CSM|SP: Registro de imóveis – Procedimento de dúvida – Registro de carta de adjudicação – Exigência de apresentação do formal de partilha do inventário da proprietária tabular falecida, sob pena de ofensa ao princípio da continuidade registral – Condenação em custas afastada – Todos os envolvidos na cadeia sucessória do imóvel, inclusive os herdeiros da falecida, participaram da ação de adjudicação compulsória, ante o precedente término do inventário – Decisão judicial pela não inclusão do espólio no polo passivo, com determinação para que os herdeiros nele figurassem – Acórdão que atesta a observância da cadeia sucessória e defere a adjudicação pretendida – Exigência afastada – Apelação provida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001274-11.2023.8.26.0443, da Comarca de Piedade, em que é apelante NORMA PRISCILA DE JESUS, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE PIEDADE.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação para que o título judicial ingresse no fólio real, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 10 de setembro de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça

Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1001274-11.2023.8.26.0443

APELANTE: Norma Priscila de Jesus

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Piedade

VOTO Nº 43.537

Registro de imóveis – Procedimento de dúvida – Registro de carta de adjudicação – Exigência de apresentação do formal de partilha do inventário da proprietária tabular falecida, sob pena de ofensa ao princípio da continuidade registral – Condenação em custas afastada – Todos os envolvidos na cadeia sucessória do imóvel, inclusive os herdeiros da falecida, participaram da ação de adjudicação compulsória, ante o precedente término do inventário – Decisão judicial pela não inclusão do espólio no polo passivo, com determinação para que os herdeiros nele figurassem – Acórdão que atesta a observância da cadeia sucessória e defere a adjudicação pretendida – Exigência afastada – Apelação provida.

Trata-se de apelação (fls. 53/58) interposta por NORMA PRISCILA DE JESUS contra a r. sentença proferida pela MMª Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Piedade/SP, que julgou procedente a dúvida e manteve os óbices apontados pela Oficial ao registro stricto sensu da carta de sentença extraída da ação de adjudicação compulsória de autos nº 1001561-46.2019.8.26.0238, que visou à adjudicação do imóvel da matrícula nº 5.521 daquela serventia extrajudicial (fls. 47/50).

Em preliminar, a apelante insurge-se quanto à determinação de recolhimento de custas, sob alegação de que não incidem na espécie, por se tratar de procedimento administrativo. No mérito, afirma, em síntese, que faz jus ao registro da carta de adjudicação do imóvel porque o v. acórdão que acolheu seu pedido em segunda instância foi expresso ao considerar irrelevante a ausência do registro dos instrumentos particulares na matrícula do imóvel, em razão da Súmula 239 do S.T.J. Pede a reforma da sentença.

A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recuso (fls. 79/81).

Foi proferido despacho convertendo o julgamento em diligência para que o Oficial informasse se havia prenotação válida e para que encaminhasse a cópia da carta de sentença.

A informação do Oficial consta às fls. 85/89, dando conta da validade da prenotação (em especial fl. 87), bem como encaminhando as cópias solicitadas (fls. 88/89).

É o relatório.

Decido.

O registro da Carta de Adjudicação extraída dos autos de nº 1001561-46.2019.8.26.0238, que tramitou perante a 1ª Vara Cível da Comarca de Piedade, foi negado pela Oficial, que, em 27/04/2023, expediu a nota de devolução de nº 109125 (fls. 25/28), contendo as seguintes exigências:

“O presente título foi devolvido pelo(s) seguinte(s) motivo(s):

1) Em análise a Carta de Adjudicação, Processo Digital n. 1001561-46.2019.8.26.0238, proferida na Primeira Vara desta cidade e comarca, para que possa registrar o título judicial apresentado, deverá primeiramente ser apresentado para registro o inventário e partilha do espólio da proprietária Lizeti Vieira Moraes de Oliveira, uma vez que é falecida, conforme dito as fls. 120, 125, 130, 143/147 e certidão de óbito as fls. 163, nesse sentido, fica esclarecido por esse registrador que a carta de adjudicação não trata-se de aquisição

originária, mas de aquisição derivada, consoante ensinada pelo magistrado Josué Modesto Passos: “Dizse originária a aquisição que, em seu suporte fático, é independente da existência de um outro direito; derivada, a que pressupõe, em seu suporte fático, a existência do direito por adquirir. A inexistência de relação entre titulares, a distinção entre o conteúdo do direito anterior e o do direito adquirido originariamente, a extinção de restrições e limitações, tudo isso pode se passar, mas nada disso é da essência da aquisição originaria”.

Nesse sentido, dever também ser obedecido o princípio da continuidade registral, assim ensinado pelo doutrinador Afrânio de Carvalho: O princípio de continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular.

Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente”.

É o que diz a Lei nº 6.015/1973:

“Art. 195 – Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.

Art. 237 – Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro”.

Item 47. “Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro, observando-se as exceções legais no que se refere às regularizações fundiárias”. Capítulo XX, Tomo

II, das Normas de Serviço Cartorários Extrajudiciais da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo.

De mais a mais, tal questão já foi tema de acórdão do Conselho Superior da Magistratura, apeção cível 1.104-6/4:

REGISTRO DE IMÓVEIS. Dúvida julgada procedente. Carta de sentença extraída de ação de adjudicação compulsória. Ação originariamente movida contra sucessores do proprietário e promitente vendedor do imóvel, já falecido. Necessidade de prévio registro da partilha que, em inventario ou arrolamento de bens, atribuiu o imóvel aos réus da ação de adjudicação compulsória. Princípio da continuidade. Recurso não provido.

Por fim, tal princípio da continuidade foi alertada pela MMª Juíza de Direito do mencionado julgamento, despacho fls. 189, do referido processo.

Destarte, para entendimento da parte interessada fica esclarecido que o título judicial não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n. 413-6-7).

Sendo assim, não há dúvidas de que a origem judicial não basta para garantir ingresso automático dos títulos no folio real, cabendo ao oficial qualificá-los conforme os princípios e as regras que regem a atividade registral [trecho extraído do processo n. 1095727- 91.2022.8.26.0100, da Primeira Vara de Registro Públicos do Estado de São Paulo].

Então, apesar do trânsito em julgado da sentença proferida na ação de adjudicação compulsória, a carta de adjudicação dela extraída não está imune à qualificação registrária.

2) Apresentar o imposto de transmissão de bens imóveis – ITBI, da cessão do instrumento particular das fls. 26/27, devidamente quitada, nos termos do artigo 70, inciso III, da Lei Municipal n. 3.759/06.

2.1 – Apresentar o imposto de transmissão de bens imoveis – ITBI, da adjudicação as fls. 295, assim determinado pelo artigo 71, inciso V, da Lei Municipal n. 3.759/06.

3) Apresentar o certificado de cadastro de imóvel rural – CCIR, exercício 2022, devidamente quitada, do imóvel rural da matrícula n. 5.521, previsto no artigo 22, e seguintes da Lei n. 4.947/66.

4) Apresentar o imposto sobre a propriedade territorial rural – ITR, exercício 2022, devidamente quitada do referido imóvel.

4.1 – Apresentar a certidão negativa de débitos do ITR ou as últimas cinco declarações com as respectivas darf’s quitadas, previsto no artigo 21 e seguintes da Lei n. 9.393/96.

Tendo sido cumprido os itens 2, 2.1, 3, 4 e 4.1, fica mantido o item 1, na qual será objeto de suscitação de dúvida (grifei)”.

Requereu a ora apelante, então, a suscitação de dúvida (fls. 01/03 e 04/08), que foi julgada procedente, nos termos da r. sentença ora recorrida (fls. 47/50).

Há que se afastar a condenação da recorrente nas custas, eis que o processo de dúvida registral, previsto no artigo 198 e seguintes da Lei de Registros Públicos, tem natureza administrativa, conforme expressa previsão legal (artigo 204 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973).

Ainda que se entenda ser cabível, em tese, a condenação em custas neste procedimento, se e quando mantido o óbice, ainda não há concreta e específica previsão legal para tanto, o que resulta na não incidência do artigo 207 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973.

Nesse sentido já decidiu esse Conselho:

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO Alegada existência de omissão no v. acórdão Condenação em custas que deve ser afastada. Ausência de previsão nas leis estaduais que disciplinam a matéria (Lei nº 11.608, de 29 de dezembro de 2003, e Lei nº 11.331, de 26 de dezembro de 2002). Procedimento de dúvida registral de caráter administrativo. Embargos de declaração acolhidos.” (Embargos de Declaração Cível 1000471-14.2021.8.26.0341; Relator (a): Fernando Torres Garcia (Corregedor Geral); Conselho Superior da Magistratura; Foro de Maracaí – Vara Única; Julgado em 04/07/2022.)

Superada a questão, passa-se ao exame do mérito.

Necessário esclarecer que a origem judicial do título não impede a sua qualificação nem implica desobediência, de modo que o título judicial consistente na carta de adjudicação submete-se, como se submeteria o negócio jurídico de compra e venda do imóvel, à qualificação pelo Oficial de Registro de Imóveis.

Na espécie, não obstante as razões invocadas pelo Oficial e mantidas pela r. Sentença, não há óbice ao ingresso do título judicial no fólio real, como se verá.

