CSM|SP: Registro de imóveis – Escritura pública de inventário e adjudicação – Ordem de indisponibilidade que obsta o registro da alienação voluntária – Princípio da inscrição – Óbice mantido – Dúvida procedente – Apelação improvida.

ACÓRDÃO  

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1024407-10.2024.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante MARIA DE LOURDES GOMES HADDAD, é apelado 10º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 6 de agosto de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1024407-10.2024.8.26.0100

APELANTE: Maria de Lourdes Gomes Haddad

APELADO: 10º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 43.484

Registro de imóveis  Escritura pública de inventário e adjudicação – Ordem de indisponibilidade que obsta o registro da alienação voluntária – Princípio da inscrição – Óbice mantido – Dúvida procedente – Apelação improvida.

Trata-se de apelação interposta por MARIA DE LOURDES GOMES HADDAD contra a r. sentença proferida pela MMª. Juíza Corregedora Permanente do 10º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DE SÃO PAULO, que julgou procedente a dúvida e manteve os óbices ao registro da Escritura Pública de Inventário e Adjudicação dos bens deixados por Odette Ribeiro Gomez (fls. 127/130).

A apelante afirma, em síntese, que a cessão de direitos foi regularmente concluída por meio de escritura pública e que é a única beneficiária e herdeira capaz de proceder com o inventário dos bens deixados em razão do falecimento de sua mãe. Afirma que, por ocasião da lavratura da escritura pública de cessão de direitos hereditários, não havia qualquer restrição em relação aos cedentes, devendo ser observada a situação jurídica então vigente. Aduz que o herdeiro pode dispor da sua parte da herança por meio de escritura pública, exatamente como ocorrido, e que “o cessionário não depende mais dos cedentes para assinar, outorgar ou de qualquer outra forma anuir onde quer que seja, e mesmo que ocorra a morte ou mudança de estado do cedente, isto não modifica a situação da cessão de direitos ora efetuada”. Pede a reforma da sentença.

A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 165/169).

É o relatório.

Decido.

O registro da Escritura Pública de Inventário e Adjudicação referente ao imóvel objeto da matrícula nº 89.925 foi negado pelo Oficial, que expediu nota de devolução relativa à prenotação nº 581.923 (fls. 99), contendo as seguintes exigências:

“1) Anoto que da escritura de inventário e adjudicação, não consta o código HASH de indisponibilidade em nome dos cedentes.

2) Anoto ainda que, consta da CNIB Central de Indisponibilidade de Bens, ordem de indisponibilidade de bens e direitos e nome dos cedentes de Antonio Carlos Gomez, José Roberto Gomes e Luiz Alberto Gomez.

Portanto, o registro ora pretendido não poderá ser realizado antes do levantamento das indisponibilidades em nome dos cedentes, nos termos dos artigos 5º e 12 do Provimento 13/2012 da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, cópia em anexo.”

Nenhum reparo merece o r. decisum.

O título cujo registro se pretende inscrever no fólio real consiste em Escritura Pública de Inventário e Adjudicação (fls. 85/89), lavrada em 17 de agosto de 2022, em razão do falecimento de Odette Ribeiro Gomez, ocorrido em 25 de fevereiro de 2003.

Consta no item 3 da mencionada escritura:

