CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida – Escritura de inventário e partilha – Exigência de prévia rerratificação da partilha para que a viúva compareça como herdeira, e não como meeira – Instrumento particular de venda e compra com eficácia de escritura pública que foi celebrado na constância do casamento, superando, portanto, anterior compromisso de compra e venda firmado apenas por um dos proprietários, quando solteiro, notadamente quando existente hipoteca firmada por ambos para o financiamento da aquisição – Propriedade do imóvel que se adquire pelo registro do instrumento de venda e compra – Inteligência dos artigos 1.227 e 1.245 do código civil – Óbice registrário afastado – Dúvida improcedente – Apelação provida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1029238-64.2021.8.26.0405, da Comarca de Osasco, em que é apelante SHIRLEY TREGIER HAJCZYLEWICZ, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTROS DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE OSASCO.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso de apelação para julgar a dúvida improcedente, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 12 de setembro de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça

Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1029238-64.2021.8.26.0405

Apelante: Shirley Tregier Hajczylewicz

Apelado: 1º Oficial de Registros de Imóveis e Anexos da Comarca de Osasco

VOTO Nº 43.554

Registro de imóveis – Dúvida – Escritura de inventário e partilha – Exigência de prévia rerratificação da partilha para que a viúva compareça como herdeira, e não como meeira – Instrumento particular de venda e compra com eficácia de escritura pública que foi celebrado na constância do casamento, superando, portanto, anterior compromisso de compra e venda firmado apenas por um dos proprietários, quando solteiro, notadamente quando existente hipoteca firmada por ambos para o financiamento da aquisição – Propriedade do imóvel que se adquire pelo registro do instrumento de venda e compra – Inteligência dos artigos 1.227 e 1.245 do código civil – Óbice registrário afastado – Dúvida improcedente – Apelação provida.

Trata-se de apelação (fls. 141/146) interposta por SHIRLEY TREGIER HAJCZYLEWICZ contra a r. sentença (fls. 138/140) proferida pela MMª. Juíza Corregedora Permanente do 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Osasco/SP, que, em dúvida suscitada, manteve a recusa de registro da Escritura de Inventário e Partilha dos bens deixados por Sérgio Luiz Grynkraut Hajczylewicz.

A recusa fundou-se no entendimento de que o título deve ser rerratificado, eis que apresenta irregularidades, tendo em vista que há equívoco na partilha.

Para o Registrador, a ora recorrente deve comparecer à partilha qualificada como viúva e herdeira, e não como viúva meeira e herdeira como figurou, forte no entendimento de que a pretensão fere a legislação aplicável (artigos 1.659, I, e 1.829, ambos do CC). Por fim, determinou o recolhimento da diferença do ITCMD.

A suscitante requer a reforma da r. sentença com o ingresso do título no fólio real (fls. 141/146).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 172/174).

É o relatório.

A Escritura de Inventário e Partilha dos bens deixados por Sérgio Luiz Grynkraut Hajczylewicz (fls. 24/35) foi apresentada ao 1º Oficial de Registro de Imóveis de Osasco para registro nas matrículas dos imóveis de nºs 56.300, 56.183, 56.184 e 56.223 daquela serventia (fls. 09/20).

Os referidos imóveis foram partilhados entre os herdeiros e sucessores do falecido: Shirley Tregier Hajczylewicz, qualificada como viúva herdeira e meeira e os herdeiros filhos, Ricardo Grynkraut Hajczylewicz e Nicole Grynkraut Hajczylewicz, conforme se verifica da partilha, em especial das fls. 31/33.

O título foi prenotado numa primeira apresentação, sob o nº 376369, ensejando a nota de devolução emitida em 10/08/2021 (fl. 94).

Foi, então, reapresentado, obtendo a prenotação de nº 380262 e sua qualificação negativa ensejou a Nota Devolutiva de fl. 96, nos seguintes termos:

“Cumprir o solicitado da nota de devolução anterior, ou seja:

– Conforme Registro n. 1, das matrículas n°s 56.300, 56.183, 56.184, e 56.223, o inventariado Sergio Luiz Grynkraut Hajczylewicz, adquiriu ainda solteiro os respectivos imóveis em virtude de promessa de venda e compra, sendo assim, bem este excluso da comunhão de bens, nos termos do artigo 1.659, Inciso I da Lei 10.406/2002. Diante do acima exposto, solicito a Re-ratificação da presente Escritura, para constar no plano de partilha, que Shirley Tregier Hajczylewicz compareça neste ato na qualidade de viúva herdeira, bem como a parte ideal atribuída a cada herdeiro, ou seja, 1/3 sobre a parte ora inventariada.

Obs.: Conforme exposto acima, necessário recolher a diferença do imposto de ITCMD, juntando a eventual declaração de retificação do imposto, as guias e comprovantes de pagamentos, a serem expedidas pela Fazenda do Estado de São Paulo, situada da Rua José Cianciarulo, 200 – Centro, Osasco – SP, CEP 06013-040, nos termos do art. 2°, parágrafo 5° da Lei 10.705/00″.

