CSM|SP: Registro de imóveis – Negativa de Registro de Instrumento Particular de Compra e Venda com alienação fiduciária – Falta de impugnação a exigências formuladas – Dúvida prejudicada – Recurso não conhecido – Análise das exigências a fim de orientar futura prenotação – Exame formal da legalidade das cláusulas contratuais de acordo com a lei vigente ao tempo da prenotação – Princípio tempus regit actum – Incidência de ITBI em razão do negócio de compra e venda – Certidão Negativa de Débito descabida – Item 117.1, Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça – Precedentes deste Conselho Superior da Magistratura e do Conselho Nacional de Justiça – Necessidade de apresentação de certidão de valor venal – Desnecessidade de apresentação de Certidão Negativa de Débitos municipais, de procuração outorgada ao representante da credora fiduciária e de nova via do contrato.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001128-33.2024.8.26.0637, da Comarca de Tupã, em que é apelante ANTÚRIOS 007 EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE TUPÃ.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram por prejudicada a dúvida e não conheceram do recurso, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 22 de agosto de 2024.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1001128-33.2024.8.26.0637
APELANTE: Antúrios 007 Empreendimentos Imobiliários Ltda
APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Tupã
VOTO Nº 43.528
Registro de imóveis – Negativa de Registro de Instrumento Particular de Compra e Venda com alienação fiduciária – Falta de impugnação a exigências formuladas – Dúvida prejudicada – Recurso não conhecido – Análise das exigências a fim de orientar futura prenotação – Exame formal da legalidade das cláusulas contratuais de acordo com a lei vigente ao tempo da prenotação – Princípio tempus regit actum – Incidência de ITBI em razão do negócio de compra e venda – Certidão Negativa de Débito descabida – Item 117.1, Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça – Precedentes deste Conselho Superior da Magistratura e do Conselho Nacional de Justiça – Necessidade de apresentação de certidão de valor venal – Desnecessidade de apresentação de Certidão Negativa de Débitos municipais, de procuração outorgada ao representante da credora fiduciária e de nova via do contrato.
Trata-se de recurso de apelação interposto por Antúrios 007 Empreendimentos Imobiliários LTDA contra a r. sentença de fls. 116/119, proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Tupã/SP, que manteve a recusa em se proceder ao registro de instrumento particular de compra e venda com alienação fiduciária na matrícula n. 55.732 daquela serventia (prenotação n. 280.478 fls. 40/43).
Fê-lo a r. sentença sob o argumento de que, em atenção ao princípio tempus regit actum, o título sujeita-se à lei vigente ao tempo de sua apresentação a registro, não importando o momento de sua lavratura; que, diante das substanciais alterações ocorridas na Lei n. 9.514/1997, notadamente quanto aos requisitos e procedimentos relativos à consolidação da propriedade fiduciária, a exigência de adequação do instrumento particular deve ser mantida; que não cabe interpretação extensiva para fins de subsunção das disposições contratuais às alterações legislativas, já que não é possível aplicar ao presente caso a sistemática interpretativa restrita ao direito contratual; que o ITBI incide no negócio jurídico principal, que é a compra e venda, e não na alienação fiduciária em garantia, de natureza acessória (fls. 116/119).
A parte apelante sustenta, em síntese, que o contrato cumpre os requisitos dos artigos 26, 4º, 26-A, §§ 2º, 3º, 4º e 5º, e 27, §§ 2º, 2º-A, 4º e 5º, da Lei n. 9.514/1997; que referidos artigos estão reproduzidos nas cláusulas 7.4, 7.5, 8.3, itens “a”, “b” e “c”, 8.1.3, 7.2.1 e 8.1.4, 5.8 e 5.9, mas com palavras diferentes; que, em caso de omissão do contrato, será observada a legislação, nos termos do item J.1 do quadro resumo e da cláusula 4.1; que há clara explicação a respeito dos trâmites de eventual leilão extrajudicial e que o devedor fiduciante está ciente de todo o procedimento; que o contrato não possui cláusulas contrárias às disposições da Lei n. 9.514/1997; que a sentença não indicou quais requisitos da lei não constam no contrato; que a Lei n. 14.620/2023 entrou em vigor em outubro de 2023, enquanto o instrumento particular foi assinado em 2020, o que torna inválida a exigência de sua adequação; que, de acordo com o princípio da irretroatividade, as leis não retroagem para atingir situações jurídicas já consolidadas; que o contrato datado de 2020 está sujeito às normas vigentes à época de sua celebração; que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já se pronunciou sobre o tema no Agravo de Instrumento n. 2027611-88.2023.8.26.0000 (fls. 123/133).
