1ª VRP|SP: Pedido de Providências – Registro de Imóveis – Alienação fiduciária – Consolidação da propriedade fiduciária – Impossibilidade de cancelamento da averbação (salvo celebração de novo negócio jurídico formalizado por escritura pública) – Purgação da mora após o prazo legal – Procedimento regular – Improcedência do pedido.
Sentença
Processo nº: 1179548-22.2024.8.26.0100
Classe – Assunto Pedido de Providências – Registro de Imóveis
Requerente: Oficial do 15º de Registro de Imóveis de São Paulo
Requerido: Banco Inter SA
Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta
Vistos.
Trata-se de pedido de providências formulado pelo 15º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, a requerimento de Banco Inter S/A, diante de negativa em se proceder o cancelamento de averbação de consolidação da propriedade fiduciária, envolvendo o imóvel objeto da matrícula n. 202.717 daquela serventia.
O Oficial informa que o requerente postula o cancelamento, por averbação, da consolidação da plena propriedade em nome do credor fiduciário, Banco Inter S/A, consubstanciada na averbação n. 11 da matrícula n. 202.717, efetivada em 01.10.2024, referente ao apartamento n. 53 do condomínio “Acquare Campo Belo”, situado na Rua Xavier Gouveia, n. 241, nesta Capital, em virtude de não purgação da mora dos devedores fiduciantes Hugo Dias de Queiroz e Andrea Freire de Queiroz, no procedimento de intimação, em consonância com o artigo 26 da Lei n. 9.514/97, prenotado sob n. 1.043.472, em 06.08.2024; que a postulação de cancelamento já foi solicitada anteriormente, em 10.10.2024, regularmente prenotado sob n. 1.053.326, tendo sido indeferido; que a postulação tem como fundamento os incisos II e III do artigo 250 da Lei n. 6.015/73, porém o instituto da alienação fiduciária tem regramento próprio, com determinação de consolidação da propriedade em favor da parte credora após a não purgação da mora e que somente mediante celebração de novo negócio jurídico é possível ao devedor reaver o bem, mesmo com a celebração de acordo entre as partes; que tal entendimento encontrasse sedimentado em precedentes desta Corregedoria Permanente e da Corregedoria Geral da Justiça (processos ns. 1071660-62.2022.8.26.0100, 1127798-83.2021.8.26.0100, 1006968-54.2022.8.26.0100 e 1114713-98.2019.8.26.0100); e que, irresignado com o indeferimento, a parte interessada reapresentou o requerimento, com pedido de suscitação de dúvida ou pedido de providências, sustentando que a averbação de consolidação da propriedade é mera etapa intermediária do procedimento de alienação fiduciária e não impede o cancelamento administrativo (fls. 01/06).
Documentos vieram às fls. 07/31 e 36/38.
Em manifestação dirigida ao Oficial, e em impugnação, a parte interessada aduz que foi requerido, por meio da prenotação n. 1.053.326, o cancelamento da averbação n. 11 da matrícula n. 202.717 do 15º Registro de Imóveis ds Capital, com fundamento nos incisos II e III do artigo 250 da Lei n. 6.015/73; que, face à recusa da autoridade registral em proceder com a referida averbação, foi solicitada a apresentação da presente dúvida, com o intuito de dirimir a controvérsia existente; que a alienação fiduciária de bens imóveis é regulada pela Lei n. 9.514/97 e que, no caso de inadimplemento do devedor, o credor fiduciário poderá, após o transcurso do prazo legalmente estabelecido, consolidar a propriedade do bem em seu nome; que a consolidação da propriedade não extingue automaticamente a alienação fiduciária, pois, até que a dívida seja integralmente quitada, permanece a obrigação do credor de realizar leilões do bem para promover a venda e a satisfação do débito; que a averbação da consolidação da propriedade na matrícula do imóvel não possui caráter constitutivo, mas sim declaratório, uma vez que apenas formaliza o inadimplemento do devedor e autoriza a realização do leilão extrajudicial para a quitação da dívida e, consequentemente, a extinção do contrato fiduciário; que a simples averbação da consolidação da propriedade não extingue a alienação fiduciária, sendo esta extinta apenas com o cancelamento do registro correspondente na matrícula do imóvel, por meio do termo de quitação emitido pelo credor fiduciário ou do auto de arrematação assinado; que isso se justifica pois o devedor ainda poderá, após a consolidação, buscar o cumprimento da obrigação, reverter a situação e restaurar sua propriedade indireta; que, nesse contexto, é plenamente viável o cancelamento da averbação da consolidação, com fundamento nos incisos II e III do artigo 250 da Lei n. 6.015/73, os quais preveem a retificação de registros quando estes se mostrarem incompatíveis com a realidade fática ou com a legislação aplicável; que se o processo de leilão não foi realizado ou se qualquer outro fator impediu a efetiva consolidação da propriedade, é plenamente cabível o cancelamento da averbação da consolidação, com o consequente restabelecimento da situação jurídica anterior; que, em decorrência do pagamento da dívida, os devedores se tornaram adimplentes, e a matrícula do imóvel encontra-se em desacordo com a realidade fática; que o cancelamento da averbação da consolidação não contrariará o princípio da continuidade registral, uma vez que a matrícula do imóvel manterá o registro da alienação fiduciária, e não causará qualquer prejuízo ao Registro de Imóveis, aos devedores fiduciários ou a qualquer outra pessoa interessada; que é imprescindível que se proceda ao cancelamento da averbação da consolidação, com a restauração do contrato às condições originalmente acordadas entre as partes, uma vez que se trata de um retorno à normalidade contratual (fls. 39/42).