Após a impugnação da suscitante (fls. 100/104), junto à qual trouxe os contratos de financiamento dos imóveis objeto da controvérsia (fls. 106/129), o Ministério Público manifestou-se pelo julgamento de improcedência da Dúvida suscitada (fls. 136/137).

Contudo, a r. sentença de fls. 138/140 assim decidiu:

“No presente caso, o falecido adquiriu os imóveis objeto da presente dúvida na condição de solteiro e antes do casamento. Assim, deverá retificar a Escritura de Inventário de Partilha para constar a suscitante como viúva herdeira e não meeira com relação aos imóveis objeto da presente dúvida, bem como providenciar o recolhimento do ITCMD devido, sendo a procedência da presente dúvida é de rigor”.

A apelante pretende, em síntese, seja o título considerado apto ao registro aduzindo que: (i) contraiu matrimônio com o falecido Sergio em 29/03/1987 (fl. 38); (ii) embora a promessa de compra e venda dos imóveis tenha sido, de fato, realizada por Sergio antes do casamento de ambos, como se verifica das CRIs de fls. 09/20, o registro que transferiu sua propriedade foi efetuado após o casamento dos dois em 18/08/1989; (iii) a propriedade se transfere com o registro nos termos dos artigos 1.227 e 1.245 do Código Civil; (iv) a efetiva aquisição dos imóveis objetos da Dúvida ocorreu através de financiamentos realizados por SERGIO E SHIRLEY junto ao BANCO BRADESCO, em data de 20/07/1989, conforme se verifica dos contratos de fls. 106/129; (v) comprovado que os imóveis eram de propriedade do casal, na proporção de 50% para cada um, não há razão para que seja qualificada apenas como herdeira de Sergio; (vi) a escritura não contém qualquer erro e não necessita ser rerratificada, tampouco há que se falar em recolhimento de diferença de ITCMD.

Ressalvado o entendimento da MMª Juíza sentenciante, a apelação deve ser provida.

Com efeito, a propriedade dos bens imóveis somente se transfere mediante o registro do título translativo no cartório de imóveis respectivo, a teor do que estabelecem os artigos 1.227 e 1.245, caput, do Código Civil:

“Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código”.

“Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis”.

Sei perfeitamente que o art. 1.661 do Código Civil dispõe o seguinte:

São incomunicáveis os bens cuja aquisição tiver por título uma causa anterior ao casamento”. Entende-se por causa a operação econômica em um contrato bilateral e oneroso, ou seja, o pagamento do preço. O que imposta, em poucas palavras, não é propriamente a data do contrato preliminar e nem a data do registro, mas sim se o pagamento do preço se deu na constância ou anteriormente ao casamento.

Nesse passo, observa-se da certidão de casamento de fl. 38, que Shirley e Sergio contraíram matrimônio em 29/03/1987, adotando o regime de comunhão parcial de bens, ato que foi, inclusive, averbado nas matrículas dos imóveis (fls. 10, 13, 16 e 19).

Assim sendo, embora Sergio fosse, de fato, solteiro à época da promessa de compra e venda dos imóveis das matrículas de nºs 56.300, 56.183, 56.184 e 56.223, conforme se verifica das fls. 09, 12, 15 e 18, houve subsequente celebração de instrumentos particulares com força de escritura pública de venda e compra dos referidos bens em 18/08/1989, a Sergio, casado com Shirley, sobrevindo os respectivos registros (R. 3 de cada uma das matrículas referidas). Quer dizer, a formalização dos instrumentos particulares de venda e compra com força de escritura pública deu-se na constância do casamento de Sergio e Shirley.

Se isso não bastasse, nos mesmos instrumentos particulares referidos, Sergio e Shirley deram os imóveis em primeira, única e especial hipoteca, sem concorrência, ao Banco Bradesco S/A, para a garantia da dívida assumida, por meio de 84 prestações mensais, vencendo-se a primeira delas em 20/09/1991, tudo conforme o R. 4 de cada uma das matrículas em apreço (fls. 10, 13, 16 e 19).

E a recorrente ainda trouxe aos autos comprovação documental de que ela e Sergio, já casados, contrataram o financiamento para a aquisição dos bens em apreço e os deram em garantia junto à instituição financeira, nos termos dos contratos de fls. 106/117. Disso decorre que se parte significativa do preço foi paga na constância do casamento, o imóvel tem a natureza de aquesto, e não de nem próprio do marido.

Em suma, a viúva Shirley é meeira quanto aos imóveis tratados nos autos, não se lhe exigindo a retificação da partilha para que fosse tratada apenas como herdeira, como suscitado pelo Registrador.

Por fim, a recorrente e os herdeiros filhos estão de acordo com a partilha levada a efeito, não se vislumbrando razão para a alteração do quanto estabelecido.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao recurso de apelação para julgar a dúvida improcedente.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça

Relator.

(DJe de 18.09.2024 – SP)