CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida inversa – Formal de partilha – ITCMD – Exigência pelo aditamento do título para constar os quinhões atribuídos a cada herdeiro – Informação necessária à fiscalização do pagamento de impostos – Incidência tributária que, no caso concreto, pode ser verificada das informações completas prestadas à fazenda do estado – Dever legal do registrador que se limita à fiscalização do efetivo recolhimento do tributo e da razoabilidade da base de cálculo utilizada – Articipação da fazenda pública na ação de inventário que permite ampla ciência para adoção de eventuais providências – Recurso provido para afastar as exigências e autorizar o registro.

 

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1002982-09.2022.8.26.0063, da Comarca de Barra Bonita, em que é apelante DENISE LOURENÇO CARDOSO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE BARRA BONITA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Receberam o recurso interposto como apelação e deram provimento a ela para julgar improcedente a dúvida, determinando o registro do formal de partilha extraído do processo de autos nº 1001426-40.2020.8.26.0063, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 15 de agosto de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1002982-09.2022.8.26.0063

Apelante: Denise Lourenço Cardoso

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Barra Bonita

VOTO Nº 43.505 

Registro de imóveis – Dúvida inversa – Formal de partilha – ITCMD – Exigência pelo aditamento do título para constar os quinhões atribuídos a cada herdeiro – Informação necessária à fiscalização do pagamento de impostos – Incidência tributária que, no caso concreto, pode ser verificada das informações completas prestadas à fazenda do estado – Dever legal do registrador que se limita à fiscalização do efetivo recolhimento do tributo e da razoabilidade da base de cálculo utilizada – Articipação da fazenda pública na ação de inventário que permite ampla ciência para adoção de eventuais providências – Recurso provido para afastar as exigências e autorizar o registro.

Trata-se de recurso administrativo interposto por Denise Lourenço Cardoso contra a r. sentença de fls. 259/262, proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Barra Bonita, que manteve as exigências formuladas para registro de formal de partilha extraído do processo de autos n.1001426-40.2020.8.26.0063 (prenotação n. 94.398).

A parte recorrente relata que apresentou para registro formal de partilha extraído do inventário judicial dos bens deixados por seu genitor, Bento Cardoso; que, embora o título tenha sido aceito para a transmissão de imóveis localizados em outras Comarcas, o Oficial de Registro de Imóveis de Barra Bonita recusou-se a promover o registro, exigindo fotocópia autenticada da certidão de óbito do autor da herança, bem como aditamento do formal para fazer constar os quinhões atribuídos e o valor recebido por cada herdeiro, tudo no escopo de fiscalizar o recolhimento dos tributos devidos; que tais exigências foram consideradas legítimas pela Corregedoria Permanente.

Alega que o formal de partilha contém todas as peças necessárias para o registro; que a sentença foi contraditória ao julgar improcedente a dúvida, já que manteve as exigências formuladas; que os óbices importam revisão da decisão judicial que homologou a partilha, o que não pode se dar na via administrativa; que o imposto estadual foi recolhido, como consta do título; que não é permitida alteração da partilha estabelecida pelas partes no inventário judicial; que o formal de partilha contém a relação de bens, a partilha decidida pelas partes, o recolhimento do ITCMD e sua complementação na forma de “doação judicial”; que os herdeiros filhos se conciliaram com a companheira do autor da herança e deliberaram não entrar no mérito da situação conjugal, partilhando os bens da forma que entenderam mais conveniente; que a Fazenda Estadual participou de todos os atos processuais; que o juízo do inventário homologou a partilha à vista do recolhimento dos tributos devidos; que as Fazendas forneceram certidões indicando a inexistência de débitos, as quais integram o título; que eventual diferença do tributo recolhido deve ser discutida na via adequada, sem que isso signifique obstáculo ao ato registral; que o Oficial não pode rever o valor dos bens partilhados ou dos honorários advocatícios, pois a via administrativa não comporta exame dos aspectos substanciais do título nem dilação probatória; que, em relação à certidão de óbito autenticada, a providência é desnecessária por já constar do formal de partilha, mas será cumprida oportunamente, com recolhimento de custas e emolumentos (fls. 280/299).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo provimento do recurso (fls. 323/326).

