CSM|SP: Registro de imóveis – Procedimento de dúvida – Registro de Escritura Pública de Venda e Compra e Divisão – Propriedade em condomínio indiviso – Venda e compra da cota parte com desdobro e desmembramento – Negócio jurídico concentrado – Alienação das frações dentro da disponibilidade de cada titular – Princípios da disponibilidade e continuidade preservados – Óbice afastado – Dúvida improcedente – Apelação provida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1002085-65.2023.8.26.0347, da Comarca de Matão, em que é apelante PAULO SÉRGIO VALÉRIO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE MATÃO.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação para afastar a qualificação negativa do título, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), TORRES DE CARVALHO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), ADEMIR BENEDITO E CAMARGO ARANHA FILHO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 25 de julho de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1002085-65.2023.8.26.0347

APELANTE: Paulo Sérgio Valério

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Matão

VOTO Nº 43.487

Registro de imóveis  Procedimento de dúvida – Registro de Escritura Pública de Venda e Compra e Divisão  Propriedade em condomínio indiviso  Venda e compra da cota parte com desdobro e desmembramento  Negócio jurídico concentrado  Alienação das frações dentro da disponibilidade de cada titular  Princípios da disponibilidade e continuidade preservados  Óbice afastado  Dúvida improcedente  Apelação provida.

Trata-se de recurso de apelação interposto por PAULO SÉRGIO VALÉRIO em face da r.sentença de fls. 233/236, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro e Imóveis de Matão, que em procedimento de dúvida manteve a negativa de registro de escritura pública de compra e venda e divisão outorgada por Shirley Correa da Costa Grigoli e Luciana Ghirelli Grigoli em favor de Paulo Sérgio Valério e sua esposa Ana Lucia Perovani Valério, tendo por objeto o imóvel identificado na matrícula 51.177 do CRI de Matão, por ofensa aos princípios da continuidade e disponibilidade.

A apelação busca a reforma da sentença, aduzindo que o título respeita aos princípios da continuidade e disponibilidade, pois as titulares alienam exatamente o que detém dentro de seus percentuais, com anuência dos co-proprietários para a localização da área a ser alienada, tratando-se de imóvel devidamente georreferenciado e certificado pelo INCRA (fls. 241/248).

A Douta Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo provimento da apelação (fls. 273/275).

É o relatório.

A apelação comporta provimento.

Foi apresentado ao Oficial de Registro de Imóveis de Matão uma escritura pública de venda e compra e divisão/demembramento lavrada aos 29 de novembro de 2022, no Livro 477, fls. 182/192, do 2º Tabelião de Notas e de Protesto de Letras e Títulos de Taquaritinga (fls. 192/202) pela qual Shirley Correa da Costa Grigoli e Luciana Ghirelli Grigoli venderam suas partes ideais do imóvel objeto da matrícula 51.177 a Paulo Sérgio Valério e sua esposa Ana Lucia Perovani Valerio. Pela mesma escritura, houve a divisão amigável e desmembramento da área em duas glebas: uma, com uma área de terras equivalente a 32,8566 hectares ou 13,5771 alqueires e outra com a área de 6,0002 alqueires.

Pois bem.

A matrícula 51.177 está descrita como um imóvel agrícola com área de 47,3770 hectares ou 19,5773 alqueires denominado Sítio Rincão do Manacá e tem como proprietárias Shirley Correa da Costa Grigoli, com a parte ideal de 53,00271% do imóvel e Luciana Ghirelli Grigoli, com a parte ideal de 46,99729%.

Em linhas gerais, extrai-se que pela escritura pública de venda e compra com divisão amigável e desmembramento levada a registro, Shirley alienou a totalidade de sua parte ideal e Luciana alienou somente uma parte ideal de sua cota parte, ou seja, alienou 16,34866302910695%, permanecendo com a titularidade de percentual restante (30,648627%). Pelo mesmo título ficou claro que as partes pretenderam dividir amigavelmente o imóvel, desmembrando, destacando e alienando uma área de 32,8566 hectares, que passaria a pertencer exclusivamente aos adquirentes, alterada a denominação desta nova área destacada como “Sítio Santo Antônio”. A gleba remanescente da matrícula 51.177, equivalente a 6,0002 alqueires e referente à fração ideal não alienada, permaneceria sob a titularidade da titular Luciana Ghirelli Grigoli.

