CSM|SP: Registro de imóveis – Usucapião – Mandado judicial – Princípio da especialidade objetiva respeitado – Imóvel usucapiendo devidamente descrito no laudo pericial elaborado nos autos da ação judicial – Título instruído com planta e memorial descritivo que permitem a perfeita individualização e identificação do imóvel usucapiendo, assim como sua exata localização – Divergência entre a área descrita na matrícula e a área usucapida – Irrelevância – Óbice que merece ser afastado, cabendo ao registrador identificar as matrículas dos imóveis atingidos e averbar os respectivos desfalques – Apelação provida, com determinação.

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1003625-71.2023.8.26.0405, da Comarca de Osasco, em que são apelantes IRINEU DE SOUZA LIMA e RODINALVA AMORIM LIMA, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTROS DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE OSASCO.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação interposta, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 15 de agosto de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1003625-71.2023.8.26.0405

Apelantes: Irineu de Souza Lima e Rodinalva Amorim Lima

Apelado: 1º Oficial de Registros de Imóveis e Anexos da Comarca de Osasco

VOTO Nº 43.517

Registro de imóveis – Usucapião – Mandado judicial – Princípio da especialidade objetiva respeitado – Imóvel usucapiendo devidamente descrito no laudo pericial elaborado nos autos da ação judicial – Título instruído com planta e memorial descritivo que permitem a perfeita individualização e identificação do imóvel usucapiendo, assim como sua exata localização – Divergência entre a área descrita na matrícula e a área usucapida – Irrelevância – Óbice que merece ser afastado, cabendo ao registrador identificar as matrículas dos imóveis atingidos e averbar os respectivos desfalques – Apelação provida, com determinação.

Trata-se de apelação interposta por Irineu de Souza Lima Rodinalva Amorim Lima contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Osasco/SP, que manteve a recusa de registro de mandado de usucapião expedido nos autos do Processo nº 1021838-09.2015.8.26.0405, que tramitou perante a 8ª Vara Cível daquela Comarca, tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 63.143 junto à referida serventia extrajudicial (fls. 86/87).

Em síntese, os apelantes sustentam ser possível o registro do título, pois todos os interessados foram devidamente intimados no curso da ação de usucapião, especialmente a Prefeitura de Osasco, que expressamente afirmou não ter interesse no feito. Afirmam que os limites da área usucapida foram definidos por meio de prova pericial, estando o imóvel devidamente delimitado por muros e construções existentes no local, sem invasão dos imóveis vizinhos.

Alegam não haver prejuízo urbanístico ao loteamento, eis que a usucapião deferida visa regularizar uma situação fática já consolidada.

Aduzem, ademais, que a usucapião constitui modo originário de aquisição da propriedade, afirmando que o registro pode ser utilizado para sanar vícios na descrição do imóvel trazida na matrícula (fls. 90/97). Manifestação do Oficial a fls. 99/104. Em atenção ao despacho a fls. 117, a parte apelante providenciou a regularização de sua representação processual (fls. 120).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo provimento do recurso (fls. 126/130).

É o relatório.

O mandado judicial oriundo dos autos da ação de usucapião que tramitou perante a 8ª Vara Cível da Comarca de Osasco (Processo nº 1021838-09.2015.8.26.0405), tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 63.143 junto ao 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Osasco/SP, foi qualificado negativamente pelo registrador, que, reiterando anterior exigência, expediu nota de devolução nos seguintes termos (fls. 52):

A área total do imóvel objeto de usucapião mencionada na petição inicial, memorial descritivo e planta se encontra divergente da constante no preâmbulo da Matrícula nº 63.143. Obs.: A área objeto da usucapião é superior a área disponível na matrícula, situação que merece esclarecimento. Em levantamento realizado, com base em planta aprovada pela prefeitura local e devidamente arquivada nesta serventia, é possível notar que a área usucapida invade área pública, (art. 191, § único da Constituição Federal de 1988; artigo 102 da Lei 10.406/2022 e item 117, do Capítulo XX das Normas Extrajudiciais da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo/SP)“.

Importa lembrar que a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registral, ainda que limitada a seus requisitos formais e sua adequação aos princípios registrais, conforme o disposto no item 117, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça:

Item 117. Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais.”

Este C. Conselho Superior da Magistratura tem decidido, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível nº 413-6/7; Apelação Cível nº 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação Cível nº 0005176-34.2019.8.26.0344; e Apelação Cível nº 1001015-36.2019.8.26.0223).

Para Afrânio de Carvalho, “o princípio da especialidade do imóvel significa a sua descrição como corpo certo, a sua representação escrita como individualidade autônoma, com o seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e, portanto, heterogêneo em relação a qualquer outro” (Registro de Imóveis: comentários ao sistema de registro em face da Lei 6.015/73, 2ª ed., Rio de Janeiro, 1977, p. 219).

Por isso, o imóvel deve estar perfeitamente descrito no título objeto de registro de modo a permitir sua exata localização e individualização, não se confundindo com nenhum outro.

Por outro lado, como fixei em sede doutrinária, é sabido que a “usucapião é modo originário de aquisição da propriedade, pois não há relação pessoal entre um precedente e um subsequente sujeito de direito. O direito do usucapiente não se funda sobre o direito do titular precedente, não constituindo este direito o pressuposto daquele, muito menos lhe determinando a existência, as qualidades e a extensão. São efeitos do fato da aquisição ser a título originário: não haver necessidade de recolhimento do imposto de transmissão quando do registro da sentença, (…); os direitos reais limitados e eventuais defeitos que gravam ou viciam a propriedade não se transmitirem ao usucapiente; (…) sanar os vícios de propriedade defeituosa adquirida a título derivado” (Peluso, Cezar (Coord); Código Civil Comentado, Ed. Manole, 2010, p. 1.212). A lição de Narciso Orlandi Neto sobre a força peculiar da aquisição originária nos lembra que: “(…) Da mesma forma, quando a matrícula é aberta para o registro de usucapião; na matrícula que existia para o imóvel, o registrador deve averbar a perda da propriedade.

Observe-se que nas hipóteses aqui formuladas, não há transmissão da propriedade (…). São casos de aquisição originária e de perda da propriedade por ato alheio à vontade do titular” (Retificação do Registro de Imóveis, Ed. Oliveira Mendes, São Paulo, 1997, pp. 235/236).

No presente caso, houve declaração de domínio em favor dos usucapientes, ora apelantes, por sentença judicial, em que reconhecido o preenchimento dos requisitos legais da usucapião na modalidade eleita (fls. 14/16).

E a despeito do fato de não haver coincidência entre a área do imóvel matriculado sob nº 63.143 junto ao 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Osasco/SP e a área usucapida, o fato é que o imóvel usucapiendo foi devidamente descrito no laudo pericial elaborado nos autos do Processo nº 1021838-09.2015.8.26.0405 da 8ª Vara Cível daquela Comarca.

Em outras palavras, o título, instruído com planta e memorial descritivo, permite a perfeita individualização e identificação da área objeto da usucapião, assim como sua exata localização.

Acrescente-se, por oportuno, que todos os confrontantes foram devidamente citados (fls. 18/19) e a Municipalidade de Osasco manifestou expresso desinteresse no feito (fls. 17), de maneira que não há que se falar em invasão de área pública ante sua inequívoca concordância com o pedido inicial.

Logo, o óbice apresentado não merece subsistir, cabendo ao registrador promover o registro e identificar as matrículas dos imóveis atingidos, averbando os respectivos desfalques.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação interposta.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 23.08.2024 – SP)