A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 150/153).
É o relatório.
De início, vale ressaltar que o Oficial titular ou interino dispõe de autonomia no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.
Esta conclusão se reforça pelo disposto no item 117, do Capítulo XX, das Normas de Serviço:
“Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.
Por segundo, vê-se que os documentos produzidos indicam que o instrumento particular de compra e venda com alienação fiduciária apresentado pela parte interessada foi devolvido pelo Oficial com diversas exigências, dentre elas a necessidade de inclusão dos requisitos do artigo 27 e seus parágrafos da Lei n. 9.514/1997 no contrato, sem qualquer menção à Lei n. 14.711/2023, que ainda não havia entrado em vigor (prenotação n. 279.022, de 27/10/2023 fls. 83/85).
Embora a parte tenha apresentado requerimento de suscitação de dúvida perante o Oficial, não havia prenotação válida em virtude do decurso do prazo de vinte dias úteis previsto no artigo 205 da Lei n. 6.015/1973, que venceu em 29/11/2023 (27/12/2023 fls. 86/94).
Assim, o título foi reapresentado em 08/01/2024, com nova prenotação sob n. 280.478 e acréscimo de exigências com fundamento na Lei n. 14.711/2023, que entrou em vigor em 30/10/2023, conforme prevê seu artigo 19, inciso II (fls. 40/43, 95/98 e 107/108):
“Art. 19. Esta Lei entra em vigor:
I – (VETADO);
II – na data de sua publicação, quanto aos demais dispositivos.
Brasília, 30 de outubro de 2023; (…)”.
Todavia, na impugnação, a parte apelante insurgiu-se apenas contra a necessidade de adequação do contrato às alterações promovidas pela Lei n. 14.711/2023 na Lei n. 9.514/1997 e de recolhimento de ITBI (itens 1 e 2 fls. 40/43 e 52/62). Por sua vez, no pedido de suscitação de dúvida e no recurso, a insurgência se deu apenas contra a primeira exigência (fls. 07/09 e 123/133).
A insurgência parcial quanto às exigências do Oficial prejudica a dúvida, procedimento que só admite duas soluções: I) a determinação do registro do título protocolado e prenotado, que é analisado, em reexame da qualificação, tal como se encontrava no momento em que surgido o dissenso entre o apresentante e o Oficial de Registro de Imóveis; ou II) a manutenção da recusa formulada.
A jurisprudência deste Conselho Superior é tranquila no sentido de que a concordância, ainda que tácita, com qualquer das exigências feitas pelo Registrador ou o atendimento delas no curso da dúvida ou do recurso contra a decisão nela proferida prejudica-a:
“A dúvida registrária não se presta para o exame parcial das exigências formuladas e não comporta o atendimento de exigência depois de sua suscitação, pois a qualificação do título é feita, integralmente, no momento em que é apresentado para registro. Admitir o atendimento de exigência no curso do procedimento da dúvida teria como efeito a indevida prorrogação do prazo de validade da prenotação e, em consequência, impossibilitaria o registro de eventuais outros títulos representativos de direitos reais contraditórios que forem apresentados no mesmo período. Em razão disso, a aquiescência do apelante com uma das exigências formuladas prejudica a apreciação das demais matérias que se tornaram controvertidas. Neste sentido decidiu este Colendo Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível n.º 60.460.0/8, da Comarca de Santos, em que foi relator o Desembargador Sérgio Augusto Nigro Conceição, e na Apelação Cível n.º 81.685-0/8, da Comarca de Batatais, em que foi relator o Desembargador Luís de Macedo” (CSM, Apelação Cível n.º 220.6/6-00).
