2ª VRP|SP: Registro Civil – Dúvida – Escritura realizada antes do decidido no ARE 1309642 do STF – Registro de União Estável – Convivente com mais de 70 anos – Regime da Separação Obrigatória de Bens – Obrigatoriedade.

Processo 1063608-09.2024.8.26.0100

Pedido de Providências

Registro Civil das Pessoas Naturais

R.I.T.S.S. – R.M.M.S. e outro

Juiz(a) de Direito: LETICIA DE ASSIS BRUNING

VISTOS,

Trata-se de pedido de providências contendo impugnação ofertada pela parte interessada ao óbice imposto pela Senhora Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas do Primeiro Subdistrito – Sé, Capital, ao requerimento de Registro de Escritura Pública de União Estável.

Os autos foram instruídos com a documentação de fls. 03/64. A parte interessada veio ao feito para reiterar seu pedido inicial, pelo acolhimento da impugnação (fls. 75/321).

O Ministério Público manifestou-se pela manutenção do óbice imposto (fls. 326/327).

É o relatório. Decido.

Cuida-se de impugnação ao óbice imposto pela Senhora Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas do Primeiro Subdistrito – Sé, Capital, ao requerimento de Registro de União Estável.

Consta dos autos que a Escritura Pública Declaratória de União Estável que se pretende registrar foi lavrada aos 18.03.2008, quando um dos conviventes contava com 78 anos de idade (Sr. D.M.S). Do instrumento público figurou que o regime de bens adotado na convivência era o da comunhão parcial.

A Senhora Titular apôs óbice ao registro do título no entendimento de que o disposto no instrumento notarial afronta o Código Civil, no sentido de que, em face da idade do convivente, o único regime de bens possível seria aquele da separação obrigatória, nos termos do art. 1641, II, da citada lei.

A parte interessada impugnou a negativa, com fundamento no que restou decidido no bojo do ARE 1309642/SP, do STF, de 01.02.2024, que decidiu, com repercussão geral, que “[n]os casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoa maior de 70 anos, o regime de separação de bens previsto no art. 1.641, II, do Código Civil, pode ser afastado por expressa manifestação de vontade das partes, mediante escritura pública” (in: https:// portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=6096433numeroProcesso=1309642classeProcesso=AREnumeroTema=1236, consulta-do em 10.06.2024).

Destaque-se que a Senhora Titular refuta o fundamento aventado pela parte, na esteira de que o ato foi lavrado em data muito anterior à tese de repercussão geral.

Por fim, o Ministério Público opinou em favor da manutenção do óbice, na compreensão de que o título não se encontra formalmente apto para o registro.

Pois bem.

Verifica-se dos autos que os requisitos autorizadores do registro, isto é, a regularidade formal e jurídica do título, conforme imposto pela legislação que recai sobre a matéria, não foram preenchidos, de modo que assiste razão à i. Oficial.

No momento da lavratura da Escritura Pública, não havia que se falar em afastamento da causa suspensiva, a qual, inclusive, obstava a escolha do regime de bens para maiores de 60 anos.

Com efeito, a qualificação registral deve seguir o princípio do “tempus regit actum”, o que significa que o título deve se sujeitar às regras válidas ao tempo de sua elaboração e, à essa época, conforme acima exposto, não era possível a liberalidade na escolha do regime de bens.

Dessa maneira, o que pretende a parte interessada não pode ser obtido, ao menos nesta estreita via extrajudicial, devendo o pleito ser levado às vias ordinárias, se o caso. Nesse sentido, bem se expressou a d. Promotora de Justiça:

“Observo que, por se tratar de procedimento de natureza administrativa, a decisão do Magistrado Corregedor deve ser limitada ao juízo de admissibilidade do registro do título quando apresentado, não se admitindo a produção de prova de qualquer natureza, já que o título deve estar apto para ser registrado. Assim, a função aqui exercida não se confunde com a função jurisdicional e não há possibilidade de ampla produção probatória, na medida que se discute, apenas, a correção e manutenção da recusa ou não” (fls. 327).

Dessa forma, a impugnação ao óbice imposto pela Senhora Titular não merece acolhida. Nessa ordem de ideias, acolho o óbice imposto pela Senhora Oficial e indefiro o pedido de registro, haja vista que não preenchidos os requisitos autorizadores do ato.

Oportunamente, arquivem-se os autos, com as cautelas de praxe.

Ciência à Senhora Oficial e ao Ministério Público.

P.I.C.

(DJe de 13.06.2024 – SP)