CNJ: Recurso administrativo – Direito à emissão de recomendação ou provimento – Descabimento – Decisões administrativas recorríveis no âmbito do CNJ – Validade ou eficácia dos negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis – Desnecessidade de apresentação de certidões forenses ou de distribuidores judiciais – Art. 54, § 2º, II, da Lei n. 13.097/2015 e Súmula 375/STJ.

CNJ

Pedido de Providências nº 0007652-29.2022.2.00.0000

Rel. Min. Luis Felipe Salomão

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS – 0007652-29.2022.2.00.0000

Requerente: TAILAINE CRISTINA COSTA DE ANDRADE

Requerido: CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA

EMENTA

RECURSO ADMINISTRATIVO. DIREITO À EMISSÃO DE RECOMENDAÇÃO OU PROVIMENTO. DESCABIMENTO. DECISÕES ADMINISTRATIVAS RECORRÍVEIS NO ÂMBITO DO CNJ. VALIDADE OU EFICÁCIA DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS QUE TENHAM POR FIM CONSTITUIR, TRANSFERIR OU MODIFICAR DIREITOS REAIS SOBRE IMÓVEIS. DESNECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO DE CERTIDÕES FORENSES OU DE DISTRIBUIDORES JUDICIAIS. ART. 54, § 2º, II, DA LEI N. 13.097/2015 E SÚMULA 375/STJ.

1. Inexiste direito subjetivo à emissão de recomendação ou de provimento, o que demanda sempre exame subjetivo da Corregedoria Nacional de Justiça acerca da oportunidade e conveniência da medida.

2. O art. 115, § 1º, do RICNJ é expresso no sentido de que “são recorríveis apenas as decisões monocráticas terminativas de que manifestamente resultar ou puder resultar restrição de direito ou prerrogativa, determinação de conduta ou anulação de ato ou decisão, nos casos de processo disciplinar, reclamação disciplinar, representação por excesso de prazo, procedimento de controle administrativo ou pedido de providências”.

3. A Súmula 375/STJ já confere a segurança necessária ao terceiro adquirente de boa-fé, ao orientar que “o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”.

4. O pedido formulado na inicial vindica solução contra legem, indo de encontro à teleologia do art. 54, § 2º, da Lei n. 13.097/2015.

5. É clara a vontade do legislador de que o terceiro de boa-fé não precisa obter certidões de feitos ajuizados. Do contrário, seria exigido do denominado “homem médio” a ciência da necessidade de obtenção de certidões de vários ramos da justiça e conhecimento especializado, onerando operação que usualmente, por si só, já envolve o gasto das economias das famílias, além de trazer insegurança jurídica e riscos antes inexistentes.

6. Recurso administrativo não conhecido.

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

O Conselho, por unanimidade, não conheceu do recurso, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário Virtual, 26 de março de 2024. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luís Roberto Barroso, Luis Felipe Salomão, Caputo Bastos, José Rotondano, Mônica Autran, Alexandre Teixeira, Renata Gil, Daniela Madeira, Giovanni Olsson, Pablo Coutinho Barreto, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Daiane Nogueira e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

RELATÓRIO

O EXM. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator): 

1. Trata-se de recurso administrativo interposto por Tailane Cristina Costa em face da decisão monocrática (Id 5395363) desta Corregedoria Nacional de Justiça que julgou improcedente o pedido formulado pela recorrente, no sentido de que “este C. Conselho emita determinação aos órgãos competentes, presidências e corregedorias dos Tribunais de Justiças dos Estados e do Distrito Federal que emitam comunicação orientando aos tabelionatos e notários que façam constar nas escrituras que tenham objeto transferir ou onerar bens imóveis aviso, com destaque, clareza, precisão, que alerte e atente aos consumidores participantes na realização da referida escritura sobre os riscos jurídicos de se dispensar as certidões de feitos ajuizados, inclusive com a manifestação destes de forma expressa e claramente informados dos riscos jurídicos envolvidos”.

