CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida inversa julgada procedente – Carta de sentença extraída de ação de divórcio consensual – Exigência consistente de comprovação do pagamento do Imposto de Transmissão “Causa Mortis” e de Doação de Quaisquer Bens e Direitos – ITCMD, ou da declaração de isenção emitida pela Fazenda do Estado – Partilha em que constou, de forma expressa, que parte do preço da aquisição do único imóvel partilhado foi pago em sub-rogação da venda de outro imóvel que era de propriedade exclusiva da cônjuge, porque foi adquirido antes do casamento pelo regime da comunhão parcial de bens – Apenas parte do imóvel te a natureza de aquesto, o que acarretou a atribuição, a seu favor, de maior quinhão do imóvel partilhado – Declaração dos cônjuges, integrante do plano de partilha que foi homologado, que se presume verdadeira – Comprovação, ademais, da aquisição pela mulher, quando solteira, de outro bem imóvel, e da sua venda durante o casamento, em data próxima da compra do imóvel partilhado na ação de divórcio, de modo a confirmar a causa da partilha desigual – Perfeitamente possível que a sub-rogação, embora não conste do registro imobiliário da aquisição do imóvel, seja reconhecida no momento da dissolução do vínculo conjugal – Exigências afastadas – Recurso provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1029500-81.2023.8.26.0554, da Comarca de Santo André, em que são apelantes CAMILA TAMMONE e MARCOS VINICIUS CORSINI PEREIRA, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SANTO ANDRÉ.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 29 de maio de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1029500-81.2023.8.26.0554

Apelantes: Camila Tammone e Marcos Vinicius Corsini Pereira

Apelado: 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Santo André

VOTO Nº 43.419

Registro de Imóveis – Dúvida inversa julgada procedente – Carta de sentença extraída de ação de divórcio consensual – Exigência consistente de comprovação do pagamento do Imposto de Transmissão “Causa Mortis” e de Doação de Quaisquer Bens e Direitos – ITCMD, ou da declaração de isenção emitida pela Fazenda do Estado – Partilha em que constou, de forma expressa, que parte do preço da aquisição do único imóvel partilhado foi pago em sub-rogação da venda de outro imóvel que era de propriedade exclusiva da cônjuge, porque foi adquirido antes do casamento pelo regime da comunhão parcial de bens – Apenas parte do imóvel te a natureza de aquesto, o que acarretou a atribuição, a seu favor, de maior quinhão do imóvel partilhado – Declaração dos cônjuges, integrante do plano de partilha que foi homologado, que se presume verdadeira – Comprovação, ademais, da aquisição pela mulher, quando solteira, de outro bem imóvel, e da sua venda durante o casamento, em data próxima da compra do imóvel partilhado na ação de divórcio, de modo a confirmar a causa da partilha desigual – Perfeitamente possível que a sub-rogação, embora não conste do registro imobiliário da aquisição do imóvel, seja reconhecida no momento da dissolução do vínculo conjugal – Exigências afastadas – Recurso provido.

1. Trata-se de apelação interposta por Camila Tammone e Marcos Vinicius Corsini Pereira contra r. sentença que julgou a dúvida inversa procedente e manteve a recusa do registro da carta de sentença extraída da ação de divórcio consensual dos apelantes, na matrícula nº 155.459 do 1º Registro de Imóveis da Comarca de Santo André, porque não foi apresentada a guia de recolhimento do Imposto de Transmissão “Causa Mortis” e de Doação de Quaisquer Bens e Direitos ITCMD, ou o comprovante de isenção (fl. 139/141).