Essa a intenção das partes envolvidas no negócio jurídico retratado no título, em negócios jurídicos lícitos e distintos, apenas materializados em um único instrumento.

O título foi qualificado e prenotado (nº 124.632), tendo o Oficial apresentado a seguinte nota devolutiva:

“1. Com o desdobramento as duas matrículas resultantes permanecerão em nome das proprietárias nas respectivas proporções constante da matrícula.

Assim sendo, quando Shirley aliena a totalidade da parte na matrícula A, a Luciana permanecerá sendo coproprietária desse imóvel na proporção de 30,648% e na outra matrícula B, as mesmas co-proprietárias permanecerão na proporção indicada na matrícula original, sendo necessário para formalizar o ato pretendido, haver a transferência de Luciana ao atual adquirente e a transferência de 53,00271% na matrícula B por parte de Shirley a favor de Luciana, devendo comprovar os devidos recolhimentos do ITBI.”

O raciocínio desenvolvido pelo Registrador, entretanto, não leva à conclusão de ofensa aos princípios registrários da continuidade e disponibilidade, justificativas para a negativa de acesso do título ao fólio real.

Isto porque, conforme exposto pelo Notário (fls. 159/178), as proprietárias Shirley e Luciana alienaram exatamente o que detinham de seu percentual do imóvel rural e reciprocamente anuíram com o desdobro, remanescente e localização da área alienada, observando-se o encadeamento de titularidade do registro.

A identificação e localização de área certa foi deliberada por todos os proprietários do imóvel, em recíproca anuência, tratando-se de imóvel devidamente georreferenciado e certificado pelo INCRA.

Portanto, respeitou-se o princípio da continuidade, pois o imóvel está matriculado em nome das outorgantes. Igualmente, foi respeitado o princípio da disponibilidade, uma vez que as outorgantes transferiram partes do imóvel que lhe pertenciam dentro do percentual sobre o qual eram titulares.

Além disso, houve preservação da segurança jurídica do ato, uma vez que a localização da área certa e alienada na escritura pública foi feita pelos proprietários do imóvel, em recíproca anuência.

Por fim, não há que se falar em recolhimento do ITBI em razão de possível negócio jurídico entre Shirley e Luciana aventado pelo Registrador pela ausência de fato gerador, na medida em que Shirley alienou a totalidade de sua cota parte somente aos adquirentes Paulo Sergio e sua esposa.

Na realidade, existem negócios jurídicos sucessivos, que poderiam ser materializados em instrumentos separados ou em instrumento único.

Optaram as partes por materializar negócios jurídicos diversos e sucessivos em instrumento único, e nada existe de ilícito nisso, nem se extrai aí qualquer ofensa aos principios registrários da continuidade ou especialidade.

Primeiro se qualifica o negócio de compra e venda de partes ideais de imóvel perfeitamente individualizado.

Se seguida se procede à divisão do imóvel em condomínio, na força dos respectivos quinhões constantes do título.

São registros e averbações sucessivas e encadeadas, bastando seguir a ordem lógica dos negócios jurídicos.

Deste modo, o contexto demonstra que o título qualificado está em conformidade com o efetivo poder de disposição das alienantes, de acordo com a titularidade formal a elas atribuída. A escritura definitiva de compra e venda acusou a aquisição não de parte ideal em condomínio, mas já efetivou a individualização dos imóveis de acordo com as respectivas frações, em negócio jurídico concentrado. É título hábil, de modo que os óbices apresentados pelo registrador não subsistem.

Ante o exposto, dou provimento à apelação para afastar a qualificação negativa do título.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 05.08.2024 – SP)