Nas razões recursais, aduz a recorrente que entende pertinente seja informado aos consumidores sobre os riscos jurídicos que envolvem a dispensa de certidões de feitos ajuizados, nas escrituras que tenham por objeto transferir ou onerar bens imóveis.

Diz que, não obstante o disposto no art. 54 da Lei n. 13.097/2015, persiste o risco de que o terceiro adquirente corra riscos com a aquisição de direitos e bens imóveis, e que, a teor do art. 792, IV, do CPC, independente de registro na matrícula, se tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência, será considerado que houve fraude à execução.

Pondera que os casos de fraude contra credores também poderiam ser evitados, admitindo que “essa dispensa se presta apenas para garantir  uma presunção absoluta de que os terceiros têm conhecimento dos feitos  capazes de reduzir o devedor à insolvência, mas não afasta a possibilidade do  reconhecimento da fraude à execução podendo o credor comprovar a má-fé do terceiro pela demonstração de que este tinha conhecimento acerca da  pendência do processo o que afasta a presunção relativa de boa-fé”.

Afirma que não pode aceitar a posição contida na decisão monocrática acerca da inconveniência da edição de Provimento impondo esse tipo de alerta nas escrituras, e que, no caso da Fazenda Pública, eventual fraude contra credores traria prejuízos ao erário, a par de ser medida recomendável para evitar a responsabilização civil dos notários.

É o relatório.

VOTO

O EXM. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):  

2. Inicialmente, afasto o juízo de retratação, uma vez que, conforme será detidamente abordado adiante, a irresignação não comporta acolhida.

No presente caso, o recurso é tempestivo, no entanto, não deve ser conhecido.

O art. 115, § 1º, do RICNJ é expresso no sentido de que “são recorríveis apenas as decisões monocráticas terminativas de que manifestamente resultar ou puder resultar restrição de direito ou prerrogativa, determinação de conduta ou anulação de ato ou decisão, nos casos de processo disciplinar, reclamação disciplinar, representação por excesso de prazo, procedimento de controle administrativo ou pedido de providências”. A situação reportada nos autos não se enquadra em nenhuma dessas hipóteses.

Como é cediço, inexiste direito subjetivo à emissão de recomendação ou de provimento, o que, a par da questão do cabimento, demanda sempre exame subjetivo da Corregedoria Nacional de Justiça acerca da oportunidade e conveniência da medida.

Confira-se:

RECURSO ADMINISTRATIVO EM ARGUIÇÃO DE SUSPEIÇÃO E DE IMPEDIMENTO. NÃO CONHECIMENTO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO REGIMENTAL.

1. O artigo 115, § 1º, do Regimento Interno do CNJ prevê que apenas são recorríveis “as decisões monocráticas terminativas de que manifestamente resultar ou puder resultar restrição de direito ou prerrogativa, determinação de conduta ou anulação de ato ou decisão, nos casos de processo disciplinar, reclamação disciplinar, representação por excesso de prazo, procedimento de controle administrativo ou pedido de providências”.

2. “Não há previsão regimental que viabilize interposição de recurso em arguição de suspeição e impedimento” (CNJ – RA – Recurso Administrativo em ASI – Arguição de Suspeição e de Impedimento – 0006913-32.2017.2.00.0000 – Rel. DIAS TOFFOLI – 43ª Sessão Virtual – julgado em 01/03/2019).

3. A simples decisão contrária aos interesses da parte, por si só, não imputa qualquer nódoa de suspeição ou impedimento à atuação do membro do Conselho Nacional de Justiça.

4. Recurso administrativo não conhecido. (CNJ – RA – Recurso Administrativo em ASI – Arguição de Suspeição e de Impedimento – 0002296-19.2023.2.00.0000 – Rel. ROSA WEBER – 10ª Sessão Virtual de 2023 – julgado em 30/06/2023).

Ademais, como asseverado na decisão monocrática, a Súmula 375/STJ já confere a segurança necessária ao terceiro adquirente de boa-fé, ao orientar que “o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”.

