CSM|SP: Registro de imóveis – Adjudicação compulsória – Averbação premonitória promovida antes do Registro da Venda do Imóvel – Princípio da concentração dos atos na matrícula e da publicidade registral – Oponibilidade erga omnes e direito de sequela – Adquirente do bem que tinha – ou deveria ter – Plena ciência da existência da ação de adjudicação compulsória referente ao imóvel – Efeitos da coisa julgada que atingem a adquirente do imóvel – Negócio ineficaz face ao credor – Hipótese de ineficácia relativa e não de invalidade – Inexistência de ofensa à continuidade registral – Óbice afastado – Apelação provida.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0006156-39.2023.8.26.0344, da Comarca de Marília, em que são apelantes CLARICE GUIZARDI DE SOUZA BASTOS, ANDRÉ GUIZARDI DE SOUZA BASTOS e RODRIGO GUIZARDI DE SOUZA BASTOS, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE MARÍLIA.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), JOSÉ LUIZ GAVIÃO DE ALMEIDA, HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 2 de agosto de 2024.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 0006156-39.2023.8.26.0344
Apelantes: Clarice Guizardi de Souza Bastos, André Guizardi de Souza Bastos e Rodrigo Guizardi de Souza Bastos
Apelado: 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Marília
VOTO Nº 43.490
Registro de imóveis – Adjudicação compulsória – Averbação premonitória promovida antes do Registro da Venda do Imóvel – Princípio da concentração dos atos na matrícula e da publicidade registral – Oponibilidade erga omnes e direito de sequela – Adquirente do bem que tinha – ou deveria ter – Plena ciência da existência da ação de adjudicação compulsória referente ao imóvel – Efeitos da coisa julgada que atingem a adquirente do imóvel – Negócio ineficaz face ao credor – Hipótese de ineficácia relativa e não de invalidade – Inexistência de ofensa à continuidade registral – Óbice afastado – Apelação provida.
Trata-se de apelação interposta por Clarice Guizardi de Souza Bastos, Rodrigo Guizardi de Souza Bastos e André Guizardi de Souza Bastos contra a r. sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente do 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Marília/SP, que manteve a recusa de registro da carta de adjudicação extraída dos autos do Processo nº 1011798-15.2019.8.26.0344, tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 8.308 junto à referida serventia extrajudicial (fls. 184/190).
Em síntese, sustentam os apelantes ser possível o registro pretendido, ante o trânsito em julgado da sentença que deferiu a adjudicação compulsória do imóvel matriculado sob nº 8.308 do 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Marília/SP.
Argumentam que a venda do imóvel para Manoela Furlan Menezes dos Santos é ineficaz, pois apesar de ter ocorrido em 04 de julho de 2017 somente foi registrada em 21 de junho de 2022, depois da averbação da propositura da ação de adjudicação compulsória contra Eduardo dos Santos Prado e Eunice Baldini Prado, datada de 18 de dezembro de 2019. Alegam que Manoela Furlan Menezes dos Santos e os réus da referida ação, Eduardo dos Santos Prado e Eunice Baldini Prado, agiram em conluio, tendo em vista que o imóvel, gravado com ônus real, foi alienado por valor inferior ao de mercado, sem a exibição das certidões obrigatórias, além do fato de que a escritura de venda e compra apenas foi prenotada quando prolatada a sentença que deferiu o pedido de adjudicação (fls. 195/212). Manoela Furlan Menezes dos Santos manifestou-se a fls. 228/235.
A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 382/386).
É o relatório.
Desde logo, importa lembrar que a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registral, ainda que limitada a seus requisitos formais e sua adequação aos princípios registrais, conforme o disposto no item 117 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça:
“117. Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais.”
Este Conselho Superior da Magistratura tem decidido, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n.º 413-6/7; Apelação Cível n.º 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação Cível n.º 0005176-34.2019.8.26.0344; e Apelação Cível n.º 1001015-36.2019.8.26.0223).
In casu, foi apresentada para registro a carta de sentença extraída dos autos da ação de adjudicação compulsória ajuizada por Clarice Guizardi de Souza Bastos e Espólio de Antônio de Souza Bastos contra Eduardo dos Santos Prado e Eunice Baldini Prado (Processo nº 1011798-15.2019.8.26.0344 da 2ª Vara Cível da Comarca de Marília/SP), tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 8.308 junto ao 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Marília/SP (fls. 77).
O título foi qualificado negativamente pelo Oficial ao argumento de que haveria ofensa ao princípio da continuidade registral, pois o imóvel já não mais se encontra registrado em nome daqueles que figuraram como réus na ação de adjudicação compulsória.
Como é sabido, o art. 54 da Lei nº 13.097/15 consagrou o princípio da concentração dos atos na matrícula, realçando a importância da averbação premonitória ao estabelecer que não podem ser opostas ao terceiro de boa-fé situações jurídicas não constantes da matrícula no registro de imóveis.
Por outro lado, o inciso I do art. 792 do Código de Processo Civil reforçou a afirmação de que é possível a averbação na serventia imobiliária de qualquer ação que verse sobre direito real já existente ou com pretensão reipersecutória, mesmo que não se trate especificamente de um processo de execução.
Na hipótese em tela, a certidão da matrícula nº 8.308 (fls. 32/36) confirma que, antes do registro da compra e venda do imóvel a Manoela Furlan Menezes dos Santos por Eduardo dos Santos Prado e Eunice Badini Prado (R.12, de 27 de junho de 2022), havia sido averbada a existência de ação de adjudicação ajuizada contra os anteriores titulares de domínio (AV. 11, de 18 de dezembro de 2019).
Logo, à luz do princípio da concentração dos atos na matrícula e da publicidade registral, a adquirente do bem tinha – ou deveria ter – plena ciência da existência da ação de adjudicação compulsória referente ao imóvel em questão. Com efeito, a averbação premonitória outorga publicidade à tramitação da demanda judicial e, assim, enseja presunção absoluta de cognoscibilidade perante terceiros e segurança ao tráfego jurídico imobiliário.
Ressalte, por oportuno, o caráter absoluto dos direitos reais, resultante de sua oponibilidade erga omnes e da prerrogativa de sequela, que confere ao titular do direito a possibilidade de reclamá-lo em qualquer lugar e contra qualquer pessoa que ilegitimamente o detenha.
Nesse cenário, o resultado da ação de adjudicação compulsória e seus efeitos atingem a adquirente do imóvel litigioso, sem que isso possa configurar violação ao princípio da continuidade registral.
A razão de tal entendimento é simples. A adjudicação nada mais é do que sentença que supre a vontade do promitente vendedor de outorgar a escritura definitiva, em nítida obrigação de fazer.
Disso decorre que a ulterior alienação do imóvel a terceiros, após averbação premonitória da existência da ação, é ineficaz frente ao credor da obrigação de fazer e autor da ação de adjudicação compulsória. Cuida-se de ineficácia relativa, frente apenas ao credor.
Não se está no plano da validade do negócio, mas da mera ineficácia relativa. Essa a razão pela qual o registro ulterior da sentença de adjudicação não viola o princípio da continuidade do registro imobiliário.
E não é só. Nos termos do art. 109, § 3º, do Código de Processo Civil, os efeitos da sentença estendem-se ao adquirente da coisa ou do direito litigioso, mesmo que não integre o processo.
Por todas essas razões, o óbice apresentado pelo registrador merece ser afastado, com a consequente improcedência da dúvida e ingresso do título no fólio real.
Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
(DJe de 15.08.2024 – SP)