CSM|SP: Registro de imóveis – Escritura pública de inventário e partilha – Dúvida julgada procedente – Realidade fática dos imóveis partilhados que não coincide com os assentos da serventia imobiliária – Impossibilidade de fusão e posterior desdobro dos imóveis por falta de identidade dos titulares de domínio dos imóveis – Discrepância entre a descrição apresentada no título e os elementos que constam das transcrições de origem – Ofensa ao princípio da especialidade objetiva – Apelação não provida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1029660-56.2023.8.26.0506, da Comarca de Ribeirão Preto, em que é apelante FERNANDO DE CASTRO MABTUM, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE RIBEIRÃO PRETO.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 6 de agosto de 2024.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1029660-56.2023.8.26.0506
APELANTE: Fernando de Castro Mabtum
APELADO: 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Ribeirão Preto
VOTO Nº 43.455
Registro de imóveis – Escritura pública de inventário e partilha – Dúvida julgada procedente – Realidade fática dos imóveis partilhados que não coincide com os assentos da serventia imobiliária – Impossibilidade de fusão e posterior desdobro dos imóveis por falta de identidade dos titulares de domínio dos imóveis – Discrepância entre a descrição apresentada no título e os elementos que constam das transcrições de origem – Ofensa ao princípio da especialidade objetiva – Apelação não provida.
Trata-se de apelação interposta por Fernando de Castro Mabtumcontra a r. sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente do 1º Oficial de Registro de Imóveis de Ribeirão Preto/SP, que manteve a recusa de registro da escritura pública de inventário e partilha dos bens deixados pelo falecimento de Leila Mabtum e João José Mabtum, sob o fundamento de que não é possível a unificação e o posterior desdobro dos imóveis transcritos sob nos 17.385 do Livro 3-M e 59.690 do Livro 3-AQ da referida serventia extrajudicial por se tratar este último de imóvel foreiro, de titularidade dominial diversa (fls. 109/111).
Alega o apelante, em síntese, que pretende regularizar a situação fática existente antes da vigência da Lei nº 6.015/1973, correspondente à unificação dos imóveis objeto das transcrições nos 17.385, Livro 3-M, e 59.690, Livro 3-AQ e seu posterior desdobro em quatro imóveis, tal como constou do título apresentado a registro. Aduz ser possível a unificação pretendida independentemente da identidade de proprietários, ante a expressa autorização trazida pelo art. 235 da Lei nº 6.015/1973. Ainda, afirma que o disposto no art. 234 da Lei nº 6.015/1973, por tratar de fusão de matrículas, não se aplica ao caso concreto (fls. 122/128).
A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 152/154).
Em atenção ao determinado a fls. 156/157, o Oficial de Registro ofertou esclarecimentos a fls. 159/161.
Manifestação do apelante a fls. 166/167.
A douta Procuradoria de Justiça reiterou o parecer anteriormente apresentado (fls. 172/174).
É o relatório.
O apelante requereu o registro da escritura pública de inventário e partilha dos bens deixados pelo falecimento de Leila Mabtum e João José Mabtum (fls. 71/84), tendo por objeto os imóveis transcritos sob nos 17.385, Livro 3-M, e 59.690, Livro 3-AQ, junto ao 1º Oficial de Registro de Imóveis de Ribeirão Preto/SP.
O Oficial, por sua vez, expediu nota devolutiva nos seguintes termos (fls. 85/86):
“Foi analisada toda cadeia filiatória do imóvel transcrito sob nº 17.385, livro 3-M, fl. 220, e verificou-se que referido imóvel não está submetido ao instituto do aforamento. Todavia, o imóvel transcrito sob nº 59.690, livro 3-AQ, fl. 297, trata-se de imóvel foreiro, ou seja, o domínio direto do imóvel pertence ao patrimônio da Fábrica da Matriz de São Sebastião do Ribeirão Preto/SP.
Dessa forma, para que sejam possíveis a fusão e os desdobros pretendidos, eles deverão pertencer aos mesmos proprietários, sendo obrigatório o domínio direto em ambos os imóveis, ou que o titular do domínio útil do imóvel da transcrição nº 59.690 do Livro 3-AQ, fl. 297 adquira o domínio direto.”