É o relatório.

De início vale anotar que, embora a dúvida inversamente suscitada pela parte tenha sido julgada improcedente, o comando judicial foi pela manutenção dos óbices. Como a pretensão é por ato de registro em sentido estrito, o recurso apresentado deve ser recebido como apelação, nos termos do artigo 202 da Lei n. 6.015/73.

Vale destacar, ainda, que os títulos judiciais não estão isentos de qualificação para ingresso no fólio real, tal como dispõe o item 117 do Capítulo XX do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça:

117. Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”. Justamente por isso, este E. Conselho Superior da Magistratura já decidiu que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial:

De início, saliente-se que a origem judicial do título não impede a sua qualificação nem implica desobediência, como está no item 117 do Capítulo XX do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça e, no mais, é lição corrente deste Conselho Superior da Magistratura (mencione-se, por brevidade, o decidido na Apelação Cível n.º 0003968-52.2014.8.26.0453, j. 25.2.2016). Observe-se, ademais, que in casu se trata, verdadeiramente, de título judicial (passível, portanto, de qualificação), e não de ordem judicial (hipótese em que cumprimento seria coativo e independeria do exame de legalidade próprio da atividade registral” (CSM/SP – Apelação nº 1018352-48.2021.8.26.0100, Rel. Des. Ricardo Anafe, j. Em 14/12/2021).

No mesmo sentido:

“REGISTRO PÚBLICO. ATUAÇÃO DO TITULAR. CARTA DE ADJUDICAÇÃO. DÚVIDA LEVANTADA. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. IMPROPRIEDADE MANIFESTA. O cumprimento do dever imposto pela Lei de Registros Públicos, cogitando-se de deficiência de carta de adjudicação e levantando-se dúvida perante o juízo de direito da vara competente, longe fica de configurar ato passível de enquadramento no artigo 330 do Código Penal – crime de desobediência – pouco importando o acolhimento, sob o ângulo judicial, do que suscitado” (STF, HC 85911 / MG – MINAS GERAIS, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, j. 25/10/2005, Primeira Turma).

Sendo assim, não há dúvidas de que a origem judicial não basta para garantir ingresso automático dos títulos no fólio real, cabendo ao oficial qualificá-los conforme os princípios e as regras que regem a atividade registral.

Nota-se, outrossim, que, por ocasião da suscitação da dúvida inversa, em novembro de 2022, já haviam cessado os efeitos da prenotação inicial, de n. 13.660, datada de 30 de setembro de 2022 (fl.11), pelo decurso do prazo legal previsto no artigo 205 da LRP.

Tendo expirado o prazo de validade e diante da informação de suscitação de dúvida diretamente pelo interessado (dúvida inversa), incumbiria ao Oficial, independentemente de determinação da Corregedoria Permanente, intimar a parte para apresentação do título original, na forma do previsto pelo item 39.2, II, do Capítulo XX, das NSCGJ.

Correta, portanto, a observação do Ministério Público de fls. 211 e 218: o novo protocolo, de n. 94.398 (fl.226), ainda que feito após provocação (fl. 220), é fundamental para a viabilidade do julgamento.

A necessidade de prévio protocolo do título, ainda que por força de dúvida inversa, decorre de interpretação lógica da Lei nº 6.015/73, que, em seu artigo 182, determina que todos os títulos tomarão no protocolo o número de ordem correspondente à sequência de apresentação, em seu artigo 198, §1º, I, dispõe sobre anotação da dúvida no Livro nº 1 Protocolo, para conhecimento da prorrogação do prazo da prenotação, e, em seu artigo 203, prevê os efeitos do julgamento da dúvida em relação ao registro e, em consequência, ao resultado da qualificação realizada depois da respectiva prenotação do título.

Diante disso, não se admite dúvida para análise do resultado de título cuja prenotação e, consequentemente, a prioridade estejam extintas.

