CSM|SP: Registro de Imóveis – Usucapião extrajudicial – Impugnação fundamentada oposta por pessoa notificada tanto na qualidade de titular do domínio como de confrontante – Questionamentos que envolvem o exercício da posse, a descrição do bem e divergências entre a área negociada e a área objeto da usucapião – Impossibilidade de prosseguimento na via administrativa – Incidência dos itens 420.3, 420.5 e 420.7 do Capítulo XX das NSCGJ – Precedentes deste Conselho Superior da Magistratura – Apelação provida, determinando-se a extinção da usucapião extrajudicial e remessa dos interessados às vias ordinárias.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1013408-63.2023.8.26.0510, da Comarca de Rio Claro, em que é apelante JOSÉ ROBERTO CHRISTOFOLETTI, são apelados 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE RIO CLARO, ANTONIO CARLOS ZENERATO, JOSÉ ROBERTO ZENERATO, VERA LÚCIA HAACH ZENERATO e CASSIA BRUNINI NORCIA ZENERATO.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação, determinando a extinção da usucapião extrajudicial, com cancelamento da prenotação e remessa dos interessados às vias ordinárias para solução do conflito, nos termos do item 420.7 do Capítulo XX das NSCGJ, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 27 de novembro de 2024.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1013408-63.2023.8.26.0510
Apelante: José Roberto Christofoletti
Apelados: 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Rio Claro, Antonio Carlos Zenerato, José Roberto Zenerato, Vera Lúcia Haach Zenerato e Cassia Brunini Norcia Zenerato
VOTO Nº 43.643
Registro de Imóveis – Usucapião extrajudicial – Impugnação fundamentada oposta por pessoa notificada tanto na qualidade de titular do domínio como de confrontante – Questionamentos que envolvem o exercício da posse, a descrição do bem e divergências entre a área negociada e a área objeto da usucapião – Impossibilidade de prosseguimento na via administrativa – Incidência dos itens 420.3, 420.5 e 420.7 do Capítulo XX das NSCGJ – Precedentes deste Conselho Superior da Magistratura – Apelação provida, determinando-se a extinção da usucapião extrajudicial e remessa dos interessados às vias ordinárias.
Trata-se de apelação interposta por José Roberto Christofoletti contra a r. sentença de fls. 572/574, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 1º Registro de Imóveis e Anexos de Rio Claro, que, em procedimento de usucapião extrajudicial iniciado por Antonio Carlos Zenerato e outros, rejeitou a impugnação apresentada pelo ora apelante e determinou o retorno dos autos à serventia imobiliária para prosseguimento do procedimento de usucapião.
Em preliminar, o apelante alega a inépcia da inicial por ausência de documentos e falta de causa de pedir. No mérito, contesta a posse mansa e pacífica dos apelados sobre o imóvel e insiste na existência de sobreposição de área, sustentando que as informações constantes da escritura pública de compra e venda destoam do memorial descritivo e do levantamento topográfico. Alega divergências entre as deflexões do imóvel descritas nos documentos de origem, apresentados pelos impugnados, e as verificadas por meio do croqui de reconstituição da matrícula. Sustenta, ainda, que a rejeição de seu pedido de diligências in loco para verificação das confrontações e para medição de área configurou cerceamento de defesa. Pede, ao final, o acolhimento da impugnação e, subsidiariamente, a realização de diligências para verificação da área e a tentativa de conciliação (577/598).
Os apelados apresentaram contrarrazões (fls. 605/627).
A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 638/639).
Por meio da r. decisão de fls. 640/641, o feito foi redistribuído a este Conselho Superior da Magistratura.
Em nova manifestação, a Procuradoria de Justiça alegou não ter interesse no feito (fls. 655/656).
É o relatório.
Trata-se de pedido de usucapião extrajudicial formulado por Antonio Carlos Zenerato e outros, visando à declaração de domínio de parte do imóvel descrito na matrícula nº 56.859 do 1º Registro de Imóveis de Rio Claro (fls. 73/76).