Desse modo, prejudicada a dúvida, o recurso não pode ser conhecido, o que não impede, entretanto, o exame das exigências a fim de orientar futura prenotação.
No mérito, a parte recorrente pretende o registro de instrumento particular de compra e venda com pacto adjeto de alienação fiduciária, que foi firmado entre a vendedora e a credora fiduciária, Antúrios 007 Empreendimentos Imobiliários LTDA, e o comprador e devedor fiduciante, Moacir Paternez Junior (fls. 10/28).
Como visto, como a parte interessada deixou o prazo da prenotação n. 279.022 vencer e nova se fez necessária em 2024, sob n. 280.478, a análise do caso se fará de acordo com a lei vigente ao tempo desta segunda apresentação do título ao Registro de Imóveis (princípio tempus regit actum).
A recusa do Oficial se deu sob o argumento de que o contrato deve mencionar expressamente os procedimentos previstos nos artigos 26, § 4º, 26-A, §§ 2º, 3º, 4º e 5º, e 27, §§ 2º, 2º-A, 4º e 5º, da Lei n. 9.514/1997, os quais foram alterados e incluídos pela Lei n. 14.711/2023:
“Art. 26. Vencida e não paga a dívida, no todo ou em parte, e constituídos em mora o devedor e, se for o caso, o terceiro fiduciante, será consolidada, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário. (…)
§ 4º Quando o devedor ou, se for o caso, o terceiro fiduciante, o cessionário, o representante legal ou o procurador regularmente constituído encontrar-se em local ignorado, incerto ou inacessível, o fato será certificado pelo serventuário encarregado da diligência e informado ao oficial de registro de imóveis, que, à vista da certidão, promoverá a intimação por edital publicado pelo período mínimo de 3 (três) dias em jornal de maior circulação local ou em jornal de comarca de fácil acesso, se o local não dispuser de imprensa diária, contado o prazo para purgação da mora da data da última publicação do edital. (…)
Art. 26-A. Os procedimentos de cobrança, purgação de mora, consolidação da propriedade fiduciária e leilão decorrentes de financiamentos para aquisição ou construção de imóvel residencial do devedor, exceto as operações do sistema de consórcio de que trata a Lei nº 11.795, de 8 de outubro de 2008, estão sujeitos às normas especiais estabelecidas neste artigo. (…)
§ 2º Até a data da averbação da consolidação da propriedade fiduciária, é assegurado ao devedor e, se for o caso, ao terceiro fiduciante pagar as parcelas da dívida vencidas e as despesas de que trata o inciso II do § 3º do art. 27 desta Lei, hipótese em que convalescerá o contrato de alienação fiduciária.
§ 3º No segundo leilão, será aceito o maior lance oferecido desde que seja igual ou superior ao valor integral da dívida garantida pela alienação fiduciária mais antiga vigente sobre o bem, das despesas, inclusive emolumentos cartorários, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais.
§ 4º Se no segundo leilão não houver lance que atenda ao referencial mínimo para arrematação estabelecido no § 3º deste artigo, a dívida será considerada extinta, com recíproca quitação, hipótese em que o credor ficará investido da livre disponibilidade.
§ 5º A extinção da dívida no excedente ao referencial mínimo para arrematação configura condição resolutiva inerente à dívida e, por isso, estende-se às hipóteses em que o credor tenha preferido o uso da via judicial para executar a dívida.