A ausência de protocolo válido prejudica o seu exame, pois, ainda que com julgamento improcedente, o título não terá a prioridade garantida por lei e precisará ser reapresentado, ressaltando-se que a apresentação da dúvida inversa não tem força para suspender os efeitos da prenotação, conforme orientação firmada pela Corregedoria Geral da Justiça no julgamento da Apelação n.0013913-10.2013.8.26.0482, transcrita parcialmente à fl.244.

No mérito, em que pese a cautela do Registrador e da Corregedora Permanente, o recurso merece provimento.

De acordo com a nota de exigência copiada à fl.11, o formal de partilha foi apresentado inicialmente para exame e cálculo, com devolução para produção de fotocópia autenticada da certidão de óbito de Bento Cardoso e para aditamento (a fim de constar a equivalência de valores entre os quinhões atribuídos a cada herdeiro, atentando-se para os imóveis adquiridos pelo de cujus na constância da união estável), ao lado de comprovantes de recolhimento dos tributos devidos para a fiscalização que a lei impõe ao Registrador.

Com a reapresentação do título, o Oficial manteve a qualificação, ratificando as exigências anteriores (fls.229/231).

Sabe-se que o Oficial de Registro de Imóveis tem o dever de rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos títulos apresentados em razão do ofício (artigo 289 da Lei nº 6.015/1973), sob pena de responsabilização solidária no pagamento do tributo (artigo 134, inciso VI, do Código Tributário Nacional).

Apresentado título hábil à transferência de direito real imobiliário e realizada sua prenotação, cabe ao Oficial exigir a comprovação do pagamento do tributo incidente.

No caso concreto, é possível verificar o recolhimento dos tributos devidos, mas a forma como a partilha foi homologada dificulta sobremaneira a fiscalização.

Nas primeiras declarações, copiadas às fls.20/24, a inventariante apresentou o autor da herança, os sucessores (três filhos e a companheira do falecido) e a relação dos bens que compunham a herança.

Entretanto, chama a atenção o fato de se terem arrolado seis imóveis aos quais foi atribuído o valor simbólico de dez mil reais cada.

Como bem anotado na decisão inicial do processo de inventário (fl.18), a avaliação dos imóveis deveria observar o seu valor venal, mas essa informação foi ignorada nas declarações prestadas pela inventariante, embora conhecida (fls.62/65).

Na sequência, houve aditamento apenas para inclusão de um título de capitalização e de mais um imóvel, o qual foi avaliado de acordo com o valor venal da época do último registro (exercício fiscal de 2021, fls.74/76 e 86).

Ao final, apresentou-se plano de partilha cômoda, com indicação apenas dos bens que seriam atribuídos a cada herdeiro e manutenção dos valores simbólicos inicialmente indicados aos imóveis, mas sem apontamento claro do quinhão de cada herdeiro (fls. 91/94).

Note-se que nada impede as partes de atribuir valor certo e determinado aos bens que comporão a meação e os quinhões de cada um dos herdeiros, o que nem sempre guardará correspondência com o valor venal ou de referencia dos imóveis.

Claro que caberá à Fazenda Pública discordar dos valores dos bens atribuídos pelos herdeiros, quer para fins de correto cálculo do ITCMD, quer para exigir a exigência de tributo por eventual torna ou doação.

Os sucessores convencionaram, ainda, que “paga a parte de cada um na forma partilhada, o saldo dos valores em depósito e/ou em aplicações financeiras será destinado ao pagamento do ITCMD da Fazenda Estadual, das custas processuais e honorários do advogado comum às partes; eventual saldo remanescente será rateado na proporção de 25% para cada um deles” (item IV, fl.93).

A partilha foi homologada nesses termos (fls.114/116). Evidente que, para a devida fiscalização da incidência tributária, conhecimento sobre o tamanho exato do monte mor e da parte herdada por cada sucessor é fundamental, o que não se confunde com a distribuição dos bens para pagamento de cada quinhão.

Pela forma como apresentada a partilha, sem informação de meação, conclui-se que todos os bens da herança eram particulares, de modo que a companheira sucedeu em concorrência com os filhos (artigo 1829, I, do Código Civil).

Assim, se cada um dos quatro sucessores herdou um quarto da herança deixada, a partilha pela distribuição cômoda de bens que eventualmente ultrapasse o quinhão devido a um deles pode ensejar a incidência de um novo tributo.

