CSM|SP: Dúvida – Registro de Imóveis – Carta de adjudicação – Título judicial que se sujeita à qualificação registral – Imóvel integrante de loteamento não regularizado perante o Registro de Imóveis, embora aprovado pela Prefeitura Municipal para fins tributários – Adjudicação é modo derivado de aquisição do domínio – Princípios da continuidade e da disponibilidade devem ser respeitados – Impossibilidade de acesso ao fólio real enquanto não atendidos os requisitos legais para registro do loteamento – Recurso a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1029608-86.2023.8.26.0562, da Comarca de Santos, em que são apelantes LUIZ CARLOS HORTA e CLAUDIA CRISTINA AUGUSTO HORTA, é apelado PRIMEIRO OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE SANTOS.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v. u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 25 de outubro de 2024.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1029608-86.2023.8.26.0562
APELANTES: Luiz Carlos Horta e Claudia Cristina Augusto Horta
APELADO: Primeiro Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Santos
VOTO Nº 43.603
Dúvida – Registro de Imóveis – Carta de adjudicação – Título judicial que se sujeita à qualificação registral – Imóvel integrante de loteamento não regularizado perante o Registro de Imóveis, embora aprovado pela Prefeitura Municipal para fins tributários – Adjudicação é modo derivado de aquisição do domínio – Princípios da continuidade e da disponibilidade devem ser respeitados – Impossibilidade de acesso ao fólio real enquanto não atendidos os requisitos legais para registro do loteamento – Recurso a que se nega provimento.
Trata-se de recurso de apelação interposto por Luiz Carlos Horta e Claudia Cristina Augusto Horta contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Santos, que julgou procedente a dúvida inversamente suscitada e manteve a recusa ao registro da carta de adjudicação extraída do processo de autos nº 1003501-39.2022.8.26.0562, 11ª Vara Cível da Comarca de Santos, a qual envolve um lote de terreno designado como de n.14, quadra 71, gleba 2, do Jardim Bom Retiro, inserido em área maior objeto da Transcrição n.29.615 daquela serventia (prenotação nº 330.791, fl. 47, parágrafo 5).
Fê-lo a sentença, após esclarecimento sobre a impossibilidade de dilação probatória no processo de dúvida, porque o imóvel objeto da ação de adjudicação compulsória está situado em loteamento não regularizado perante o Registro de Imóveis (fls. 255/260).
O Oficial informou que o loteamento não foi registrado com base na legislação aplicável, seja a Lei n. 6.766/79, o Decreto n. 58/37 ou a Lei n. 13.465/17; que, embora tenha havido averbação sobre o parcelamento, inclusive com aprovação pela municipalidade, não se produziu a documentação necessária ao registro; que a propriedade somente poderá ser regularizada por meio da ação de usucapião por se tratar de modo originário (fls. 46/48).
Em seu recurso, a parte apelante defende que o imóvel já está regularizado, contando inclusive com inscrição imobiliária que indica a metragem específica do lote, sem compreender a gleba como um todo; que documentos da Secretaria de Obras do município de Santos comprovam que os lotes foram devidamente regularizados perante a municipalidade, tanto que há cobrança individualizada de IPTU de acordo com a metragem de cada bem; que outros lotes vizinhos já possuem matrícula perante a serventia extrajudicial; que não há fundamento legal a impedir o ingresso; que havia necessidade de oitiva do município (fls. 268/274).
A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 298/300).
É o relatório.
Inicialmente importante observar que, ainda que se trate de título judicial, tal fato não o torna imune à qualificação registral.
De fato, o Oficial, titular ou interino, dispõe de autonomia no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei nº 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.
Esta conclusão se reforça pelo disposto no item 117, do Capítulo XX, das Normas de Serviço[1], bem como pelo entendimento jurisprudencial pacífico no sentido de que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n. 413-6/7; Apelação Cível n. 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação Cível n. 0005176-34.2019.8.26.0344 e Apelação Cível n. 1001015-36.2019.8.26.0223).
Vale também observar que, como a manifestação do município não era mesmo imprescindível ao julgamento, possível análise do mérito.
No caso concreto, vê-se que o ingresso da carta de adjudicação foi obstado porque o imóvel se situa em loteamento ainda não registrado perante a serventia imobiliária (fls. 101/109 e 110/147).
A alienação forçada em processo judicial encerra transmissão derivada do direito de propriedade. No caso da adjudicação judicial, parece claro o vínculo existente entre o direito adjudicado e o direito preexistente do qual aquele deriva, pois, sem a propriedade primitiva, a adjudicação não seria possível.
Assim e como não registrado o loteamento ou regularizado o parcelamento do solo na forma prescrita em lei, pode-se concluir que, juridicamente, o lote ainda não existe.
