CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Escritura Pública de divórcio com partilha de bens – Partilha desigual – Previsão na escritura de reposição em dinheiro pela diferença de valores na divisão – Previsão específica de incidência do ITBI em Lei Municipal local – Necessidade de comprovação do recolhimento do tributo ou da concessão de isenção – Delegatário que deve fiscalizar o recolhimento dos tributos incidentes sobre os atos que pratica (art. 30, XI, da Lei nº 8.935/94) – Recurso não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1018707-14.2022.8.26.0071, da Comarca de Bauru, em que é apelante EDUARDO CRISTIANO MOLINA ONORATO, é apelado 2° OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE BAURU.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 13 de junho de 2024.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1018707-14.2022.8.26.0071
APELANTE: Eduardo Cristiano Molina Onorato
APELADO: 2° Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Bauru
VOTO Nº 43.446
Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Escritura Pública de divórcio com partilha de bens – Partilha desigual – Previsão na escritura de reposição em dinheiro pela diferença de valores na divisão – Previsão específica de incidência do ITBI em Lei Municipal local – Necessidade de comprovação do recolhimento do tributo ou da concessão de isenção – Delegatário que deve fiscalizar o recolhimento dos tributos incidentes sobre os atos que pratica (art. 30, XI, da Lei nº 8.935/94) – Recurso não provido.
Trata-se de apelação interposta por Eduardo Cristiano Molina Onorato, contra a r. sentença de fls. 111/114, proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do 2º Registro de Imóveis e Anexos de Bauru, que, mantendo a exigência apresentada pelo Oficial, negou o registro de escritura pública de divórcio direto com partilha de bens.
Sustenta o apelante, em resumo, que não houve transmissão onerosa ou excesso de meação na partilha de bens levada a efeito, não ocorrendo acréscimo de patrimônio a nenhuma das partes, de modo que não haveria incidência de ITBI. Ao final, requer seja afastada a exigência de comprovação de recolhimento do ITBI ou, subsidiariamente, que o imposto seja calculado somente sobre o valor que excede à meação (fls. 117/126).
A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 149/151).
É o relatório.
Trata-se de dúvida suscitada, em virtude da desqualificação de escritura pública de divórcio com partilha de bens lavrada no 2º Tabelião de Notas e de Protestos de Bauru.
Da nota devolutiva de fls. 15, colhe-se o seguinte:
“Conforme se verifica no Item 10.3 da presente Escritura de Divórcio Direto com Partilha de Bens apresentada, necessária a apresentação do comprovante de recolhimento do imposto de transmissão “inter vivos” (ITBI) ou reconhecimento de sua isenção, devidamente vistado pela Divisão de Auditoria Fiscal Tributária, nos termos do artigo 482, inciso VI, da legislação tributária municipal vigente”.
E o óbice está correto, como bem concluiu a MM. Juíza Corregedora Permanente (fls. 111/114).
Com efeito, constou no item 10.1 da escritura que “os bens imóveis mencionados nos itens 9.1. a 9.10., ficarão integralmente na posse e propriedade do primeiro outorgante, EDUARDO CRISTIANO MOLINA ONORATO, totalizando sua parte na partilha, considerando o valor fiscal atribuído, o preço total de R$ 840.623,52” (fls. 22). Segundo o item 10.2 da mesma escritura, “os bens imóveis e o móvel mencionados nos itens 9.11. a 9.14., ficarão integralmente, na posse e propriedade da segunda outorgante, e, GABRIELA BIJOS LIMA ONORATO, totalizando sua parte na partilha, considerando o valor fiscal atribuído, o preço total de R$ 423.327,00” (fls. 22). Já o item 10.3 preceitua que “a diferença na partilha, no valor de R$ 208.648,26, recebida a mais pelo primeiro outorgante, será reposto em dinheiro, pelo primeiro outorgante para a segunda outorgante” (fls. 22).
Ressalte-se que entre os bens partilháveis não havia indicação de valor em dinheiro (fls. 18/22), o que leva à conclusão de que a quantia paga pelo ex-marido à ex-esposa tem natureza de bem particular, ou, ainda, de pagamento de preço na forma de torna
Desse modo, em partilha de bens imóveis, houve pagamento em dinheiro para compensar o valor a maior recebido por um dos ex-cônjuges, o que caracteriza transmissão de bens imóveis por ato oneroso inter vivos (art. 156, II, da CF).
A forma como a partilha foi retratada no instrumento deixa clara a incidência do ITBI – e não do ITCMD – pois a transmissão se deu de forma onerosa.
E o Decreto do Município de Bauru nº 10.645/2008, citado pelo registrador (fls. 2), descreve o caso em tela como hipótese de incidência do imposto:
Art. 482. Incluem-se na hipótese de incidência do imposto quaisquer atos onerosos translativos ou constitutivos de direitos reais sobre imóveis, como definidos na lei civil, dentre os quais (art. 2º da Lei nº 2.996/1989):
(…)
VI – as tornas ou reposições relativas a valores imobiliários que ocorram na partilha de bens, havida na separação, divórcio, sucessão ou, em virtude da extinção de condomínio, na divisão do patrimônio comum, no que exceder a respectiva meação ou quinhão;
Assim, se o fato gerador do tributo, em consonância com a hipótese de incidência prevista na legislação municipal, foi observado na qualificação registral, cabia mesmo ao Oficial exigir a comprovação ou do recolhimento do imposto ou da concessão da isenção pelo Município.
E é conhecido o dever que o registrador possui de fiscalizar o recolhimento dos tributos decorrentes dos atos praticados na serventia extrajudicial (cf. artigo 30, XI, da Lei nº 8.935/94 e artigo 134, VI, do CTN).
Anote-se que os diversos precedentes mencionados pelo apelante em seu recurso não alteram a conclusão exposta. Em primeiro lugar, porque os v. acórdãos cujas ementas foram transcritas (fls. 123/125) se referem a situações distintas da aqui analisada, tais como partilha igualitária e ausência de onerosidade das transmissões, de modo a justificar a não incidência do imposto. Se não bastasse, é sabido que o exame feito na esfera jurisdicional permite, inclusive, o reconhecimento da inconstitucionalidade de lei, algo que se mostra inadmissível na esfera administrativa. Nesse sentido:
“Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente, impedindo-se o registro de Escritura Pública de venda e compra, englobando cessão – Ausência de recolhimento de imposto – ITBI que é devido pela cessão e pela venda e compra – Impossibilidade de reconhecimento de inconstitucionalidade e de decadência ou prescrição pela via administrativa – Recurso desprovido” (CSMSP, Apelação Cível nº 1123982-06.2015.8.26.0100, Rel. Desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, DJ 07/12/2016). Correta, portanto, a exigência feita pelo Oficial.
Finalmente, em relação ao pedido subsidiário formulado no recurso, deve-se frisar que não cabe a este Conselho Superior, antes de qualquer análise pela autoridade fiscal, fixar a base de cálculo do tributo devido.
Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
(DJe de 21.06.2024 – SP)