1ª VRP|SP: Dúvida registral – Escritura de inventário e partilha – Negativa de registro – Exigências para abertura de matrícula – Inclusão de todos os bens do espólio – Princípio da legalidade e vedação à sonegação de bens – Dúvida julgada procedente.
Sentença
Processo nº: 1152197-74.2024.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Suscitante: 17º Oficial de Registro de Imóveis da Capital
Suscitado: Marcus Vinicius Corradini Colber
Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo 17º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, a requerimento de Marcus Vinícius Corradini Colber, diante de negativa em se proceder ao registro de escritura pública de inventário e partilha de bens do espólio de Wilson Colber, envolvendo o imóvel transcrito sob o n. 63.250 no 15º Registro de Imóveis da Capital.
O Oficial informa que o título foi qualificado negativamente, conforme nota de devolução, para cumprimento das seguintes exigências: a) apresentar certidão atualizada da transcrição n. 63.250 do 15º RI, necessária para a abertura de matrícula, b) o inventariado era proprietário da parte ideal correspondente a 1/5 do imóvel objeto da matrícula n. 9.494, do 17ºRI, porém, que não consta na escritura de inventário e partilha, o que deverá ser esclarecido, em atenção aos artigos 620, IV, e 2021, do Código de Processo Civil, e item 121, Cap. XIV, das NSCGJ; que o título foi reapresentado com requerimento para suscitação de dúvida; que, preliminarmente, a parte não apresentou a certidão atualizada da transcrição; que, segundo o suscitado: a) o bem indicado pelo Oficial em nome do inventariado pertence aos irmãos do falecido, b) o registro do imóvel está irregular por falta de inventário dos outros irmãos, c) não há possibilidade de liquidação, e d) trata-se de hipótese de sobrepartilha, de modo que é possível o registro do único imóvel partilhado; que, todavia, não há fundamento legal para excluir da partilha de bens do inventariado a parte ideal do imóvel deixado pelo “de cujus” ou que venha a ser objeto de sobrepartilha; que o fato de os irmãos (herdeiros) do falecido não terem providenciado a partilha das respectivas partes ideais não obsta a inclusão do bem na partilha do inventariado, tampouco torna difícil liquidação, devendo ser observado o previsto no item 121, Cap. XVI, das NSCGJ; menciona precedente do Conselho Superior da Magistratura (apelação cível n. 994.09.231-643-6); que, sendo assim, subsistem os óbices apontados (fls. 01/06).
Documentos vieram às fls. 07/71.
Em manifestação do Oficial, a parte interessada aduz que as exigências devem ser afastadas, pois o imóvel da matrícula n. 9.494 pertence aos irmãos do falecido Wilson Colber e a regularização no registro depende de inventário e partilha das respectivas partes ideais; que não há possibilidade de liquidação; que se trata de hipótese de sobrepartilha, de modo que é possível o registro do único imóvel partilhado; que a certidão da transcrição já foi apresentada ao Oficial em duas oportunidades, por isso deixou de juntá-la novamente (fls. 10/12).
Apesar de intimada, a parte não apresentou impugnação nos autos (fls. 83).
O Ministério Público opinou pela manutenção dos óbices (fls. 86/87).
É o relatório.
Fundamento e Decido.
De proêmio, cumpre ressaltar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.
No sistema registral, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames legais. Por isso, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.
É o que se extrai do item 117 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça (NSCGJ): “Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais“.
No mérito, a dúvida é procedente.
No caso concreto, o registro de escritura pública de inventário e partilha de bens do espólio de Wilson Colber, envolvendo o imóvel transcrito sob o n. 63.250 no 15º RI, implica em abertura de matrícula do imóvel que passou à circunscrição imobiliária atribuída ao 17º Oficial de Registro de Imóveis, anteriormente pertencente ao 15º Oficial de Registro de Imóveis.