3) DA CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS: Nos termos da escritura de cessão de diretos hereditários, lavrada aos 08 de julho de 2015, pelo 7º Tabelião de Notas da Capital, no livro nº. 6.156, folhas nº. 397/400, os herdeiros filhos da “de cujus”: I) ANTONIO CARLOS GOMEZ, brasileiro, autônomo, portador da cédula de identidade RG nº. 3.076.743-X-SSP-SP, inscrito no CPF/MF nº. 114.067.988-00, e sua mulher ENILCE AMARAL GOMEZ, brasileira, do lar, portadora da cédula de identidade RG nº. 6.769.222-9-SSP-SP, inscrita no CPF/MF sob nº. 245.668.998-45, casados sob o regime da comunhão universal de bens, por ato celebrado aos 20 de maio de 1967, conforme consta da certidão de casamento do Oficial de Registro Civil do 14º Subdistrito – Lapa, desta Capital, sob o termo 27.765, do livro B-97, as folhas 296, residentes e domiciliados nesta Capital, à Rua Hendrik Bles, nº. 34 – Vila Madalena – Cep: 05453-050. II) JOSÉ ROBERTO GOMES, brasileiro, autônomo, portador da cédula de identidade RG nº. 3.426.350-SSP-SP, inscrito no CPF/MF sob nº. 114.067.718-72, e sua mulher ELISETE SEGALA GOMES, brasileira, instrumentadora cirúrgica, portadora da cédula de identidade RG n°. 7.649.830-X-SSPSP, inscrita no CPF/MF sob n°. 269.364.238-84, casados sob o regime da comunhão universal de bens, por ato celebrado aos 11 de setembro de 1971, conforme consta da certidão de casamento do Oficial de Registro Civil do 14° Subdistrito Lapa, desta Capital, sob o termo 32.846, do livro B-108, as folhas 286, residentes e domiciliados nesta Capital, à Rua Sepetiba, n°. 842 Vila Romana – Cep: 05052-000. III) LUIZ ALBERTO GOMEZ, brasileiro, autônomo, portador da cédula de identidade RG n°. 3.509.879-X-SSP/SP, inscrito no CPF/MF sob nº. 023.624.308-04, e sua mulher MARCIA REGINA DE CAMARGO GOMEZ, brasileira, decoradora, portadora da cédula de identidade RG n°. 9.037.854-4-SSP-SP, inscrita no CPF/MF sob nº. 760.703.448-04, casados sob o regime da comunhão universal de bens, nos termos da escritura de pacto antenupcial, lavrada aos 03 de maio de 1995, no 25° Tabelião de Notas da Capital, as folhas 140, do Livro 1.030, registrada sob o nº. 9.950, no livro n°. 3 – Registro Auxiliar do 10° Registro de Imóveis desta Capital, e por ato celebrado aos 23 de junho de 1995, conforme consta da certidão de casamento do Oficial de Registro Civil do 14° Subdistrito – Lapa, desta Capital, sob o termo 24.270, do livro B-82, as folhas 028, residentes e domiciliados nesta Capital, à Rua Agariba, n°. 110, Vila Romana – Cep: 05053-010, cederam e transferiram à herdeira filha e cessionária (sua irmã e cunhada) MARIA DE LOURDES GOMES HADDAD, acima qualificada, todos os direitos hereditários havidos por sucessão da autora da herança ODETTE RIBEIRO GOMEZ, (sua mãe e sogra) acima qualificada, sobre a parte ideal equivalente a 3/8 ou 37,50%, que os cedentes eram titulares dos direitos hereditários, de UMA CASA E SEU RESPETIVO TERRENO, SITUADO NA RUA SEPETIBA, Nº. 665, no 14º Subdistrito – Lapa, do distrito município e comarca de 10ª Circunscrição Imobiliária, devidamente descrito e caracterizado na matrícula nº. 89.925 do 10º Registro de Imóveis, desta Capital, que será objeto da sucessão adiante relatada; sendo essa cessão a título de liberalidade, a qual foi recolhida as guias de ITCMD, certidão e guias, que seguiram juntamente com esta à registro (….)” (grifei).

Todavia, constata-se, pelos documentos de fls. 96 a 98, que os nomes de Antonio Carlos Gomez, Luiz Alberto Gomez e José Roberto Gomes foram inseridos na Central Nacional de Indisponibilidade de Bens em datas anteriores à lavratura da Escritura Pública de Inventário, mas posteriores à formalização da Escritura de Cessão de Direitos Hereditários (fls. 90/95), em virtude de decisões judiciais proferidas em diversos autos.

Dessa forma, a existência de ordem de indisponibilidade que recai sobre os cedentes obsta o registro da adjudicação voluntária, ainda que a decretação tenha ocorrido após lavratura da escritura de inventário.

Nesse sentido, já decidiu o Conselho Superior da Magistratura, na Apelação nº 29.886-0/4, Relator Desembargador MARCIO MARTINS BONILHA:

A indisponibilidade de bens é forma especial de inalienabilidade e impenhorabilidade, impedindo o acesso de títulos de disposição ou oneração, ainda que formalizados anteriormente à decretação da inalienabilidade.”