Verifica-se da certidão de matrícula do imóvel (fls. 09/10) que figuram, como titulares de domínio, Laércio de Oliveira e sua mulher Lizeti Vieira Moraes de Oliveira.

Posteriormente, as negociações do referido imóvel efetivaram-se por meio de contratos de promessa de compra e venda particulares que não ingressaram no fólio real.

Assim é que, na inicial da ação de adjudicação compulsória de nº 1001561-46.8.26.0238, que tramitou perante a 1ª Vara Cível da Comarca de Piedade, constou que Laércio de Oliveira e esposa, Lizeti Vieira Moraes de Oliveira, prometeram vender o imóvel ao senhor Rubens de Oliveira Filho e esposa, Maria Sônia Murat Oliveira, e, na sequência, Rubens e Maria Sônia cederam os direitos aquisitivos à ora recorrente Norma Priscila de Jesus e seu marido, Claudio Cesar da Silva.

Em análise direta dos autos da mencionada ação, que se revelou necessária para a solução do presente recurso, constata-se que todos os envolvidos nos subsequentes contratos de venda e compra do imóvel dela participaram. A ação foi movida por NORMA PRISCILA DE JESUS e seu marido CLÁUDIO CESAR DA SILVA, e por MARIA SONIA MURAT MATIAS e seu marido RUBENS DE OLIVEIRA FILHO. No polo passivo, figuraram LAÉRCIO DE OLIVEIRA e os sucessores de LIZETE VIEIRA MORAES DE OLIVEIRA, quais sejam, GLAUCIA CRISTINA DE OLIVEIRA E SILVA, LAERCIO DE OLIVEIRA JUNIOR e MARCOS LUIZ MORAES DE OLIVEIRA, conforme consta da cópia do aresto a fls. 41/46.

Aliás, o acórdão proferido na aludida demanda, aduziu que a cadeia sucessória estava suficientemente demonstrada, pelo que acolheu o pedido de adjudicação compulsória do imóvel, valendo transcrever a ementa:

“APELAÇÃO. ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. Insurgência contra r. sentença de improcedência. Acolhimento. Preliminar. Cerceamento de defesa não verificado. Dispensável a comprovação da recusa do proprietário registral em outorgar a escritura, quando persistente a recusa judicial. Mérito. Cadeia sucessória suficientemente demonstrada. Negócio jurídico primitivo,que, além de comprovado documentalmente, restou incontroverso, assim como o adimplemento do preço avençado. Aplicação do artigo 1.418, do Código Civil. Ausência de registro dos instrumentos (públicos ou particulares) no CRI que é irrelevante, nos termos da súmula 239, do STJ. SENTENÇA REFORMADA. APELO PROVIDO” (Apelação Cível nº 1001561-46.2019.8.26.0238; 3ª Câmara de Direito Privado; data do julgamento: 22/07/2022; Relator: Desembargador Donegá Morandini).

Não bastasse, a fls. 125 da ação de adjudicação compulsória, o Juízo determinou fossem incluídos os herdeiros de Lizeti Vieira Moraes de Oliveira no polo passivo porque o espólio se extinguira pelo término do arrolamento.

Tendo sido, portanto, decidido judicialmente que o espólio da falecida Lizeti se extinguira pelo término do arrolamento, com determinação para que seus herdeiros fossem incluídos no polo passivo da ação de adjudicação compulsória, e diante da procedência da demanda onde afirmada a observância da cadeia sucessória do imóvel, é de ser afastado o óbice levantado pelo Oficial, a fim de que a carta de adjudicação ingresse no fólio real.

A observância do princípio da continuidade está garantida na espécie porque todos os herdeiros da falecida proprietária participaram da ação de adjudicação compulsória movida pelos compradores do imóvel, ante a impossibilidade reconhecida judicialmente de que a ação fosse dirigida a seu espólio, haja vista o término da ação de arrolamento.

Sabido que a obrigação de outorgar a escritura definitiva se transmite aos herdeiros do promitente vendedor. Nada impede, portanto, que a ação de adjudicação compulsória, que nada mais é do que modalidade de execução de obrigação de fazer, seja ajuizada em face do espólio ou diretamente em face dos herdeiros do promitente vendedor, obrigados a celebrar o contrato definitivo.

Essa a razão pela qual a adjudicação ajuizada em face dos herdeiros, ainda mais no caso concreto, no qual expressamente se afastou o espólio do polo passivo da demanda, não viola o princípio da continuidade.

Imperioso, pois, que seja afastada a exigência registrária.

Ante o exposto, pelo meu voto, DOU PROVIMENTO à apelação para que o título judicial ingresse no fólio real.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça

Relator.

(DJe de 16.09.2024 – SP)