CSM|SP: Registro de imóveis – Usucapião extrajudicial – Dúvida julgada procedente – Remessa da interessada às vias ordinárias – Impugnação ofertada em nome de herdeiro do titular de domínio, subscrita por terceira pessoa que não o representa – Diligências para localização do herdeiro e regularização de sua representação que resultaram infrutíferas – Impugnação que deve ser tida como infundada – Prosseguimento na via administrativa – Apelação provida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000100-92.2023.8.26.0272, da Comarca de Itapira, em que é apelante JESUS PAULINA MEIRA SILVA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE ITAPIRA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 26 de setembro de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1000100-92.2023.8.26.0272

APELANTE: Jesus Paulina Meira Silva

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Itapira

VOTO Nº 43.577

Registro de imóveis – Usucapião extrajudicial – Dúvida julgada procedente – Remessa da interessada às vias ordinárias – Impugnação ofertada em nome de herdeiro do titular de domínio, subscrita por terceira pessoa que não o representa – Diligências para localização do herdeiro e regularização de sua representação que resultaram infrutíferas – Impugnação que deve ser tida como infundada – Prosseguimento na via administrativa – Apelação provida.

Trata-se de apelação interposta por Jesus Paulina Meira Silva contra a r. sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente que, reconhecendo como fundamentada a impugnação apresentada por Manuel Luiz de Carvalho Filho, representado por sua curadora, Maria das Dores Quetglas (fls. 270/273), manteve a recusa do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Itapira/SP em prosseguir com o pedido extrajudicial de usucapião do imóvel matriculado sob nº 10.615 junto à referida serventia imobiliária, remetendo a interessada às vias ordinárias (fls. 302/304). Alega a apelante, em síntese, que a impugnação ofertada não pode ser tida como fundamentada, pois a ação de interdição de Manuel Luiz de Carvalho Filho foi extinta sem resolução do mérito (Processo nº 0005419-62.2003.8.26.0271), de modo que Maria das Dores Quetglas não tem poderes para representá-lo, na condição de curadora. Afirma estar comprovado o exercício da posse mansa, pacífica e ininterrupta, pelo tempo necessário à configuração da usucapião extraordinária, como se depreende da ata notarial, da planta do imóvel, das contas de consumo, das notificações de IPTU e dos comprovantes de pagamento do Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Itapira (fls. 307/313).

O julgamento do feito foi convertido em diligência (fls. 448).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 782/784).

É o relatório.

A apelante pretende o reconhecimento extrajudicial da usucapião do imóvel objeto da matrícula nº 10.615 do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Itapira/SP.

Apresentado o requerimento instruído com os documentos necessários, procedeu-se às devidas notificações, inclusive dos órgãos públicos, sobrevindo impugnação do pedido de reconhecimento da usucapião extrajudicial ofertada por Manuel Luiz de Carvalho Filho, representado por sua curadora, Maria das Dores Quetglas (fls. 270/273).

Reconhecida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente como fundamentada a impugnação, deliberou-se pela impossibilidade de prosseguir na usucapião extrajudicial, com a consequente remessa da requerente, ora apelante, às vias ordinárias.

A análise cabível nestes autos, cumpre ressaltar, não se relaciona ao preenchimento dos requisitos da usucapião extraordinária pela apelante, mas apenas à pertinência da impugnação.

A propósito do tema, o item 420 e seus subitens, Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça:

420. Em caso de impugnação do pedido de reconhecimento extrajudicial da usucapião apresentada por qualquer dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes, por ente público ou por terceiro interessado, o oficial de registro de imóveis tentará promover a conciliação ou a mediação entre as partes interessadas.

(…)

420.2. Consideram-se infundadas a impugnação já examinada e refutada em casos iguais pelo juízo competente; a que o interessado se limita a dizer que a usucapião causará avanço na sua propriedade sem indicar, de forma plausível, onde e de que forma isso ocorrerá; a que não contém exposição, ainda que sumária, dos motivos da discordância manifestada; a que ventila matéria absolutamente estranha à usucapião.

(…)

420.4. Se a impugnação for fundamentada, depois de ouvir o requerente o Oficial de Registro de Imóveis encaminhará os autos ao juízo competente.

420.5. Em qualquer das hipóteses acima previstas, os autos da usucapião serão encaminhados ao juízo competente que, de plano ou após instrução sumária, examinará apenas a pertinência da impugnação e, em seguida, determinará o retorno dos autos ao Oficial de Registro de Imóveis, que prosseguirá no procedimento extrajudicial se a impugnação for rejeitada, ou o extinguirá em cumprimento da decisão do juízo que acolheu a impugnação e remeteu os interessados às vias ordinárias, cancelando-se a prenotação.

No caso concreto, a impugnação apresentada (fls. 270) não merece ser tida como fundamentada.

Sobre a possibilidade de se afastar a impugnação quando infundada, há que ser transcrito ilustrativo trecho do voto proferido nos autos da Apelação nº 1032941-74.2023.8.26.0100, em que figurou como Relator o Desembargador Fernando Antonio Torres Garcia, então Corregedor Geral da Justiça:

“Quando se trata de impugnação manifestada em processo extrajudicial de usucapião, um ponto tem de ficar assente (…): nem o Oficial de Registro de Imóveis nem o Corregedor Permanente podem dirimir ou solucionar litígios, uma vez que nenhum deles está no exercício de jurisdição contenciosa. O julgamento da impugnação não se destina a compor lides. Pelo contrário: quando se julga uma impugnação dessa espécie, tudo o que se pode fazer é verificar a existência da lide (caso em que cessa a instância administrativa, pois a contenda só pode ser resolvida por meio de ação contenciosa) ou constatar que, a despeito da oposição do impugnante, verdadeira lide não há, mas tão-somente aparência dela (o que autoriza o prosseguimento na instância administrativa, na qual, como se sabe, tem de imperar o consenso)”.

Dada essa premissa, é preciso consignar que, na hipótese em análise, os documentos a fls. 464/710 comprovam que a ação de interdição de Manuel Luiz de Carvalho Filho foi julgada extinta sem resolução do mérito (fls. 663/664), razão pela qual Maria das Dores Quetglas, subscritora do documento a fls. 270, não pode ser tida como curadora do herdeiro do titular de domínio. Em verdade, Manuel Luiz de Carvalho Filho não foi declarado incapaz.

E muito embora tenha sido tentada a intimação de Manuel Luiz de Carvalho Filho, em nome de quem a impugnação foi apresentada, para regularização de sua representação nos autos, é certo que as diligências resultaram infrutíferas (fls. 458, 720, 728/736, 748, 749 e 767). Por conseguinte, a impugnação apresentada em seu nome, mas subscrita por terceira pessoa que não o representa, não tem o condão de impedir o prosseguimento do procedimento extrajudicial de usucapião.

Ressalte-se, por oportuno, que nada há nos autos a evidenciar que Maria das Dores Quetglas tenha qualquer relação com o imóvel usucapiendo, razão pela qual, não demonstrado seu interesse no procedimento, também não tem legitimidade para, em nome próprio, se insurgir contra o pedido formulado pela apelante na esfera administrativa.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para rejeitar a impugnação ofertada e determinar o prosseguimento do procedimento extrajudicial de usucapião perante o Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Itapira/SP.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 02.10.2024 – SP)