Os apelantes alegaram, em suma, que o Imposto de Transmissão “Causa Mortis” e de Doação de Quaisquer Bens e Direitos ITCMD é devido quando, na partilha, o imóvel é atribuído a um dos cônjuges de forma desigual. Afirmaram que parte do pagamento do preço para a aquisição do imóvel partilhado foi realizada com o produto da venda de outro imóvel, objeto da matrícula nº 126.253 do 1º Registro de Imóveis da Comarca de Santo André, que era de propriedade exclusiva da apelante que o adquiriu antes do casamento, por escritura pública lavrada em 10 de novembro de 2009. Esclareceram que o imóvel objeto da matrícula nº 126.253 foi alienado em 03 de maio de 2019, também por escritura pública, e o produto da venda foi utilizado para a aquisição do imóvel agora partilhado, ocorrida em 14 de junho do referido ano.

Disseram que, para a restituição desse valor, foi o imóvel partilhado na proporção de 70% para a apelante e 30% para o cônjuge, sem que disso tenha decorrido partilha desigual porque cada um recebeu a metade da sua participação no bem comum, observada a sub-rogação relativa ao preço da aquisição pago com dinheiro de propriedade particular da apelante. Requereram a reforma da r. sentença (fl. 144/148).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso (fl. 160/163).

É o relatório.

2. Cuida-se de carta de sentença extraída da ação de divórcio consensual de Camila Tammone e Marcos Vinicius Corsini Pereira que foi apresentada para registro na matrícula nº 155.459 do 1º Registro de Imóveis da Comarca de Santo André.

Camila Tammone e Marcos Vinicius Corsini Pereira adquiram o imóvel por escritura pública de compra e venda lavrada em 14 de junho e registrada, na matrícula nº 155.459, em 1º de julho de 2019, o que fizeram na constância do casamento, celebrado em 24 de setembro de 2011, em que adotado o regime da comunhão parcial de bens (fl. 30/32 e 121/122).

Por sua vez, a propriedade do imóvel objeto da matrícula nº 126.253 do 1º Registro de Imóveis da Comarca de Santo André foi adquirida por Camila Tammone e Marcos Vinicius Corsini Pereira por escritura pública registrada em 08 de janeiro de 2013 (fl. 48/49), e foi por eles vendido por escritura pública de 03 de maio, registrada em 22 de maio de 2019 (fl. 48/49).

Contudo, apesar de Camila e Marcos figurarem na matrícula nº 126.253 como proprietários do imóvel adquirido na constância do seu casamento, a certidão de fl. 54/56 demonstra que Camila o comprou, quando era solteira, por escritura pública lavrada em 10 de novembro de 2009, a fl. 348/350 do Livro 641 do 1º Tabelião de Notas da Comarca Santo André.

Além disso, na escritura pública constou que o preço da compra e venda foi integralmente pago por Camila (fl. 55).

Esse bem, apesar do que consta na matrícula, era de propriedade particular da apelante que o comprou e dele pagou integralmente o preço, fatos ocorridos antes do seu casamento

Por sua vez, o curto período decorrido entre a venda do imóvel objeto da matrícula nº 126.253 do 1º Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Santo André, feita em 03 de maio de 2019, e a aquisição do imóvel objeto da matrícula nº 155.459, em 14 de junho de 2019, confirma a alegação de que o produto da venda do bem que era de propriedade particular da apelante foi utilizado para a compra do imóvel partilhado.

Disso decorre a sub-rogação em favor da apelante, no imóvel objeto da matrícula nº 155.459, do quinhão equivalente à parte do preço que pagou com dinheiro de sua propriedade particular.

A existência da sub-rogação que ensejou a partilha do imóvel em proporções desiguais foi, ademais, consignada no plano de partilha apresentado na ação de divórcio consensual das partes, em que constou:

III. O imóvel será partilhado na seguinte proporção: 70% (setenta por cento) para Camila e 30% para Marcos (trinta por cento). A desproporção entre os quinhões decorre da existência de bem particular da virago integralizado na aquisição do bem. Pretende-se pela venda do imóvel, oportunidade em que a venda do produto será partilhada seguindo a mesma proporção;” (fl. 12).

