CSM|SP: Direito registral – Registro de imóveis – Procedimento de dúvida – Escritura pública de inventário conjunto e partilha de bens – Preliminar de nulidade do procedimento afastada – Fundamentação e análise exaustiva do título levado a registro – Exigências que constam expressamente da nota devolutiva expedida pelo registrador, assim como as razões pelas quais foram formuladas – Divergência entre o estado civil da falecida constante da certidão de casamento e da certidão de óbito apresentadas – Averbação da separação judicial no assento de casamento que faz prova do estado civil da falecida – Anotações feitas no registro de óbito que giram em torno do fato certo da morte, mas não têm eficácia para desfazer a força probante do assento de casamento – Art. 80 da Lei nº 6.015/1973 – Conteúdo informativo e não, constitutivo de direitos – Óbice afastado – Exigência de prova da ausência de partilha dos bens comuns do casal, por ocasião da separação judicial – Imóvel adquirido onerosamente pelos falecidos quando eram casados, entre si, sob o regime da comunhão universal de bens – Mancomunhão instituída pelo casamento que não se extingue pela separação judicial sem que haja efetiva partilha do patrimônio comum – Imóvel levado ao inventário em sua totalidade – Ofensa ao princípio da continuidade registral não configurada – Precedentes invocados pelo registrador que tratam de hipóteses diversas – Partilha dos bens comuns dos falecidos que se resolve pela sucessão hereditária – Óbice afastado – Apresentação da certidão de casamento atualizada e de pacto antenupcial da herdeira filha – Exigência que não se relaciona com a ordem de vocação hereditária, mas com a preservação do princípio da especialidade subjetiva – Providência que, ao tempo da qualificação do título, não se faz necessária – Óbice afastado – Apelação provida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1005867-80.2024.8.26.0562, da Comarca de Santos, em que são apelantes TROY DE CARVALHO WEISS e SANDRO MARCELINO LUCA, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE SANTOS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 13 de novembro de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1005867-80.2024.8.26.0562

APELANTES: Troy de Carvalho Weiss e Sandro Marcelino Luca

APELADO: 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Santos

VOTO Nº 43.624

Direito registral – Registro de imóveis – Procedimento de dúvida – Escritura pública de inventário conjunto e partilha de bens – Preliminar de nulidade do procedimento afastada – Fundamentação e análise exaustiva do título levado a registro – Exigências que constam expressamente da nota devolutiva expedida pelo registrador, assim como as razões pelas quais foram formuladas – Divergência entre o estado civil da falecida constante da certidão de casamento e da certidão de óbito apresentadas – Averbação da separação judicial no assento de casamento que faz prova do estado civil da falecida – Anotações feitas no registro de óbito que giram em torno do fato certo da morte, mas não têm eficácia para desfazer a força probante do assento de casamento – Art. 80 da Lei nº 6.015/1973 – Conteúdo informativo e não, constitutivo de direitos – Óbice afastado – Exigência de prova da ausência de partilha dos bens comuns do casal, por ocasião da separação judicial – Imóvel adquirido onerosamente pelos falecidos quando eram casados, entre si, sob o regime da comunhão universal de bens – Mancomunhão instituída pelo casamento que não se extingue pela separação judicial sem que haja efetiva partilha do patrimônio comum – Imóvel levado ao inventário em sua totalidade – Ofensa ao princípio da continuidade registral não configurada – Precedentes invocados pelo registrador que tratam de hipóteses diversas – Partilha dos bens comuns dos falecidos que se resolve pela sucessão hereditária – Óbice afastado – Apresentação da certidão de casamento atualizada e de pacto antenupcial da herdeira filha – Exigência que não se relaciona com a ordem de vocação hereditária, mas com a preservação do princípio da especialidade subjetiva – Providência que, ao tempo da qualificação do título, não se faz necessária – Óbice afastado – Apelação provida.

Trata-se de apelação interposta por Troy de Carvalho Weiss contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis de Santos/SP, que manteve a recusa de registro da escritura pública de inventário e partilha, tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 32.128 junto à referida serventia extrajudicial (fls. 141/153).