Quanto à abertura de matrícula, dispõe o artigo 176 da Lei 6.015/73, na redação trazida pela Lei n. 14.382/2022:
“§ 1º A escrituração do Livro nº 2 obedecerá às seguintes normas:
I – cada imóvel terá matrícula própria, que será aberta por ocasião do primeiro ato de registro ou de averbação caso a transcrição possua todos os requisitos elencados para a abertura de matrícula;
(…)
§ 15. Ainda que ausentes alguns elementos de especialidade objetiva ou subjetiva, desde que haja segurança quanto à localização e àidentificação do imóvel, a critério do oficial, e que constem os dadosdo registro anterior, a matrícula poderá ser aberta nos termos do § 14 deste artigo.
§ 16. Se não forem suficientes os elementos de especialidade objetiva ou subjetiva, será exigida a retificação, no caso de requerimento do interessado na forma prevista no § 14 deste artigo, perante a circunscrição de situação do imóvel.
§ 17. Os elementos de especialidade objetiva ou subjetiva que não alterarem elementos essenciais do ato ou negócio jurídico praticado, quando não constantes do título ou do acervo registral, poderão ser complementados por outros documentos ou, quando se tratar de manifestação de vontade, por declarações dos proprietários ou dos interessados, sob sua responsabilidade.”
As Normas da Corregedoria Geral da Justiça, em seu Capítulo XX, também regulam a matéria, destacando-se os itens a seguir (destaque nosso):
“52. Todo imóvel objeto de título a ser registrado deve estar matriculado no Livro 2 de Registro Geral. Caso o imóvel não tenha matrícula própria, esta será obrigatoriamente aberta por ocasião do primeiro registro ou, ainda:
52.3. Os elementos de especialidade objetiva ou subjetiva que não alterarem elementos essenciais do ato ou negócio jurídico praticado, quando não constantes do título ou do acervo registral, poderão ser complementados por outros documentos ou, quando se tratar de manifestação de vontade, por declarações dos proprietários ou dos interessados, sob sua responsabilidade.
54. A matrícula será aberta com os elementos constantes do título apresentado e do registro anterior. Se este tiver sido efetuado em outracircunscrição, deverá ser apresentada certidão expedida há nomáximo 30 (trinta) dias pelo respectivo cartório, a qual ficará arquivada, de forma a permitir fácil localização.
156. De toda certidão deverão constar, conforme o caso, a data em que o imóvel passou ou deixou de pertencer à circunscrição, bem assim a qual cartório pertencia ou passou a pertencer.”
Para a efetivação da abertura da matrícula pelo 17º Oficial quando do primeiro registro relativo ao respectivo imóvel, é primordial a apresentação da certidão expedida há no máximo trinta dias pelo 15º Oficial de Registro de Imóveis da Capital.
Assim, à vista da certidão expedida em novembro de 2023 (fls. 38), a exigência não pode ser afastada.
Por outro lado, a matrícula n. 9.494, do 17º Registro de Imóveis, atesta que Wilson Colber, casado com Dalva da Rocha Colber, era proprietário da parte ideal correspondente a 1/5 do imóvel, conforme registro n. 01 (R.01/9.494) (fls. 94/101).
Entretanto, na escritura pública de inventário de bens do espólio de Wilson Colber (tendo como inventariante do espólio a cônjuge Dalva da Rocha Colber), o bem da matrícula n. 9.494 não foi arrolado ou partilhado, sem qualquer justificativa.
Como se sabe, em regra, todo o patrimônio do autor da herança deve ser levado ao inventário e submetido à partilha, sob pena de sonegação.
O artigo 620 do Código de Processo Civil dispõe expressamente que cabe ao inventariante apresentar as primeiras declarações de forma precisa, de modo a não deixar dúvidas que possam vir a dificultar o inventário e posterior partilha, notadamente com a descrição dos bens, a relação completa e individualizada de todos os bens do espólio, sendo que eventual sonegação, ocultação ou desvio de bens pode ensejar sua remoção do munus de inventariante, conforme artigo 622, inciso V, do Código de Processo Civil.
