em relação à necessidade de prévia partilha de bens e consequente encerramento do estado de mancomunhão dos imóveis registrados em nome do executado e sua esposa, assim como de georreferenciamento dos imóveis cujas partes ideais foram arrematadas.
O MM. Juiz Corregedor Permanente, com fulcro em precedentes deste Egrégio Conselho Superior da Magistratura, acertadamente afastou a necessidade de prévio georreferenciamento dos imóveis. A propósito, já ficou decidido que:
“REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA – TÍTULO JUDICIAL – ARREMATAÇÃO EM EXECUÇÃO FORÇADA – FRAÇÃO IDEAL – GEORREFERENCIAMENTO QUE JÁ ERA OBRIGATÓRIO PARA O TODO DO IMÓVEL – REGISTRO DA TRANSMISSÃO COATIVA PARCIAL QUE, TODAVIA, NÃO DEPENDE DA INSERÇÃO DE DESCRIÇÃO GEORREFERENCIADA – INTELIGÊNCIA DOS §§ 3º-5º DO ARTIGO 176 DA LEI Nº 6.015/1973, DO INCISO II DO § 2º DO DECRETO Nº 4.449/2002, E DO ITEM 10.1 DO CAP. XX DO TOMO II DAS NSCGJ – APELAÇÃO A QUE SE DÁ PROVIMENTO PARA REFORMAR A R. SENTENÇA E AFASTAR O ÓBICE.” (TJSP; Apelação Cível 1001285- 94.2019.8.26.0438; Relator (a): Fernando Torres Garcia (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Penápolis – Vara do Juizado Especial Cível e Criminal; Data do Julgamento: 25/08/2022; Data de Registro: 02/09/2022).
“Registro de Imóveis – Dúvida – Título judicial – Arrematação – Execução forçada – Fração ideal – Falta de georreferenciamento, que já é obrigatório para imóvel em questão – Alienação coativa parcial para cujo registro não se pode exigir, entretanto, a inserção das coordenadas georreferenciadas – Inteligência dos §§ 3º-5º da Lei n. 6.015/1973, do inciso II do § 2º do Decreto n. 4.449/2002, e do item 10.1 do Cap. XX do Tomo II das NSCGJ – Apelação a que se dá provimento para reformar a r. sentença e afastar o óbice.” (TJSP; Apelação Cível 1002000-92.2021.8.26.0624; Relator (a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Tatuí – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 02/12/2021; Data de Registro: 15/12/2021).
Quanto ao segundo óbice apresentado pelo registrador, importa anotar que, da análise das matrículas nos 650, 4.084 e 17.536 do 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Araraquara/SP, depreende-se que as frações ideais adquiridas pela apelante por meio da arrematação havida nos autos da ação de execução encontram-se registradas em nome de Patrícia Rollo Mansur, casada sob o regime da comunhão universal de bens com Ricardo Mansur (R.10/605 e R.22, fls. 42/62; R.06/4.084 – fls. 63/78 e R.01/17.536 – fls. 79/92).
Da matrícula nº 605 consta, ainda, o divórcio do casal (AV.24/605), sem que, no entanto, tenha ingressado no fólio real título referente a eventual partilha de bens.
A mera averbação do divórcio noticia a mutação do estado civil dos proprietários, mas não é o quanto basta para alterar o regime jurídico peculiar da mancomunhão para condomínio simples.
Em outras palavras, inexistindo na matrícula o registro da partilha e, por consequência, da atribuição da propriedade a cada um dos ex-cônjuges, persiste a propriedade em comunhão em relação à totalidade das parcelas dos bens que lhes cabem.
Não se desconhece o teor do art. 843 do Código de Processo Civil e tampouco o entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que: “Os bens indivisíveis, de propriedade comum decorrente do regime de comunhão no casamento, na execução podem ser levados à hasta pública por inteiro, reservando-se à esposa a metade do preço alcançado” (REsp 200251/SP, Julgado em 06/08/2001, DJ 29/04/2002 p. 152, Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira).
Contudo, no caso concreto, não ficou demonstrado que a comunheira tenha sido intimada, na ação de execução, para conhecer e acompanhar a constrição da parte que lhe cabe nos imóveis arrematados pela apelante, o que poderia, em tese, suprir o encadeamento subjetivo necessário para ingresso do título no fólio real sem quebra da continuidade.
E se assim é, bem como porque no título consta que foi objeto de alienação judicial “a parte ideal pertencente ao executado Ricardo Mansur, correspondente a 7,9%” dos imóveis matriculados sob nos 650, 4.084 e 17.536 junto ao 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Araraquara/SP, não há como aferir se as frações arrematadas pela apelante atendem, de fato, à continuidade e, mais, à disponibilidade registral, de maneira que o óbice apresentado pelo registrador é mesmo intransponível.
Por fim, a questão referente ao cumprimento da ordem de levantamento das indisponibilidades averbadas nas matrículas deverá ser apreciada oportunamente, se o caso, considerando que o título anteriormente prenotado foi objeto da nota devolutiva copiada a fls. 156/157, sem que haja notícias de seu reingresso na serventia imobiliária.
Diante do exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
(DJe de 07.06.2024 – SP)