Alega o apelante, em síntese, que o Oficial não observou aos mandamentos administrativos de fundamentação e exame exaustivo do título para elaborar a nota de devolução, pois foi exigida a certidão de casamento da herdeira filha, Tammy de Carvalho Weiss, mas somente apresentadas as razões de tal exigência quando da suscitação da presente dúvida. Argumenta que o óbice referente à partilha de bens de Carlos Roberto Weiss Jane Maria de Carvalho Weiss deve ser afastado, pois não noticiada na certidão de matrícula, tampouco na certidão de casamento, a extinção da comunhão de bens. Afirma que os documentos levados ao Oficial respeitam o necessário encadeamento entre as informações inscritas e as que se pretende inscrever, especialmente a alteração do estado civil de Carlos Roberto Weiss (de casado para separado) e de Jane Maria de Carvalho Weiss (de casada para separada e, após, viúva), assim como a ausência de celebração de novas núpcias pelos inventariados. Aduz que os precedentes utilizados pelo Oficial para justificar os óbices não se aplicam ao caso concreto.

Sustenta que a alteração do estado civil da herdeira Tammy de Carvalho Weiss (de casada para divorciada), depois da abertura da sucessão de Carlos Roberto Weiss, não influencia no registro do título pretendido porque ela não figura como adquirente. Por fim, assevera que a divergência no estado civil de Jane Maria de Carvalho Weiss, em sua certidão de óbito, deve ser desconsiderada ante a presunção de veracidade das informações contidas em sua certidão de casamento (fls. 160/178).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 205/208).

É o relatório.

Inicialmente, há que ser afastada a alegada ausência de fundamentação e análise exaustiva do título levado a registro, eis que a necessidade de apresentação da certidão de casamento atualizada e pacto antenupcial da herdeira filha, Tammy de Carvalho Weiss, consta expressamente da nota devolutiva expedida pelo registrador, assim como as razões da exigência formulada (“…para que seja esclarecido o seu estado civil na época do falecimento de CARLOS ROBERTO WEISS (2016), em observância ao Princípio Registrário da Especialidade Subjetiva, na forma como determina o artigo 176, § 1º, III, 2, “a” da Lei nº 6.015/73″ – fls. 105/106).

O apelante requereu o registro da escritura pública de inventário e partilha dos bens deixados pelo falecimento de Carlos Roberto Weiss Jane Maria de Carvalho Weiss (fls. 29/35), tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 32.128 junto ao 2º Oficial de Registro de Imóveis de Santos/SP.

O Oficial qualificou negativamente o título, expedindo nota de devolução nos seguintes termos (fls. 105/106):

– Necessário esclarecer o estado civil de JANE MARIA DE CARVALHO WEISS na certidão de óbito apresentada, tendo em vista constar como sendo “divorciada”, quando na certidão de casamento consta como sendo “separada”.

– Necessário apresentar certidão de casamento atualizada (original ou cópia autenticada), de TAMMY DE CARVALHO WEISS, para que seja esclarecido o seu estado civil na época do falecimento de CARLOS ROBERTO WEISS (2016), em observância ao Princípio Registrário da Especialidade Subjetiva, na forma como determina o artigo 176, § 1º, III, 2, “a” da Lei nº 6.015/73.

Atentar para a necessidade da apresentação do pacto antenupcial, bem como, da qualificação do ex-cônjuge.

– Verifica-se que a parte ideal de 58,42% do imóvel é de propriedade (em mancomunhão) de CARLOS ROBERTO WEISS casado sob o regime da comunhão de bens, antes da vigência da Lei nº 6.515/77, com JANE MARIA DE CARVALHO WEISS, conforme a certidão de casamento apresentada houve a separação consensual do casal desde 13/06/1985.

Ocorre que na falta da partilha, a situação jurídica do imóvel é de mancomunhão, não de condomínio;

Nessa ordem de ideias, não é possível aplicar o regramento legal concernente ao condomínio diante da falta da atribuição da propriedade a cada um dos antigos cônjuges.

(…)

– Necessário que seja apresentada a referida partilha de bens, para que possamos verificar se o imóvel (m. 32.128) foi objeto de partilha, caso o mesmo não tenha sido partilhado, este continua a pertencer a ambos os cônjuges em estado de mancomunhão, sendo possível o registro do presente título.