Assim, não assiste razão à parte suscitada ao aventar que seria faculdade dos interessados, por mera liberalidade, isto é, por acordo de vontade, incluir apenas alguns dos bens deixados pelo falecido, deixando de arrolar e partilhar outros bens que, sabidamente, pertenciam ao “de cujus”.
Com efeito, de acordo com os artigos 2.021 e 2.022 do Código Civil:
“Art. 2.021. Quando parte da herança consistir em bens remotos do lugar do inventário, litigiosos, ou de liquidação morosa ou difícil, poderá proceder-se, no prazo legal, à partilha dos outros, reservando-se aqueles para uma ou mais sobrepartilhas, sob a guarda e a administração do mesmo ou diverso inventariante, e consentimento da maioria dos herdeiros.
Art. 2.022. Ficam sujeitos a sobrepartilha os bens sonegados e quaisquer outros bens da herança de que se tiver ciência após a partilha.”
Ao referir-se ao que seriam bens remotos, litigiosos ou de liquidação morosa ou difícil, a doutrina ensina que: “Em todas as hipóteses nas quais parte da herança for composta de bens de liquidação (avaliação, cálculo do imposto etc.) morosa ou difícil, permite o art. 2.021 que a partilha desses bens seja realizada em momento posterior, efetuando-se primeiro a dos bens de liquidação mais célere. (…) O artigo apresenta dois exemplos de bens de liquidação morosa ou difícil. O primeiro é de bens remotos em face do lugar do inventário.
Relembre-se que são bens situados no território nacional, pois a Justiça brasileira não tem competência com relação a bens situados no exterior (…). O segundo exemplo é de bens litigiosos. Nesses casos, os bens de liquidação mais morosa ou difícil serão relegados para sobrepartilha havendo consentimento da maioria – e não da totalidade – dos herdeiros.” (Código Civil Comentado. Coordenador: Cezar Peluso, 7ª. ed., Barueri, SP: Manole, 2013, p. 2365).
Logo, a alegação de eventual dificuldade dos sucessores para regularização dos inventários dos demais coproprietários falecidos não caracteriza a hipótese de bem de liquidação morosa ou difícil e que, portanto, autorizaria a sobrepartilha.
As Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, na regulação das disposições referentes ao inventário pela via extrajudicial, no Capítulo XIV, permitem que o inventário seja efetivado com partilha parcial, coibindo a sonegação de bens no rol inventariado, nos seguintes termos:
“121. É admissível o inventário com partilha parcial, embora vedada a sonegação de bens no rol inventariado, justificando-se a não inclusão do(s) bem(ns) arrolado(s) na partilha.”
Desta forma, tratando-se de inventário com partilha parcial, vedada a sonegação de bens no rol inventariado, deve ser justificada a não inclusão do bem arrolado na partilha.
Bem por isso, acertado o segundo óbice apontado na nota de exigência e devolutição, em atenção aos artigos 620, IV, e 2021, do Código de Processo Civil, e item 121, Cap. XIV, das NSCGJ.
Nesse sentido:
“REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida julgada procedente – Negado registro de escritura de inventário e partilha que arrolou apenas um dos bens imóveis deixados pela autora da herança – Inobservância do que dispõe o item 119, do Capítulo XIV, das Normas de Serviços da Corregedoria Geral da Justiça – Alegada dificuldade financeira dos sucessores em arcar com as despesas relativas ao inventário da totalidade dos bens do ‘de cujus’, que não se confunde com a hipótese de ‘bens de liquidação difícil’, prevista pelo artigo 2.021 do Código Civil – Recurso não provido.” (CSMSP; Apelação Cível: 994.09.231.643-6; Localidade: São Paulo; Data de Julgamento: 14/09/2010; Data DJ: 26/11/2010; Relator: Munhoz Soares)
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada para manter o óbice registrário.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, ao arquivo.
P.R.I.C.
São Paulo, 04 de dezembro de 2024.
Renata Pinto Lima Zanetta
Juíza de Direito
(DJe de 10.12.2024 – SP)