CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida – Escritura Pública de Compra e Venda – Certidão Negativa de Débito – CND – Exigência afastada – Item 117.1 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça – Precedentes do Conselho Superior da Magistratura e do Conselho Nacional de Justiça – Veto à revogação do art. 47 da Lei Nº 8.212/91 que não altera o panorama legislativo da matéria – Exigência de averbação da alteração da razão social da pessoa jurídica alienante – Documentos que permitem identificação entre a pessoa jurídica proprietária tabular e aquela mencionada no título – Óbice afastado – Apelo provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1048718-65.2024.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante LUÍS ANTONIO NOGUEIRA SPINARDI, é apelado 17º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro da escritura pública de compra e venda na matrícula nº 8.417 do 17º Registro de Imóveis da Capital, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 10 de outubro de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1048718-65.2024.8.26.0100

Apelante: Luís Antonio Nogueira Spinardi

Apelado: 17º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 43.585

Registro de imóveis – Dúvida – Escritura Pública de Compra e Venda – Certidão Negativa de Débito – CND – Exigência afastada – Item 117.1 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça – Precedentes do Conselho Superior da Magistratura e do Conselho Nacional de Justiça – Veto à revogação do art. 47 da Lei Nº 8.212/91 que não altera o panorama legislativo da matéria – Exigência de averbação da alteração da razão social da pessoa jurídica alienante – Documentos que permitem identificação entre a pessoa jurídica proprietária tabular e aquela mencionada no título – Óbice afastado – Apelo provido.

Trata-se de apelação interposta por LUÍS ANTONIO NOGUEIRA SPINARDI em face da r. sentença de fls. 199/207, proferida pela MMª Juíza Corregedora Permanente do 17º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, que, em procedimento de dúvida, manteve a qualificação negativa para registro da escritura pública de compra e venda lavrada em 19 de abril de 2023 (livro 775, pags. 080/083) pelo 1º Tabelionato de Notas da Comarca de Itatiba, tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 8.417.

A apelação busca a reforma da sentença, a fim de permitir o ingresso do título ao fólio real. Alega que a exigência de apresentação de CND afronta previsão contida nas NSCGJ, além de contrariar entendimento do Conselho Superior da Magistratura e do Conselho Nacional da Justiça, no sentido de autorizar a dispensa aos Cartórios de Registro de Imóveis da apresentação de certidão negativa de débito (CND) nas operações notarias. Quanto à divergência da denominação social, assinala que o nome social da pessoa jurídica é POMGAR COMÉRCIO REPRESENTAÇÕES E SERVIÇOS DE AUTOPEÇAS LTDA, constante nos documentos societários da pessoa jurídica, inexistindo dúvida quanto à identidade societária pelo número de inscrição do CNPJ nº 61.245.551/0001-00 (fls. 210/240).

A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do apelo (fls. 259/264).

É o relatório.

A apelação merece provimento.

O apelante apresentou para registro ao 17º Oficial de Registro de Imóveis da Capital escritura pública de compra e venda lavrada em 19 de abril de 2023, pag. 80/83, do livro 775 e Ato Retificatório lavrado em 31 de julho de 2023, pag. 022, do Livro 781, pela 1ª Tabeliã de Notas de Itatiba, tendo por objeto o imóvel da matrícula nº 8.417 daquela Serventia, título que foi prenotado sob nº 282.129 e recebeu a seguinte Nota Devolutiva (fls. 19/29):

“Em atenção aos arts. 47 e 48 da Lei 8.212/91:

‘Art. 47. É exigida Certidão Negativa de Débito-CND, fornecida pelo órgão competente, nos seguintes casos:

I – da empresa:

(…)

b) na alienação ou oneração, a qualquer título, de bem imóvel ou direito a ele relativo’

‘Art. 48. A prática de ato com inobservância do disposto no artigo anterior, ou o seu registro, acarretará a responsabilidade solidária dos contratantes e do oficial que lavrar ou registrar o instrumento, sendo o ato nulo para todos os efeitos.

(…)

§3º. O servidor, o serventuário da Justiça, o titular de serventia extrajudicial e a autoridade ou órgão que infringirem o disposto no artigo anterior incorrerão em multa aplicada na forma estabelecida no art. 92, sem prejuízo da responsabilidade administrativa e penal cabível’.

(…)

1.1. Face ao exposto, necessária a apresentação de certidão negativa relativa a créditos tributários federais e à dívida ativa da União, abrangendo inclusive as contribuições previdenciárias e as de terceiros, emitida pela Secretaria da Receita Federal, em nome da vendedora POMGAR – COMÉRCIO REPRESENTAÇÕES E SERVIÇOS DE AUTO PEÇAS LTDA, válida à época da prenotação, tendo em vista que não fora possível a emissão pelo site da Receita Federal ou o afastamento da referida exigência em decisão em procedimento de dúvida nos termos do art. 198 e seguintes da Lei 6.015/73 (…)

2. O título apresentado e a matrícula 8.417 divergem em relação à razão social da transmitente/vendedora, já que na matrícula consta a denominação de POMGAR – COMÉRCIO REPRESENTAÇÃO E SERVIÇOS DE AUTO PEÇAS LTDA., enquanto que no título indica-se POMGAR – COMÉRCIO REPRESENTAÇÕES E SERVIÇOS DE AUTO PEÇAS LTDA.

Assim sendo, pede-se apresentar o contrato social da transmitente, com a referida alteração e o respectivo registro no órgão competente, em via original ou cópia autenticada, ou retificar o título no que se refere a esse elemento de identificação.”