Então, nos autos do presente processo de dúvida, esclareceu que (fls. 159/161):
“(…)
III. Os acervos patrimoniais dos autores da herança, Leila e João José, eram constituídos de fração ideal correspondente a dois terços dos imóveis das mencionadas transcrições nºs 17.385 do Livro 3-M e 59.690 do Livro 3-AQ, sendo um terço de cada um deles.
IV. Todavia, as partilhas não recaíram sobre as frações ideais dos imóveis, tal como se encontravam descritos em mencionadas transcrições. Em lugar disso, referidos imóveis foram submetidos a unificação e posterior desdobro, resultando em quatro novos imóveis, os quais foram indicados na escritura nos itens “2.1”, “2.2”, “2.3” e “2.4” – partilha dos bens de Leila (fls. 74/76) – e nos itens “3.1”, “3.2”, “3.3” e “3.4” – partilha dos bens de João José (fls. 77/79);
V. Ocorre que o imóvel da transcrição nº 59.690 do Livro 3-AQ é foreiro, o que acabou por inviabilizar a fusão e os desdobros suscitados e, consequentemente, os registros das partilhas, sendo esse o objeto da dúvida, conforme exposto nas razões (fls. 2/5).”
Ao que se pode depreender, o registrador qualificou negativamente o título porque, para ingresso da escritura pública de inventário e partilha no fólio real, tal como lavrada, seria necessária a prévia fusão e posterior desdobro dos imóveis objeto das transcrições nos 17.385, Livro 3-M, e 59.690, Livro 3-AQ, o que, no entanto, não é possível em virtude da ausência de identidade de titulares de domínio.
Da análise dos documentos trazidos aos autos, constata-se que o imóvel objeto da transcrição nº 17.385, Livro 3-M (fls. 68) é de propriedade de João José Mabtum, Jamil Mabtum e Leila Mabtum e que o imóvel transcrito sob nº 59.690, Livro 3-AQ (fls. 69/70) submete-se ao instituto do aforamento, pertencendo o domínio direto à Fábrica Matriz do São Sebastião do Ribeirão Preto.
Contudo, é sabido que, para a fusão de matrículas fazse necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: (a) unidade geodésico-jurídica e contiguidade dos imóveis (LRP, art. 234, verbis “imóveis contíguos”; LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros públicos: Teoria e Prática. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013, p. 357); (b) identidade de proprietários (LRP, art. 234, verbis “pertencentes ao mesmo proprietário”; LOUREIRO, op. cit. p. 288 e 357); e (c) impossibilidade de que a fusão redunde em confusão no registro de imóveis (CARVALHO, Afrânio de. Registro de imóveis: comentários ao sistema de registro em face da Lei nº 6.015, de 1973, com as alterações da Lei nº 6.216, de 1975. Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 147).
A propósito, preceituam os arts. 234 e 235 da Lei n° 6.015/73:
“Art. 234 – Quando dois ou mais imóveis contíguos pertencentes ao mesmo proprietário, constarem de matrículas autônomas, pode ele requerer a fusão destas em uma só, de novo número, encerrando-se as primitivas.
Art. 235 – Podem, ainda, ser unificados, com abertura de matrícula única:
I – dois ou mais imóveis constantes de transcrições anteriores a esta Lei, à margem das quais será averbada a abertura da matrícula que os unificar;
(…)“
Destarte, sendo impossível a unificação de transcrições pertencentes a proprietários distintos, correta a negativa de registro da escritura pública de inventário e partilha dos bens dos espólios de Leila Mabtum e João José Mabtum formulada pelo Oficial, na medida em que os imóveis descritos na partilha não correspondem ao que consta das transcrições. Há que existir, de fato, perfeito encadeamento entre as informações inscritas e as que se pretendem inscrever, o que não ocorre no caso em tela.
Ressalte-se, por fim, que a despeito da alegada unificação de fato das áreas, esta não é a realidade constante dos assentos da serventia extrajudicial. E sem compatibilidade entre o que consta da escritura pública de inventário e partilha e o que existe no registro imobiliário, é vedado o ingresso do título no fólio real sob pena de ofensa ao princípio da especialidade objetiva.
Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
(DJe de 15.08.2024 – SP)