Art. 27. Consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário promoverá leilão público para a alienação do imóvel, no prazo de 60 (sessenta) dias, contado da data do registro de que trata o § 7º do art. 26 desta Lei. (…)
§ 2º No segundo leilão, será aceito o maior lance oferecido, desde que seja igual ou superior ao valor integral da dívida garantida pela alienação fiduciária, das despesas, inclusive emolumentos cartorários, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais, podendo, caso não haja lance que alcance referido valor, ser aceito pelo credor fiduciário, a seu exclusivo critério, lance que corresponda a, pelo menos, metade do valor de avaliação do bem.
§ 2º-A Para fins do disposto nos §§ 1º e 2º deste artigo, as datas, os horários e os locais dos leilões serão comunicados ao devedor e, se for o caso, ao terceiro fiduciante, por meio de correspondência dirigida aos endereços constantes do contrato, inclusive ao endereço eletrônico. (…)
§ 4º Nos 5 (cinco) dias que se seguirem à venda do imóvel no leilão, o credor entregará ao fiduciante a importância que sobejar, nela compreendido o valor da indenização de benfeitorias, depois de deduzidos os valores da dívida, das despesas e dos encargos de que trata o § 3º deste artigo, o que importará em recíproca quitação, hipótese em que não se aplica o disposto na parte final do art. 516 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).
§ 5º Se no segundo leilão não houver lance que atenda ao referencial mínimo para arrematação estabelecido no § 2º, o fiduciário ficará investido na livre disponibilidade do imóvel e exonerado da obrigação de que trata o § 4º deste artigo”.
Por sua vez, o artigo 24, inciso VII, da Lei n. 9.514/1997, com redação dada pela Lei n. 14.711/2023, determina que o contrato deve conter cláusula que disponha sobre o procedimento de execução extrajudicial, notadamente sobre purgação da mora, consolidação da propriedade e leilão público:
“Art. 24. O contrato que serve de título ao negócio fiduciário conterá: (…)
VII – a cláusula que disponha sobre os procedimentos de que tratam os arts. 26-A, 27 e 27-A desta Lei”.
Importante observar que, no caso concreto, o princípio tempus regit actum incide sob duas perspectivas distintas.
Do ponto de vista material (intersubjetivo), não cabe ao Oficial Registrador avaliar a validade das cláusulas estabelecidas pelos contratantes quando, à luz da legislação então vigente, firmaram o negócio jurídico.
No entanto, sob o aspecto formal, a qualificação realizada pelo Registrador visa verificar se o acesso de determinado título ao fólio real pode ser promovido em conformidade com os princípios e as normas aplicáveis na data em que admitido seu ingresso, pois como esclarece Afrânio de Carvalho:
“A apresentação do título e a sua prenotação no protocolo marcam o início do processo do registro, que prossegue com o exame de sua legalidade, que incumbe ao registrador empreender para verificar se pode ou não ser inscrito. A inscrição não é, portanto, automática, mas seletiva, porque depende da verificação prévia de estar o título em ordem. Além de a qualificação do título constituir um dever de ofício, o registrador tem interesse em efetuá-la com cuidado, porquanto, se lançar uma inscrição ilegal, fica sujeito à responsabilidade civil” (Registro de Imóveis, 4ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 276).
Logo, não importa o momento da realização do negócio jurídico, pois é na data da sua apresentação ao registro que será analisado, justamente em atenção ao princípio tempus regit actum (sujeição do título à lei vigente ao tempo de sua apresentação perante a serventia imobiliária).
Assim, é irrelevante que o instrumento particular tenha sido assinado em 11/07/2020, momento em que não se exigia que o contrato tratasse dos procedimentos previstos nos artigos 26-A e 27-A da Lei n. 9.514/1997, mas somente daquele previsto no artigo 27, conforme a redação anterior do artigo 24, uma vez que o título foi levado a registro em janeiro de 2024, quando em vigor a Lei n. 14.711/2023.
Note-se que, embora o contrato possua cláusulas específicas a respeito da alienação fiduciária em garantia, tal regramento não é suficiente, tendo em vista as alterações trazidas pela Lei n. 14.711/2023 (cláusula quarta e seguintes fls. 18/28).