A manifestação da Associação dos Notários e Registradores do Brasil – Anoreg nos autos (Id 5030369) foi precisa:

A questão discutida nestes autos já está pacificada na legislação nacional. A Lei nº 7.433/1985 trata “sobre os requisitos para a lavratura de escrituras públicas” e teve o § 2º do art. 1º alterado para excluir a necessidade de apresentação das certidões de feitos ajuizados (Lei nº 13.097/2015).

Além disso, a Lei nº 13.097/2015, em seu art. 54 cria a concentração dos atos na matrícula do imóvel, de forma que não pode ser oposto ao adquirente situações não constantes da matrícula, assim prevendo:

Art. 54. Os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações:

I – registro de citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias;

II – averbação, por solicitação do interessado, de constrição judicial, de que a execução foi admitida pelo juiz ou de fase de cumprimento de sentença, procedendo-se nos termos previstos no art. 828 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil);

III – averbação de restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos registrados, de indisponibilidade ou de outros ônus quando previstos em lei; e

IV – averbação, mediante decisão judicial, da existência de outro tipo de ação cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu proprietário à insolvência, nos termos do inciso IV do caput do art. 792 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).

O art. 54, portanto, traz a previsão expressa de possibilidade de se averbar na matrícula do imóvel a existência de ações que venham a afetar o patrimônio do proprietário do imóvel – que seria o vendedor, no caso da compra e venda.

Além disso, a Lei nº 14.382/2022 incluiu o § 2º no citado art. 54, tornando ainda mais clara a desnecessidade das certidões, veja-se:

Art. 54 (…)

§ 2º Para a validade ou eficácia dos negócios jurídicos a que se refere o caput deste artigo ou para a caracterização da boa-fé do terceiro adquirente de imóvel ou beneficiário de direito real, não serão exigidas:

I – a obtenção prévia de quaisquer documentos ou certidões além daqueles requeridos nos termos do § 2º do art. 1º da Lei nº 7.433, de 18 de dezembro de 1985; e

II – a apresentação de certidões forenses ou de distribuidores judiciais.

Parece claro, portanto, que o ordenamento jurídico pátrio tornou desnecessária a apresentação de qualquer certidão de feitos ajuizados, certidão forense ou de distribuidor judicial.

E mais, a legislação assevera que não há qualquer consequência negativa a dispensa dessas certidões, afirmando expressamente que essas certidões não são requisitos para a validade e eficácia do negócio jurídico, ou mesmo para a caracterização da boa-fé do adquirente.

Como bem demonstrado acima, o pedido vindica decisão contra legem.

O art. 54 da Lei n. 13.097/2015 traz a previsão expressa de possibilidade de averbar, na matrícula do imóvel, a existência de ações que venham a afetar o patrimônio do proprietário do imóvel – que seria o vendedor, no caso da compra e venda.

Fica clara, assim, a vontade do legislador de que o terceiro de boa-fé não precisa obter certidões de feitos ajuizados. Do contrário, seria exigido do denominado “homem médio” a ciência da necessidade de obtenção de certidões de vários ramos da justiça e até mesmo conhecimento especializado (contratação de advogado), onerando operação que usualmente, por si só, já envolve o gasto das economias das famílias, além de trazer insegurança jurídica e riscos antes inexistentes para os terceiros de boa-fé.

Ainda, um provimento da Corregedoria Nacional de Justiça impondo esse tipo de alerta nas escrituras também não seria harmonioso com a mencionada Súmula 375/STJ.

Por último, atualmente o credor tem a opção de valer-se de um sistema nacional para obter a localização e a indisponibilidade do bem imóvel e de averbar na matrícula a existência de ações, não se mostrando conveniente fragilizar a higidez dos negócios a envolver terceiros de boa-fé, os quais a requerente alegadamente busca proteger.

3. Ante o exposto, à luz do art. 115, § 1º, do RICNJ, não conheço do recurso administrativo, mantendo hígido o comando que determinou o arquivamento do presente expediente.

É como voto.

Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

Corregedor Nacional de Justiça

DJ 08.04.2024