Da certidão da matrícula nº 32.128 do 2º Oficial de Registro de Imóveis de Santos/SP (fls. 22/25), depreende-se que Carlos Roberto Weiss Jane Maria de Carvalho Weiss figuram como proprietários de 58,42% do imóvel objeto da escritura de inventário e partilha realizada em favor dos herdeiros Troy de Carvalho Weiss, ora apelante, e sua irmã, Tammy de Carvalho Weiss (fls. 29/35).

Os documentos que instruíram a presente dúvida demonstram a alteração no estado civil dos coproprietários (fls. 63/64, 85/86 e 87/88), ocorrida antes da abertura da sucessão. Destaque-se, nesse sentido, que a certidão de casamento apresentada (fls. 63/64) permite concluir que Carlos Roberto Weiss Jane Maria de Carvalho Weiss eram separados judicialmente e não, divorciados, como constou da certidão de óbito da falecida (fls. 87/88).

A propósito, importa lembrar que as anotações feitas no registro de óbito, listadas no art. 80 da Lei nº 6.015/1973, giram em torno do fato certo da morte e não têm eficácia para desfazer a força probante do assento de casamento, este sim o único que se presta a demonstrar as vicissitudes que tenha sofrido o matrimônio dos autores da herança.

Por outras palavras, esses elementos são apenas informativos e têm por principal objetivo trazer dados detalhados sobre a pessoa falecida, inclusive no que concerne a seus bens e herdeiros, podendo ser apresentados, inclusive, por alguém que sequer é parente do de cujus (cf. art. 79, números 4, 5 e 6, da Lei de Registros Públicos).

Nessa ordem de ideias, porque não há dúvidas de que os proprietários do imóvel se separaram judicialmente em 13.09.1985 (fls. 63/64), o primeiro óbice apresentado pelo registrador não merece subsistir.

Por outro lado, comprovada a separação judicial dos titulares de domínio, importa analisar a exigência relativa à necessidade de prova da inexistência de prévia partilha dos bens do casal.

Ao suscitar a presente dúvida, esclareceu o Oficial que a apresentação da carta de sentença expedida nos autos da ação de separação judicial destina-se a comprovar a situação de mancomunhão do imóvel objeto da escritura de inventário e partilha ora apresentada a registro. Justificou a exigência ao argumento de que, na hipótese de ter sido o bem partilhado por ocasião da separação do casal, não seria possível a partilha agora realizada em favor dos herdeiros sem o prévio registro do título anterior, sob pena de ofensa ao princípio da continuidade registral. Assim, consignou que, uma vez comprovada a manutenção do estado de mancomunhão sobre o imóvel até o falecimento dos titulares de domínio, não haveria obstáculo ao registro do título em questão.

A despeito da cautela demonstrada pelo registrador, não se vislumbra razão para manutenção da exigência formulada. Com efeito, o próprio registrador reconhece que, à falta de partilha do imóvel por ocasião da separação judicial do casal, mostra-se perfeitamente possível o ingresso, no fólio real, da escritura pública de inventário e partilha em discussão, tal como lavrada.

E assim é porque o imóvel foi adquirido onerosamente pelos falecidos quando eram casados, entre si, sob o regime da comunhão de bens, tratando-se, portanto, de bem comum. Logo, apesar da separação judicial do casal, a mancomunhão instituída pelo casamento não se extingue sem que haja efetiva partilha do patrimônio comum. Consoante ensina Maria Berenice Dias:

“Quer no casamento, quer na união estável, quando o regime do casamento prevê a comunhão do patrimônio adquirido durante o período de convívio, os bens pertencem a ambos em partes iguais. A presunção é que foram adquiridos pela comunhão de esforços para amealhá-los. Cada um é titular da metade e tem direito à meação de cada um dos bens. Esta copropriedade recebe o nome de mancomunhão, expressão corrente na doutrina, que, no entanto, não dispõe de previsão legal.