Assim, ao menos sob o ponto de vista dos princípios registrais, os requisitos de validade e eficácia do título são observados ao tempo da prenotação (art. 1.246 do Código Civil):

Art. 1246. O registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao oficial do registro e este o prenotar no protocolo.”

Consoante dispõe o item 413 do Capítulo XX, das NSCGJ:

413. As indisponibilidades averbadas nos termos do Provimento CG. 13/2012 e CNJ nº 39/2014 e na forma do § 1º, do art. 53, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, não impedem a inscrição de constrições judiciais, assim como não impedem o registro da alienação judicial do imóvel desde que a alienação seja oriunda do juízo que determinou a indisponibilidade, ou a que distribuído o inquérito civil público e a posterior ação desse decorrente, ou que consignado no título judicial a prevalência da alienação judicial em relação à restrição oriunda de outro juízo ou autoridade administrativa a que foi dada ciência da execução”.

Determina o mencionado dispositivo que as indisponibilidades averbadas só não impedem a inscrição de constrições judiciais e o registro da alienação judicial do bem desde que a alienação seja oriunda do juízo que determinou a indisponibilidade ou se foi consignado no título judicial a prevalência da alienação judicial em relação à restrição oriunda de outro juízo ou autoridade administrativa a que foi dada ciência da execução.

No mesmo sentido, o art. 16, do Provimento n.º 39/2014, do C. Conselho Nacional de Justiça, in verbis:

Art. 16. As indisponibilidades averbadas nos termos deste Provimento e as decorrentes do § 1º, do art. 53, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, não impedem a inscrição de constrições judiciais, assim como não impedem o registro da alienação judicial do imóvel desde que a alienação seja oriunda do juízo que determinou a indisponibilidade, ou a que distribuído o inquérito civil público e a posterior ação desse decorrente, ou que consignado no título judicial a prevalência da alienação judicial em relação à restrição oriunda de outro juízo ou autoridade administrativa a que foi dada ciência da execução.”

Diversos são os precedentes deste Colendo Conselho Superior da Magistratura no sentido da impossibilidade de registro em razão da transmissão voluntária:

“REGISTRO DE IMÓVEIS  DÚVIDA ESCRITURA PÚBLICA DE VENDA E COMPRA  ORDEM DE INDISPONIBILIDADE QUE OBSTA O REGISTRO DA ALIENAÇÃO VOLUNTÁRIA PRINCÍPIO DA INSCRIÇÃO – ÓBICE MANTIDO  DÚVIDA PROCEDENTE – RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.” (TJSP; Apelação Cível 1027485-33.2021.8.26.0224; Relator(a): Fernando Antonio Torres Garcia (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Data do Julgamento: 31/08/2023).

“Registro de Imóveis Dúvida Partilha causa mortis Escritura pública Renúncia por herdeiro contra o qual pesavam indisponibilidades decorrentes de ordens jurisdicionais Cessão de parte dos bens do espólio a filho desse herdeiro Óbice aos pretendidos registros decorrentes da partilha Indisponibilidade que, entretanto, não impunha ao herdeiro o dever de aceitar Fraude contra credores e fraude à execução que não podem ser apreciadas na via administrativa Apelação a que se dá provimento para, afastado o óbice e reformada a r. sentença, permitir os registros almejados”. (TJSP; Apelação Cível 1039545-36.2019.8.26.0506; Relator(a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Data do Julgamento: 04/05/2021).

“REGISTRO DE IMÓVEIS. Partilha de direitos hereditários. Cessão de direitos ocorrida nos autos do arrolamento, com adjudicação integral do bem em favor de um dos herdeiros. Imóvel com ordem de indisponibilidade. Alienação voluntária. Impossibilidade de registro. Recurso desprovido” (TJSP; Apelação Cível 1003970-04.20218.8.26.0505; Relator(a): Geraldo Francisco Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Data do Julgamento: 15/08/2019).

Assim, sendo correta a exigência oposta pelo Oficial ao registro da escritura apresentada, é de rigor a manutenção da r. sentença proferida.

Ante o exposto, pelo meu voto, NEGO PROVIMENTO à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 15.08.2024 – SP)