Essa partilha foi homologada por r. sentença prolatada no Processo nº 1024468-32.2022.8.26.0554 da 2ª Vara da Família e das Sucessões da Comarca de Santo André (fl. 28/29), o que é suficiente para afastar a discussão sobre a existência da sub-rogação que, reitera-se, foi comprovada pela aquisição de imóvel antes do casamento, pela apelante, e da venda desse bem em data muito próxima da compra do imóvel partilhado.

Além disso, e declaração dos cônjuges, na ação judicial, sobre o uso do produto da venda do bem particular para a compra de outro imóvel goza de presunção de veracidade e, mais, diz respeito à disposição sobre direito disponível, razão pela qual prevalece em relação aos ex-cônjuges e, também, para efeito de registro da partilha.

E não há vedação para o reconhecimento da existência da sub-rogação na via extrajudicial que decorrer de declaração dos cônjuges, sendo nesse sentido a decisão prolatada pela Corregedoria Geral da Justiça no Processo CG nº 95456/2011, como se verifica no r. parecer elaborado pelo então Juiz Assessor, o Desembargador Roberto Maia Filho, aprovado pelo Corregedor Geral da Justiça, Desembargador Maurício Vidigal, j. 10/11/2011:

“REGISTRO DE IMÓVEIS. Pedido de retificação do registro no qual constou tratar-se de aquisição de imóvel comum ao casal, dado regime da comunhão parcial. Inobservância pelo registrador da expressa taxativa declaração dos cônjuges, constante do título, de que se tratava de bem adquirido com capital exclusivo de um deles. Circunstância que afasta comunicação leva à hipótese de bem particular. Registro que não pode se divorciar da manifestação da vontade do casal aposta no título. Não caracterizada ofensa às regras legais para referido regime de bens do casamento. Dado provimento ao recurso”.

De igual forma, o reconhecimento de que se trata de bem particular, com fundamento em declaração dos titulares do domínio, pode ser realizado na via judicial, inclusive em ação de inventário, conforme se verifica no v. acórdão prolatado pela C. 8ª Câmara de Direito Privado do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, de que foi relator o Desembargador Salles Rossi, com a seguinte ementa:

INVENTÁRIO. Decisão reiterando entendimento anterior no sentido de que a declaração de incomunicabilidade do bem não pode ser obtida na via estrita do inventário, determinando aos interessados a retificação das primeiras declarações e do plano de partilha. Inconformismo. Cabimento. Comprovação nos autos de que o bem imóvel se tratava de bem particular adquirido apenas pela falecida, o que afasta a presunção de esforço comum e em que pese a nota de devolução cartorária fazer menção à Sumula 377 do STF, há de se ressaltar que o C. STJ, ao fazer a releitura da referida. Súmula, decidiu que, no regime da separação legal, comunicam-se os bens adquiridos na constância do casamento desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição (EREsp 1.623.858). Caso dos autos em que a prova documental afastou o esforço comum, comprovando que o bem foi adquirido somente pela falecida. Decisão reformada para declarar que o imóvel é bem particular da falecida, devendo haver a respectiva retificação do plano de partilha a fim de que o imóvel seja partilhado de forma integral. Recurso provido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2346549-58.2023.8.26.0000; 8ª Câmara de Direito Privado, Relator Desembargador Salles Rossi; julgado em 24/04/2024).

Por fim, a presunção de veracidade da declaração dos cônjuges, no plano de partilha, não é afastada pela proporção entre os quinhões atribuídos a cada um, correspondentes a 70% do imóvel para a mulher e 30% ao marido.

Desse modo, prevalece a partilha homologada por sentença judicial, o que afasta a exigência de comprovação do pagamento do ITCMD, ou prova do reconhecimento da sua isenção, para efeito de registro da partilha, ressalvada a possibilidade da Fazenda do Estado, pela via própria, cobrar eventual imposto que considerar devido.

3. Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao recurso para julgar a dúvida improcedente e afastar a recusa do registro da carta de sentença extraída da ação de divórcio consensual dos apelantes.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 07.06.2024 – SP)