Como se observa da nota devolutiva, dois foram os óbices.

Quanto ao primeiro, relativamente à apresentação de Certidão Negativa de Débito CND, o afastamento da exigência se impõe, pois aplicável o item 117.1 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, que preceitua:

“117.1. Com exceção do recolhimento do imposto de transmissão e prova de recolhimento do laudêmio, quando devidos, nenhuma exigência relativa à quitação de débitos para com a Fazenda Pública, inclusive quitação de débitos previdenciários, fará o oficial, para o registro de títulos particulares, notariais ou judiciais.”

Pois bem.

A jurisprudência consolidada deste Conselho é no sentido de que exigir certidões negativas de tributos federais e contribuições previdenciárias para a prática de ato de registro caracteriza exercício abusivo de cobrar tributos. Consoante reiteradas decisões, inclusive do Supremo Tribunal Federal, “o Estado não pode valer-se de meios indiretos de coerção, convertendo-os em instrumentos de acertamento da elação tributária, para, em função deles e mediante interdição ou grave restrição ao exercício da atividade empresarial, econômica ou profissional constranger o contribuinte a adimplir obrigações fiscais eventualmente em atraso” (STF, RE 666405/RS, Rel. Min. Celso de Mello).

Ainda sobre o tema, julgados deste Conselho:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA – INSTRUMENTO PARTICULAR DE CESSÃO DE DIREITOS – CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO – CND – EXIGÊNCIA AFASTADA, SEGUNDO ATUAL ORIENTAÇÃO DESTE CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA E DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – SUBITEM 117.1, CAPÍTULO XX, TOMO II, DAS NORMAS DE SERVIÇO DA CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA – APELO PROVIDO” (CSM/SP – apelação nº 1003559-67.2022.8.26.0198, Rel. Des. Torres Garcia, j. em 22/09/2023).

“Registro de Imóveis – Carta de Adjudicação – Desqualificação do título judicial, exigindo-se certidão negativa de débitos (CND) expedida conjuntamente pela Receita Federal e pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional – Impossibilidade Item 119.1, do Capítulo XX, Tomo II, das NSCGJ – Registrador que não pode assumir o papel de fiscal dos tributos não vinculados ao ato registrado – Dúvida improcedente – Apelação provida” (Apelação Cível n. 1000791-27.2017.8.26.0625, Rel. Des. Geraldo Francisco Pinheiro Franco, j. 15.5.2018, DJe 17.7.2018).”

Caracterizaria, em síntese, restrição a interesses privados em desacordo com a orientação do E. STF, a qual se alinhou este C. CSM, e, nessa trilha, incompatível com limitações inerentes ao devido processo legal, porque mascararia uma cobrança por quem não é a autoridade competente, longe do procedimento adequado à defesa dos direitos do contribuinte, em atividade estranha à fiscalização que lhe foi cometida, ao seu fundamento e fins legais, dado que as obrigações tributárias em foco não decorrem do ato registral buscado.

E os respeitáveis argumentos apresentados na r. sentença recorrida não têm o condão de modificar o entendimento já consolidado. Isso porque as diversas decisões judiciais e administrativas mencionadas, que resultaram no afastamento da exigência das certidões e na inserção do item 117.1 no Capítulo XX das NSCGJ, foram proferidas enquanto vigentes os artigos 47 e 48 da Lei nº 8.212/91.

Assim, ainda que o dispositivo legal que revogava em parte o art. 47 da Lei nº 8.212/91 tenha sido vetado (art. 20, IV, da Lei nº 14.382/2022), não houve alteração no panorama legislativo da matéria.

Em outras palavras: o art. 47 da Lei nº 8.212/91 permanece em vigor, assim como já ocorria quando a tese que dispensou a apresentação de CND passou a prevalecer.

No que se refere ao segundo óbice, verifica-se que está ele embasado na divergência da denominação da pessoa jurídica no título (POMGAR COMÉRCIO, REPRESENTAÇÕES E SERVIÇOS DE AUTOPEÇAS LTDA) e na matrícula do imóvel (POMGAR COMÉRCIO REPRESENTAÇÃO E SERVIÇOS DE AUTOPEÇAS LTDA). Em ambos os casos, o CNPJ é de nº 61.245.551/0001-00.

A despeito da sutil divergência na denominação da razão social da vendedora, os documentos dos autos comprovam que a razão social da vendedora transmitente é aquela que consta do título levado a registro (POMGAR COMÉRCIO REPRESENTAÇÕES E SERVIÇOS DE AUTOPEÇAS LTDA), o mesmo que consta na Ficha Cadastral da JUCESP, onde registrados seu contrato social e demais atos cadastrais.

Portanto, comprovada a identidade, inconfundível a pessoa jurídica constante no título e a que figura como proprietária tabular, não há que se falar em ofensa ao princípio da especialidade subjetiva.

No mais, nada impede que, posteriormente, a alteração da razão social da pessoa jurídica em questão seja objeto de averbação junto à matrícula do imóvel, pois a Lei 6.015/73 prevê a retificação do registro de imóveis sempre que se fizer necessária inserção ou modificação dos dados de qualificação pessoal das partes.

Com tais considerações, respeitado o entendimento da MMª Juíza Corregedora, concluindo que não haverá quebra na linha de continuidade a macular o registro, conclui-se que a recusa não deve prevalecer.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro da escritura pública de compra e venda na matrícula nº 8.417 do 17º Registro de Imóveis da Capital.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 22.10.2024 – SP)