Notificado por ser confrontante (fls. 234) e titular de domínio do imóvel usucapiendo (fls. 73/76), o ora apelante apresentou impugnação, que foi considerada infundada pelo registrador.
Interposto o recurso previsto na parte final do item 420.3 do Capítulo XX[1] (fls. 473/495), o MM. Juiz Corregedor Permanente concordou com o Oficial em relação à rejeição da impugnação (fls. 572/574).
Novamente inconformado, o ora apelante apresentou a presente insurgência.
E é caso de se dar provimento ao recurso.
É certo que o § 10 do art. 216-A da Lei nº 6.015/73[2] e o item 420.2 do Capítulo XX das NSCGJ[3] flexibilizaram o cabimento da usucapião extrajudicial, permitindo a avaliação e o afastamento de impugnações claramente impertinentes ou protelatórias. A impugnação do apelante, porém, nesta esfera administrativa – que deveria ser reservada para pedidos de usucapião em que não há lide – não pode ser desde já considerada infundada.
O ora apelante, por meio de escritura pública lavrada em 1988, vendeu parte do imóvel descrito na matrícula nº 56.859 do 1º Registro de Imóveis de Rio Claro aos apelados (fls. 39/40).
A matrícula nº 56.859 descreve um imóvel de 13.178,60m² (fls. 73/76), enquanto o memorial descritivo da área objeto de usucapião delineia imóvel de 5.001,744m² (fls. 27/30). Essa diferença de áreas explica a razão pela qual o apelante foi notificado como confrontante e como titular de domínio (fls. 73/76 e 234).
Em sua impugnação, cujos argumentos foram repetidos na apelação, diversos temas relativos à declaração de domínio são contestados. O ora apelante questiona a existência de posse mansa e pacífica; alega sobreposição de área; e refuta o memorial descritivo, sustentando que ele não coincide com a área negociada.
Trata-se de pontos que merecem ser analisados sob o manto do contraditório, o que só pode ser feito nas vias ordinárias (item 420.5 do Capítulo XX das NSCGJ[4]).
No sentido de que impugnações fundamentadas apresentadas por confrontante ou titular de domínio do imóvel usucapiendo impedem o reconhecimento da usucapião extrajudicial, são reiterados os precedentes deste Conselho Superior:
“Apelação – Procedimento de dúvida – Impugnação a procedimento de usucapião extrajudicial – Possibilidade – Inteligência do art. 216-A, § 7º da Lei nº 6.015/1973 – Usucapião extrajudicial – Impugnação por exequente que penhorou o imóvel em execução judicial – Arguição da penhora e da existência de possível fraude contra credores – Alegação de ocorrência de fraude à execução e inexistência de posse com animus domini – Sentença que acolhe parcialmente a impugnação e determina a requerente o uso da via judicial – Fraude à execução caracteriza matéria fática a ser apurada em processo judicial – Dúvidas sobre a natureza da posse exercida considerando a condição de parentes dos envolvidos – Impugnação com fundamento relevante – Impossibilidade de prosseguimento – Remessa das partes às vias ordinárias – Inteligência do art. 216-A, § 10 da Lei nº 6.015/1973 e do item 420.5 do Cap. XX das NSCGJ – Encaminhamento da requerente da usucapião extrajudicial para a via judicial mantida – Recurso não provido” (CSM/SP – apelação nº 1118113-23.2019.8.26.0100, Rel. Des. Ricardo Anafe, j. em 15/5/2020).
“REGISTRO DE IMÓVEIS – Usucapião extrajudicial – Impugnação fundamentada – Controvérsia sobre a natureza da posse exercida pelos usucapientes e, portanto, relativa ao domínio do imóvel – Procedimento administrativo – Impossibilidade de ampla dilação probatória – Remessa das partes às vias ordinárias – Afasta-se a preliminar – Nega-se provimento ao recurso” (CSM/SP – apelação nº 1003543-65.2019.8.26.0539, Rel. Des. Ricardo Anafe, j. em 08/6/2021).
