CSM|SP: Registro de imóveis – Carta de sentença – Partilha e sobrepartilha de bens – Origem judicial do título que não o torna imune à qualificação registral – Condomínio edilício – Impossibilidade do ex-cônjuge ser aquinhoado com uma vaga de garagem, se não é mais proprietário do apartamento – Vaga de garagem acessória a unidade autônoma – Irrelevância do fato de a garagem ser objeto de matrícula autônoma no caso concreto, pois funcionalmente vinculada à titularidade do apartamento – Inteligência do art. 1.331, § 1º, do Código Civil – Expressa disposição na convenção de condomínio que veda a aquisição de vaga de garagem por quem não seja proprietário de apartamento no edifício – Óbice mantido – Apelação não provida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1066362-21.2024.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante LUIZ GUSTAVO FUNCHAL DE CARVALHO, é apelado 13º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), ADEMIR BENEDITO(PRES. SEÇÃO DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 1º de outubro de 2024.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1066362-21.2024.8.26.0100
APELANTE: Luiz Gustavo Funchal de Carvalho
APELADO: 13º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital
VOTO Nº 43.560
Registro de imóveis – Carta de sentença – Partilha e sobrepartilha de bens – Origem judicial do título que não o torna imune à qualificação registral – Condomínio edilício – Impossibilidade do ex-cônjuge ser aquinhoado com uma vaga de garagem, se não é mais proprietário do apartamento – Vaga de garagem acessória a unidade autônoma – Irrelevância do fato de a garagem ser objeto de matrícula autônoma no caso concreto, pois funcionalmente vinculada à titularidade do apartamento – Inteligência do art. 1.331, § 1º, do Código Civil – Expressa disposição na convenção de condomínio que veda a aquisição de vaga de garagem por quem não seja proprietário de apartamento no edifício – Óbice mantido – Apelação não provida.
Trata-se de apelação interposta por Luiz Gustavo Funchal de Carvalho contra a r. sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente do 13º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, que manteve a recusa de registro da carta de sentença extraída dos autos do Processo nº 0029713-31.2011.8.26.0100, tendo por objeto os imóveis matriculados sob nºs 53.645, 53.646 e 53.647 junto à referida serventia extrajudicial (fls. 220/225).
O apelante alega, em síntese, que a partilha e a sobrepartilha possuem origem judicial e constituem direito adquirido por parte de Ana Maria Soares Haberbeck Brandão, razões pelas quais, mantida sua condição de condômina, os óbices apresentados ao pretendido registro não merecem subsistir. Nega a incidência das limitações trazidas pelos arts. 1.331 e 1.339 do Código Civil, pois se referem apenas à hipótese de alienação voluntária. Aduz que, por se tratar de vaga de garagem com matrícula própria, deve ser considerada unidade autônoma, com a consequente possibilidade de manutenção da propriedade em nome de Nicanor da Silva Baptista Filho (fls. 231/243).
A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 267/269).
É o relatório.
Desde logo, importa lembrar que a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registral, ainda que limitada a seus requisitos formais e sua adequação aos princípios registrais, conforme o disposto no item 117, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça:
“Item 117. Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais.”
Este C. Conselho Superior da Magistratura tem decidido, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível nº 413-6/7; Apelação Cível nº 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação Cível nº 0005176-34.2019.8.26.0344; e Apelação Cível nº 1001015-36.2019.8.26.0223).
Cuida-se de registro de carta de sentença (fls. 20/123) oriunda da ação em que partilhados judicialmente os bens que integravam o patrimônio comum de Nicanor da Silva Baptista Filho e Ana Maria Soares Haberbeck Brandão (Processo nº 0029713-31.2011.8.26.0100).
Consta do título apresentado (fls. 20/123) que o apartamento nº 268, localizado no “Edifício Central Park Residence Service“, matriculado sob nº 53.645 e vaga de garagem nº 158, no mesmo local, objeto da matrícula nº 53.647, ambas do 13º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, passarão a pertencer exclusivamente a Ana Maria Soares Haberbeck Brandão. De outro lado, a vaga de garagem nº 157, matriculada sob nº 53.646 junto ao 13º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, também localizada no “Edifício Central Park Residence Service“, passará a pertencer exclusivamente a Nicanor da Silva Baptista Filho.
O ingresso do título ao fólio registral foi negado pelo Oficial sob o argumento de que, quando do registro da partilha, o apartamento nº 268 passaria a pertencer exclusivamente a Ana Maria Soares Haberbeck Brandão, de maneira que o registro da sobrepartilha da vaga de garagem nº 157 estaria impossibilitado por conta da vedação constante no art. 1.331, § 1º, do Código Civil e na parte final da cláusula terceira da Convenção do Condomínio do edifício.
Isso porque em razão da partilha da unidade autônoma, Nicanor da Silva Baptista Filho deixaria de figurar como condômino (fls. 142/144). Entendeu o registrador, assim, pela impossibilidade de ser o ex-cônjuge titular de vaga de garagem acessória de apartamento que não mais lhe pertence.