É o estado dos bens conjugais antes de sua efetiva partilha. Nada mais significa do que propriedade em “mão comum”, ou seja, pertencente a ambos os cônjuges ou companheiros. Tal figura distingue-se do condomínio: quando o casal detém o bem ou coisa simultaneamente, com direito a uma fração ideal, podendo alienar ou gravar seus direitos, observada a preferência do outro (CC 1.314 e seguintes). O estado de mancomunhão inviabiliza a transmissão (e o respectivo registro) de partes ideais pelos antigos cônjuges por razões de duas ordens: (i) ausência de partilha, o que impossibilita o conhecimento acerca da atribuição da titularidade da propriedade e (ii) violação do princípio da continuidade por não ser possível a inscrição da transmissão da propriedade a falta da extinção da mancomunhão que não tem natureza jurídica de condomínio” (Manual das famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, e-book, 2017).

Os precedentes mencionados pelo registrador não se aplicam à hipótese em análise, pois naqueles casos a controvérsia dizia respeito à alienação ou à transmissão por sucessão de parte ideal do imóvel pertencente aos antigos cônjuges. No caso concreto, a situação é outra: o imóvel objeto da matrícula nº 32.128 do 2º Oficial de Registro de Imóveis de Santos/SP, adquirido pelos falecidos na constância do casamento, sob o regime da comunhão de bens – pertencente, pois, em sua totalidade, a ambos os ex-cônjuges – foi integralmente levado ao inventário para apuração da parte cabente a cada qual e consequente extinção da comunhão, com subsequente transmissão aos herdeiros.

Em outras palavras, porque não se trata de hipótese de transmissão (e respectivo registro) de partes ideais pelos antigos cônjuges, não há que se falar em ofensa ao princípio da continuidade.

Por conseguinte, não se justifica a manutenção da exigência de prova de fato negativo, qual seja, de que não houve partilha do patrimônio comum quando da separação judicial do casal. Mantido o estado de mancomunhão, a partilha do bem comum de Carlos Roberto Weiss Jane Maria de Carvalho Weiss se resolve pela sucessão hereditária.

Nem se alegue que a parte final da Nota referente à alínea “14”, letra “b”, item 9 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça levaria a uma conclusão diversa. É que a extinção da mancomunhão e consequente mudança do regime jurídico dos bens comuns, com o surgimento do condomínio pro indiviso, só ocorre com dissolução da sociedade conjugal em que haja deliberação pela manutenção dos bens em nome de ambos os ex-cônjuges. Em não havendo partilha com atribuição dos respectivos quinhões, como ocorre in casu, a situação de mancomunhão perdura.

Por fim, em relação à apresentação de certidão de casamento atualizada e de pacto antenupcial da herdeira filha, Tammy de Carvalho Weiss, cumpre anotar, por oportuno, que o documento exibido pelo interessado no curso da dúvida (fls. 128) não torna prejudicado o procedimento, pois não se destina a atender à exigência formulada pelo registrador, mas sim, reforçar a impertinência do óbice levantado.

E, de fato, não assiste razão ao Oficial também nesse ponto. É que tal exigência não se relaciona com a ordem de vocação hereditária, de maneira que só teria sentido se a providência servisse para preservar o princípio da especialidade subjetiva e favorecer o controle de disponibilidade. Assim seria, se, por exemplo, a partilha dos bens do falecido Carlos Roberto Weiss (finado em 2016) tivesse sido trazida a registro à época em que Tammy de Carvalho Weiss ainda estava casada em regime da comunhão universal ou parcial, hipótese em que, por força do disposto no art. 1.647, inciso I, do Código Civil, a perfeita individuação do estado civil dessa herdeira seria indispensável para verificar-se a existência de disposição válida, em caso de alienação ou oneração do bem de raiz (art. 1.649 do Código Civil). Agora, contudo, ao tempo da qualificação, a providência não se faz mais necessária, porque Tammy de Carvalho Weiss já está divorciada (fls. 74 e 128), de sorte que a recuperação da cadeia de seus estados civis e regimes de bens no matrimônio não corresponde a eficácia alguma. Ademais, o princípio da legalidade impõe que apenas se efetuem inscrições eficazes, de modo que o registro não se converta em local de acesso para não importa quais títulos ou mesmo se confunda com um mero arquivo de informações.

Em suma, os óbices apresentados pelo registrador não merecem subsistir, sendo de rigor a improcedência da dúvida para consequente ingresso do título na tábua registral.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 26.11.2024 – SP)