Pela sucessão hereditária, legítima ou testamentária, é devido o imposto causa mortis, cuja base de cálculo é o valor venal do bem ou direito transmitido conforme o valor de mercado na época da sucessão (artigos 2º, I e 9º, §1º, da Lei n.10.705/00).

Porém, se um herdeiro recebe em pagamento da sua herança bens que ultrapassam o valor do seu quinhão, ocorre a incidência de novo tributo.

Havendo compensação onerosa, a transmissão da parcela que ultrapasse o quinhão devido ao herdeiro caracterizará fato gerador do ITBI; se não houver compensação financeira, mas simples concordância dos demais sucessores em beneficiar determinado herdeiro com bem que ultrapasse o valor da herança legítima, a transmissão dessa parcela que ultrapassa o quinhão devido caracteriza doação, sujeita ao ITCMD (artigo 2º, II, da Lei n.10.705/00).

E, na espécie, não há controvérsia quanto à partilha desigual.

Foi nesse sentido que o Oficial exigiu o aditamento do título, não para interferir na partilha definida pelas partes ou no julgamento realizado pelo juízo natural da causa, mas apenas para complemento das informações necessárias à fiscalização tributária.

Considerando, ainda, que as partes convencionaram o pagamento dos tributos, das custas e dos honorários advocatícios com saldo remanescente da partilha proposta, exigiu esclarecimento complementar para apurar corretamente o valor tributável da herança.

Por sua vez, as certidões negativas de débitos fornecidas pela inventariante, fls.70/73 e 87/89, se referem a outros tributos, sem relação com a sucessão, a qual ainda não havia sido homologada.

Ocorre que, na espécie, constam do formal de partilha as informações prestadas à Fazenda Estadual em relação à sucessão de Bento Cardoso.

A declaração fiscal abrange todos os bens lançados na partilha homologada em juízo, mas avaliados de acordo com o respectivo valor venal, totalizando base de cálculo de R$ 1.468.144,61 (fls. 125/143).

Mesmo que se tenha declarado ao fisco uma sucessão perfeitamente igualitária (25% de cada bem para cada um dos quatro sucessores), em desacordo com a partilha homologada, verifica-se que também foram informadas à Fazenda Estadual duas doações por excesso de partilha, por documentos que integram o título, cujos lançamentos foram homologados, ao lado de recolhimento de todos os tributos (fls.97/105, 113 e 144/152).

Assim, diante da demonstração de plena e detalhada ciência pela Fazenda do Estado acerca das hipóteses de incidência tributária ocorridas na partilha definida pelas partes, com expressa manifestação de concordância nos autos (fls.117 e 132), não há providência complementar a ser exigida pelo Registrador, cujo dever legal se limita à fiscalização do efetivo recolhimento de tributos devidos e da razoabilidade da base de cálculo utilizada. Nesse sentido é a orientação deste Conselho Superior da Magistratura firmada no julgamento das Apelações n. 0001065-55.2016.8.26.0459 e n. 1014553-84.2022.8.26.0577.

Caso a Fazenda Pública observe irregularidade nos lançamentos, poderá, por meios próprios, providenciar o necessário, sem que isto signifique obstáculo ao ingresso do título no fólio real.

Como não há qualquer notícia de compensação onerosa pelo patrimônio partilhado, apenas distribuição dos bens que pertenciam ao autor da herança, também é possível concluir pela não incidência de ITBI.

Há que se afastar, ainda, a exigência pela apresentação de fotocópia autenticada da certidão de óbito de Bento, uma vez que ela já integra o título judicial (fl.15).

Por fim, cabe destacar que o valor da base de cálculo a ser considerado para fins de enquadramento na tabela de emolumentos deverá observar o previsto no artigo 7º da Lei n. 11.331/02.

Ante o exposto, pelo meu voto, recebo o recurso interposto como apelação e dou provimento a ela para julgar improcedente a dúvida, determinando o registro do formal de partilha extraído do processo de autos n.1001426-40.2020.8.26.0063.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 23.08.2024 – SP)