A alteração do art. 1.331 do Código Civil, introduzida pela Lei nº 12.607, de 04 de abril de 2012, teve a função relevante de garantir a segurança dos condomínios edilícios, evitando a alienação de garagens a estranhos. Criou aparente antinomia com os arts. 1.338 e 1.339 do Código Civil e merece interpretação criativa.
A segunda parte do § 1º, do art. 1.331 do Código Civil, objeto da inovação, diz que “os abrigos para veículos, que não poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao condomínio, salvo autorização expressa na convenção de condomínio”.
Falha grave do Código Civil de 2002 é a omissão quanto ao regime jurídico das vagas de garagens. Cabe, de início, ressaltar que as vagas em edifícios-garagem são sempre unidades autônomas. Nos demais casos, há apenas breve alusão ao abrigo de veículos, como parte de utilização exclusiva dos condôminos. Colmata-se a lacuna do Código Civil aplicando-se o que contém o art. 2º, § 1º, da Lei nº 4.591/64.
A doutrina e a jurisprudência admitem tripla modalidade das vagas, a saber: a) como coisa comum, absorvida na fração ideal de terreno da unidade autônoma, conferindo o direito de estacionar veículo no espaço comum que se encontrar desocupado, sem demarcação.
Admite-se que a convenção de condomínio discipline o uso, ou faça o sorteio de utilização temporária das vagas; b) como acessório de unidade autônoma, reservada a um condômino ou a determinado grupo, sem fração ideal de terreno a ela atrelada, mas demarcada para uso privativo do titular da unidade a que se vincula; distingue-se da modalidade anterior, porque a unidade com vaga acessória tem fração ideal maior no terreno do edifício; c) como unidade autônoma, com fração ideal de terreno a ela atrelada, com designação específica e extremada das demais vagas de garagem.
Parece claro que as vagas perfeitamente demarcadas, que constituem unidades autônomas, com fração ideal de terreno própria e não vinculadas a nenhuma unidade habitacional ou comercial, ou seja, aquelas que não guardam relação de dependência e nem são acessórias, podem ser alienadas ou locadas livremente a terceiros.
Tome-se como exemplo os edifícios-garagem, nos quais cada vaga tem plena autonomia, de modo que não faria o menor sentido a restrição quanto ao poder de dispor ou de loca-las a terceiros.
As limitações da parte final do referido § 1º do art. 1.331 do Código Civil alcançam apenas as vagas de garagem indeterminadas, ou mesmo as vagas determinadas que se encontrem vinculadas a uma unidade autônoma principal, seja habitacional ou empresarial. O Conselho Superior da Magistratura de São Paulo já afirmou que o simples fato de a garagem situar-se em prédio comercial não dispensa a prévia previsão em convenção de condomínio para alienação a terceiros (TJSP; Apelação Cível 1107811-71.2015.8.26.0100; rel. Des. Corregedor Geral da Justiça Pereira Calças; Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Data do Julgamento: 20/09/2016; Data de Registro: 26/09/2016).
A limitação abrange tanto a alienação como a locação a terceiros estranhos ao condomínio. É indiferente que a propriedade da vaga de garagem descolada do apartamento tenha origem em negócio de alienação ou de aquisição.
Dizendo de modo diverso, é irrelevante que alguém tenha alienado o apartamento e reservado ara si a garagem, ou, ao contrário, que tenha adquirido somente a garagem sem o apartamento. A função da norma, de preservar a segurança do condomínio edilício, atinge uma e outra situação.
In casu, é incontroverso que não se trata de edifício garagem, seja em sua totalidade ou em parte.
Ademais, a Convenção do Condomínio “Edifício Central Park Residence Service“, na cláusula terceira in fine (fls. 155) dispõe que:
“Tais vagas serão consideradas como unidades autônomas, pertencentes individualmente a cada condômino que adquira-las. Essas vagas não estão vinculadas aos apartamentos, e a aquisição de uma ou mais vagas para guarda de automóveis somente poderá ser feita por proprietários de apartamentos do edifício“.
Ora, ainda que as vagas de garagem tenham matrículas próprias, da disposição depreende-se que inexiste autorização para sua alienação àqueles que não são proprietários de unidades autônomas, nos termos determinados pelo art. 1.331, §1º, do Código Civil.
Nessa ordem de ideias, não há como o ex-cônjuge ser aquinhoado com uma vaga de garagem, se não mais é proprietário do apartamento, certo que o pretendido registro representaria manifesta violação ao sentido da norma.
De rigor, pois, a confirmação da r. sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente, com a consequente manutenção do óbice apresentado pelo registrador. Nesse sentido:
“Registro de imóveis – Dúvida procedente – Condomínio edilício – Vagas de garagem – Alienação para pessoa que não é proprietária de unidade autônoma – Ausência de autorização na Convenção do Condomínio – Registro negado – Recurso não provido.” (TJSP; Apelação Cível 1090191-75.2017.8.26.0100; Relator (a): Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 24/07/2018; Data de Registro: 30/07/2018).
Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
(DJe de 10.10.2024 – SP)