Justamente por se tratar de loteamento irregular, todas as referências quanto ao lote e às quadras municipais, ainda não constantes do registro, são insuficientes para identificação da área.
Nota-se, também, que o imóvel principal está identificado no registro imobiliário apenas como “as terras do Sítio Palmeiras e Bom Retiro, também outrora chamado Santa Maria e Ilhas das Palmas”, o qual sofreu diversos desmembramentos (fls. 49/147).
O que se quer dizer é que a descrição existente perante o Registro de Imóveis (na hipótese, na transcrição em questão), deveria permitir localização, no todo, da parcela prometida a venda, com identificação, no espaço geográfico delimitado pelo registro, da porção destacada para fins de controle da disponibilidade (a transcrição em questão nada disso permite).
Neste sentido é o voto condutor do acórdão proferido na Apelação Cível n. 188-6/9:
“(…) Quando se tratar, por exemplo, de alienação de parte de um imóvel, necessário será que a descrição da parte permita localizá-la no todo e, ao mesmo tempo, contenha todos os elementos necessários à abertura da matrícula (conf. Jorge Seabra Magalhães, ob. cit., p. 63)” (Retificação do Registro de Imóveis, Ed. Oliveira Mendes, São Paulo, 1997, p. 68). Em que pese a alegação de que o parcelamento é antigo, anterior à Lei n° 6.766/79 e realizado na vigência do Decreto-lei nº 58/37, cumpre ter em mente que, no âmbito do Registro Imobiliário propriamente dito, não se encontram dados suficientes para individualizar o ‘lote’ em testilha, bem como o remanescente da área total primitiva. Do ponto de vista tabular, não modificam a situação a existência de certidões expedidas pela Prefeitura Municipal de Jandira (fls.), referentes ao cadastramento de tal terreno, nem a juntada de plantas pela recorrente (fls.). São documentos que poderão subsidiar pedido futuro, voltado à retificação ou regularização registrária, mas que não têm o condão, por estranhos ao fólio real, de viabilizar o pronto registro pretendido. Nessa esteira, já decidiu este Conselho, ao apreciar a Apelação Cível nº 35.016-0/4, que “não há como registrar parcela destacada de área maior, quando não for possível controlar, com eficiência, a partir de elementos tabulares, a disponibilidade da área destacada e da remanescente”.
Ainda que haja notícia de aprovação do parcelamento pela Prefeitura Municipal e de inscrição municipal do bem enquanto lote individualizado para fins tributários (fls. 06/28), tais fatos não suprem a necessidade de regularização da situação do imóvel principal perante a serventia extrajudicial, o que somente se dará por meio do registro do loteamento na forma da lei competente.
A propósito, os precedentes deste E. Conselho Superior da Magistratura:
“A venda de lote de loteamento pressupõe a existência do loteamento – tanto na sistemática da Lei 6.766/79, quanto no anterior Dec. – Lei 58/37. O fato de se tratar de compromisso de compra e venda celebrado anteriormente à Lei n. 6.766/79 em nada favorece a pretensão de registro de lote de loteamento irregular” (Apelação Cível n. 012703-0/1, Relator Des. Onei Raphael – D.O.J. 16.09.91).
“Registro de Imóveis – Dúvida – Loteamento não registrado – Carta de adjudicação que tem por objeto parcela destacada da área maior – Imprescindibilidade de prévia regularização do parcelamento – Recurso não provido” (Apelação Cível n. 28.849-0/9, Relator Des. Márcio Martins Bonilha).
“Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Carta de adjudicação – Loteamento não registrado – Necessidade de prévia regularização – Disponibilidade – Especialidade objetiva – Recurso a que se nega provimento” (Apelação Cível n. 1005093-68.2022.8.26.0223, j. em 05 de setembro de 2023, Rel. Des. Fernando Antonio Torres Garcia).
Esta conclusão também não se abala pela abertura de matrícula para alguns dos lotes vizinhos (fls. 29/34), o que somente foi possível enquanto não constatada a situação irregular.
O próprio Oficial confirmou que novos registros não são mais realizados após determinação da Corregedoria Geral neste sentido (fl. 239).
Aparentemente, o parcelamento do solo se encontra em via de regularização, já aprovado pela Prefeitura e com lançamento fiscal individualizado.
Sucede, porém, que a regularização em curso não ingressou no registro imobiliário, onde consta somente a transcrição da gleba maior.
Disso decorre que o ingresso do título derivado violaria de frente o princípio da especialidade objetiva.
Vale consignar, por fim, que a regularização do domínio também poderá se dar pela via originária (usucapião), que inauguraria nova cadeia dominial.
Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Nota:
[1] “117. Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.
(DJe de 07.11.2024 – SP)