“Registro de Imóveis – Usucapião extrajudicial – Impugnação fundamentada – Remessa das partes às vias ordinárias – Recurso desprovido” (CSM/SP – apelação nº 1009915-49.2021.8.26.0510, Rel. Des. Torres Garcia, j. em 20/10/2022).
“Registro de Imóveis – Usucapião na via extrajudicial – Dúvida – Apelação – Impugnação fundamentada do confrontante – Impossibilidade de prosseguimento na via administrativa – Apelação a que se dá provimento para os fins das NSCGJ, II, XX, 420.4″ (CSM/SP – apelação nº 1001285-66.2020.8.26.0048, Rel. Des. Torres Garcia, j. em 6/11/2023).
Do último julgado, extrai-se trecho concernente à natureza das impugnações apresentadas em procedimento de usucapião extrajudicial que, pela clareza, merece transcrição:
“Quando se trata de impugnação manifestada em processo extrajudicial de usucapião, um ponto tem de ficar assente: nem o Oficial de Registro de Imóveis nem o Juiz Corregedor Permanente podem dirimir ou solucionar litígios. O julgamento da impugnação não se destina a compor lides. Pelo contrário: quando se julga uma impugnação dessa espécie, tudo o que se pode fazer é verificar a existência do litígio (caso em que cessa a instância administrativa, pois a contenda só pode ser resolvida por meio de ação contenciosa) ou constatar que, a despeito da contradição do interessado, verdadeira lide não há, mas tão-somente aparência dela (o que autoriza o prosseguimento na instância administrativa, na qual, como se sabe, tem de imperar o consenso, uma vez que o Oficial de Registro de Imóveis não é Juiz)”.
Finalmente, não se afirma aqui que a impugnação apresentada pelo ora apelante procede em algum de seus pontos; constata-se, apenas, que a insurgência não pode ser tida como infundada nesta via administrativa, merecendo análise em processo judicial.
Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação, determinando a extinção da usucapião extrajudicial, com cancelamento da prenotação e remessa dos interessados às vias ordinárias para solução do conflito, nos termos do item 420.7 do Capítulo XX das NSCGJ.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
NOTAS:
[1] 420.3. Se a impugnação for infundada, o Oficial de Registro de Imóveis rejeitá-la-á de plano por meio de ato motivado, do qual constem expressamente as razões pelas quais assim a considerou, e prosseguirá no procedimento extrajudicial caso o impugnante não recorra no prazo de 10 (dez) dias. Em caso de recurso, o impugnante apresentará suas razões ao Oficial de Registro de Imóveis, que intimará o requerente para, querendo, apresentar contrarrazões no prazo de 10 (dez) dias e, em seguida, encaminhará os autos ao juízo competente.
[2] § 10. Em caso de impugnação justificada do pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, o oficial de registro de imóveis remeterá os autos ao juízo competente da comarca da situação do imóvel, cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum, porém, em caso de impugnação injustificada, esta não será admitida pelo registrador, cabendo ao interessado o manejo da suscitação de dúvida nos moldes do art. 198 desta Lei.
[3] 420.2. Consideram-se infundadas a impugnação já examinada e refutada em casos iguais pelo juízo competente; a que o interessado se limita a dizer que a usucapião causará avanço na sua propriedade sem indicar, de forma plausível, onde e de que forma isso ocorrerá; a que não contém exposição, ainda que sumária, dos motivos da discordância manifestada; a que ventila matéria absolutamente estranha à usucapião.
[4] 420.5. Em qualquer das hipóteses acima previstas, os autos da usucapião serão encaminhados ao juízo competente que, de plano ou após instrução sumária, examinará apenas a pertinência da impugnação e, em seguida, determinará o retorno dos autos ao Oficial de Registro de Imóveis, que prosseguirá no procedimento extrajudicial se a impugnação for rejeitada, ou o extinguirá em cumprimento da decisão do juízo que acolheu a impugnação e remeteu os interessados às vias ordinárias, cancelando-se a prenotação.
(DJe de 04.12.2024 – SP)