A título de exemplo, o contrato estabelece que o primeiro leilão será realizado dentro de trinta dias, contados da data do registro da consolidação da propriedade em nome da credora (cláusula 8.1.2 fl. 22).
No entanto, o artigo 27 da Lei n. 9.514/1997, com redação dada pela Lei n. 14.711/2023, prevê que o prazo para a realização do leilão é de sessenta dias:
“Art. 27. Consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário promoverá leilão público para a alienação do imóvel, no prazo de 60 (sessenta) dias, contado da data do registro de que trata o § 7º do art. 26 desta Lei”.
Ademais, não consta no contrato que as datas, os horários e os locais dos leilões serão comunicados ao devedor por meio de correspondência dirigida aos endereços constantes do contrato, inclusive a eventual endereço eletrônico, nos termos do artigo 27, § 2º-A, da Lei n. 9.514/1997.
Constata-se, ainda, que a mora pode ser purgada pelo devedor até a data da averbação da consolidação da propriedade fiduciária, conforme admite o artigo 26-A, § 2º, da Lei n. 9.514/1997, mas não há previsão contratual neste sentido, não obstante a permissão já constasse na redação anterior do artigo mencionado (cláusula 7.5 fl. 21).
Dessa forma, faz-se necessário o aditamento do contrato a fim de adequá-lo às alterações promovidas pela Lei n. 14.711/2023 na Lei n. 9.514/1997.
Quanto à incidência de ITBI, a parte apelante sustenta que a consolidação da propriedade não configura transmissão onerosa, já que representa a formalização do direito que já pertencia ao credor fiduciário (fl. 61).
Contudo, o presente caso trata do registro inicial do contrato de compra e venda com alienação fiduciária na matrícula n. 55.732 e não da averbação de eventual consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário, sobre a qual, a propósito, também incide o ITBI (artigo 26, § 7º, da Lei n. 9.514/1997).
De fato, o instrumento consubstancia dois negócios jurídicos: a compra e venda, pela qual se transfere a propriedade plena ao comprador (negócio jurídico principal), e a instituição de pacto acessório de alienação fiduciária, por meio do qual o adquirente transmite a propriedade resolúvel ao credor fiduciário com a finalidade de garantir o adimplemento do financiamento (artigo 22 da Lei n. 9.514/97).
Note-se que, após pagamento integral da obrigação, o registro da propriedade fiduciária será cancelado e o devedor fiduciante voltará a deter a propriedade plena adquirida com o registro da compra e venda (artigos 23 e 25, § 2º, da Lei n. 9.514/97).
Não resta dúvida, portanto, de que o registro da compra e venda implica efetiva transmissão da propriedade, sobre a qual incide o tributo.
Tanto é assim que a Lei Complementar n. 167/2009, Código Tributário da Estância Turística de Tupã, regula a matéria, prevendo a incidência do imposto sobre transmissão onerosa inter vivos de bens imóveis em caso de compra e venda (ITBI):
“Art. 128. O Imposto sobre Transmissão “Inter-Vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição, tem como fato gerador:
I – a transmissão de bem imóvel por natureza ou por acessão física;
II – a transmissão de direitos reais sobre bens imóveis, exceto os direitos reais de garantia;
III – a cessão de direitos relativos à aquisição de bens imóveis.
Art. 129. O imposto incidirá especificamente sobre as seguintes mutações patrimoniais: (Vide Lei Complementar n° 204, de 2.011)
I – a compra e venda, pura e condicional, e atos equivalentes (…)”,
A questão, ademais, já foi apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça (destaque nosso):
“(…) 3. Nos casos de compra e venda de bem imóvel com pacto de alienação fiduciária, a compra e venda é o negócio jurídico principal e a alienação fiduciária, o pacto acessório voltado à garantia de pagamento do crédito fornecido ao devedor para viabilizar a alienação.