O Ministério Público opinou pela manutenção do óbice (fls. 46/49).
É o relatório.
Fundamento e Decido.
No mérito, o pedido é improcedente, para manter o óbice.
No caso concreto, não há controvérsia acerca da mora da parte devedora em relação à dívida garantida por alienação fiduciária do imóvel indicado na inicial nem sobre a consolidação da propriedade fiduciária em favor da credora fiduciária, a qual foi objeto de averbação (Av. 11, em 01 de outubro de 2024 – fls. 29).
Na forma da lei que rege a matéria, com a sua constituição em mora, o devedor fiduciante dispõe do prazo de quinze dias, após a intimação, para purgação diretamente perante o Registro de Imóveis, de modo a fazer convalescer o contrato de alienação fiduciária (artigo 26 da Lei n. 9.514/1997).
Decorrido o prazo sem purgação da mora, a propriedade do imóvel, que até então era resolúvel, se consolida de forma plena em nome do credor.
Sendo assim, a averbação da consolidação da propriedade formaliza a transferência integral da propriedade do imóvel para o credor, o que se sujeita, inclusive, à incidência do imposto de transmissão ITBI, nos termos do artigo 26, § 7º, da Lei n. 9.514/1997.
Ultimada a consolidação da propriedade em seu nome, o credor deve promover leilão, como prevê o artigo 27 da mesma lei, para alienação do imóvel, com liquidação de seu crédito e entrega, ao devedor, do valor excedente.
Nesta etapa do procedimento, ao devedor é assegurado o direito de preferência para adquirir o imóvel pelo preço correspondente ao valor da dívida, acrescido de encargos e despesas, o que configura um negócio jurídico novo, conforme dispõe expressamente o § 2º-B do artigo 27 da lei, impondo-se ao devedor fiduciante “o pagamento dos encargos tributários e despesas exigíveis para a nova aquisição do imóvel, de que trata este parágrafo, inclusive custas e emolumentos”.
Nesse quadro e não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial para a validade do novo negócio realizado entre as partes, pelo qual avençam o restabelecimento do negócio de financiamento com alienação fiduciária (artigo 108 do Código Civil), sobre o que incide ITBI na forma da legislação tributária competente.
Neste sentido:
“Registro de imóveis – Pedido de providências – Alienação fiduciária de imóvel – Recurso administrativo – Pedido de cancelamento de consolidação da propriedade averbada na matrícula – Impossibilidade – Purgação da mora que deveria ocorrer junto ao registro de imóveis, na forma prevista na lei nº 9.514/97 – Procedimento hígido sob o prisma registral – Parecer pelo não provimento do recurso administrativo.” (CGJSP – Recurso Administrativo: 1033352-83.2024.8.26.0100; São Paulo; Data de Julgamento: 04/10/2024; Data DJ: 09/10/2024; Relator: Francisco Loureiro)
“REGISTRO DE IMÓVEIS – Pedido de providências – Alienação fiduciária de imóvel – Recursos Administrativos – Apresentante que requer o cancelamento de consolidação da propriedade averbada na matrícula – Impossibilidade – Purgação da mora que deveria ocorrer junto ao Registro de Imóveis, na forma prevista na Lei nº 9.514/97 – Procedimento hígido sob o prisma registral – Desistência formulada por uma das recorrentes – Homologação – No mérito, nega-se provimento ao recurso interposto pela outra recorrente.” (CGJSP – Recurso Administrativo: 1114713-98.2019.8.26.0100, São Paulo, data de julgamento: 16/08/2021, Data DJ: 20/08/2021, Relator: Desembargador Ricardo Mair Anafe)
Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido de providências para manter o óbice registrário.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, ao arquivo.
P.R.I.C.
São Paulo, 04 de dezembro de 2024.
Renata Pinto Lima Zanetta
Juíza de Direito
(DJe de 10.12.2024 – SP)