4. Na transferência de imóvel pela compra e pela venda feitas com alienação fiduciária, há incidência do ITBI em razão da compra e venda, mas não há incidência do ITBI sobre o direito real de garantia oriundo do pacto acessório de alienação fiduciária, porquanto legalmente excetuado como hipótese de incidência (art. 156, II, CF; art. 35, II, CTN). Em outras palavras, em operações triangulares, em que existe uma instituição financeira, o vendedor transfere ao comprador a propriedade plena (com incidência do ITBI), e então o comprador, agora devedor fiduciante, entrega ao banco, credor fiduciário, a propriedade fiduciária (nessa operação não há o pagamento do citado tributo, pois se trata de transmissão do direito real de garantia, que é hipótese de exclusão tributária).
Em operações diretas, sem intermediação de instituição financeira, o ITBI incide sobre a compra e a venda feitas entre vendedor e comprador e não sobre a constituição da garantia (…)” (REsp n. 1.837.704/DF, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 5/12/2019, DJe de 27/5/2020).
Em outros termos, o ITBI incide sobre o registro do instrumento particular de compra e venda com pacto adjeto de alienação fiduciária e sobre a averbação da consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário, se esta ocorrer, e não sobre a constituição da garantia.
Em havendo, assim, previsão legal de exação para a hipótese aqui tratada, não cabe ao Oficial de Registro nem a este juízo administrativo entender pela não tributação.
No que diz respeito à terceira exigência, a jurisprudência consolidada deste Conselho é no sentido de que exigir certidões negativas de tributos federais e contribuições previdenciárias para a prática de ato de registro caracteriza exercício abusivo de cobrar tributos (fl. 42).
Consoante reiteradas decisões, inclusive do Supremo Tribunal Federal, “o Estado não pode valer-se de meios indiretos de coerção, convertendo-os em instrumentos de acertamento da relação tributária, para, em função deles e mediante interdição ou grave restrição ao exercício da atividade empresarial, econômica ou profissional constranger o contribuinte a adimplir obrigações fiscais eventualmente em atraso” (STF, RE 666405/RS, Rel. Min. Celso de Mello).
No mesmo sentido:
“REGISTRO DE IMÓVEIS. DÚVIDA. INSTRUMENTO PARTICULAR DE CESSÃO DE DIREITOS. CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO. CND. EXIGÊNCIA AFASTADA, SEGUNDO ATUAL. ORIENTAÇÃO DESTE CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA E DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. SUBITEM 117.1, CAPÍTULO XX, TOMO II, DAS NORMAS DE SERVIÇO DA CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA. APELO PROVIDO” (TJSP; Apelação Cível 1003559-67.2022.8.26.0198; Relator (a): Fernando Torres Garcia(Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Franco da Rocha – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 22/09/2023; Data de Registro: 27/09/2023).
“Registro de Imóveis. Carta de Adjudicação. Desqualificação do título judicial, exigindo-se certidão negativa de débitos (CND) expedida conjuntamente pela Receita Federal e pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional. Impossibilidade Item 119.1, do Capítulo XX, Tomo II, das NSCGJ. Registrador que não pode assumir o papel de fiscal dos tributos não vinculados ao ato registrado. Dúvida improcedente. Apelação provida” (TJSP; Apelação Cível 1000791-27.2017.8.26.0625; Relator (a): Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Taubaté – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 15/05/2018; Data de Registro: 23/05/2018).
E, ainda: Apelação Cível n. 0013759-77.2012.8.26.0562, rel. Des. Renato Nalini, j. em 17.1.2013; Apelação Cível n. 0021311-24.2012.8.26.0100, rel. Des. Renato Nalini, j. em 17.1.2013; Apelação Cível n. 0013693-47.2012.8.26.0320, rel. Des. Renato Nalini, j. em 18.4.2013; Apelação Cível n. 9000004-83.2011.8.26.0296, rel. Des. Renato Nalini, j. em 26.9.2013; Apelação Cível n. 0002289-35.2013.8.26.0426, rel. Des. Hamilton Elliot Akel, j. em 26.8.2014; Apelação Cível n. 0014803-69.2014.8.26.0269, rel. Des. Manoel de Queiroz Pereira Calças, j. em 30.6.2016.
No último precedente mencionado (Apelação n. 0014803-69.2014.8.26.0269, relatada pelo então Corregedor Geral, Des. Manoel de Queiroz Pereira Calças), restou consignado:
“Não se justifica, igualmente, a exibição de CND (certidões negativas de débitos previdenciários e tributários), seja porque originária a aquisição da propriedade, seja diante da contemporânea compreensão do C. CSM, iluminada por diretriz estabelecida pela Corte Suprema, a dispensá-la, porquanto a exigência, uma vez mantida, prestigiaria vedada sanção política.
Em atenção a esse último fundamento, a confirmação da exigência importaria, na situação em apreço, uma restrição indevida ao acesso de título à tábua registral, imposta como forma oblíqua, instrumentalizada para, ao arrepio e distante do devido processo legal, forçar o contribuinte ao pagamento de tributos. Caracterizaria, em síntese, restrição a interesses privados em desacordo com a orientação do E. STF, a qual se alinhou este C. CSM, e, nessa trilha, incompatível com limitações inerentes ao devido processo legal, porque mascararia uma cobrança por quem não é a autoridade competente, longe do procedimento adequado à defesa dos direitos do contribuinte, em atividade estranha à fiscalização que lhe foi cometida, ao seu fundamento e fins legais, dado que as obrigações tributárias em foco não decorrem do ato registral buscado.
Conforme Humberto Ávila, “a cobrança de tributos é atividade vinculada procedimentalmente pelo devido processo legal, passando a importar quem pratica o ato administrativo, como e dentro de que limites o faz, mesmo que – e isto é essencial – não haja regra expressa ou a que seja prevista estabeleça o contrário”.
Note-se que as diversas decisões judiciais e administrativas mencionadas, que resultaram no afastamento da exigência das certidões e na inserção do item 117.1 no Capítulo XX das NSCGJ, foram proferidas enquanto vigentes os artigos 47 e 48 da Lei n. 8.212/91. Assim, ainda que o dispositivo legal que revogava em parte o artigo 47 da Lei n. 8.212/91 tenha sido vetado (artigo 20, inciso IV, da Lei n. 14.382/2022), não houve alteração no panorama legislativo da matéria.
Em outras palavras, o artigo 47 da Lei n. 8.212/91 permanece em vigor, assim como já ocorria quando a tese que dispensou a apresentação de CND passou a prevalecer.
Desse modo, o óbice apresentado pelo Registrador não se sustenta.
Por outro lado, a certidão de valor venal emitida pela Prefeitura precisa ser apresentada para fins de conferência da razoabilidade do ITBI recolhido e para apuração dos emolumentos (artigo 7º da Lei n.11.331/02), mas não há obrigatoriedade de apresentação de certidão negativa de débitos municipais, já que a fiscalização do Oficial se restringe aos impostos “devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício”, nos termos do artigo 289 da Lei n. 6.015/1973 (item 3.1 da nota devolutiva fls. 40/43).
Em relação à exigência n. 4 da nota devolutiva de fls. 40/43, observa-se a desnecessidade de apresentação de procuração atualizada de outorga de poderes ao representante da parte interessada, Edivaldo Antônio dos Santos, visto que ele é seu sócio administrador e assinou o negócio jurídico apresentado a registro (fls. 10/28; cláusulas 6.1 e seguintes do contrato social de fls. 29/39).
Por fim, o título deverá ser digitalizado, devolvido ao apresentante e mantido em arquivo digital, pelo que desnecessária a produção de nova via (item 109, do Capítulo XX, das NSCGJ, e artigo 194 da Lei n. 6.015/1973).
Ante todo o exposto, pelo meu voto, dou por prejudicada a dúvida e não conheço do recurso.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
(DJe de 30.08.2024 – SP)