1ª VRP|SP: Dúvida registral – Adjudicação compulsória extrajudicial – Impugnação dos promitentes vendedores – Alegada nulidade do contrato – Presença de conflito de interesses – Impossibilidade de solução pela via extrajudicial – Dúvida procedente.

 Sentença

Processo nº: 1179578-57.2024.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: 9º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo

Suscitado: Facam Imóveis S/A

Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo 9º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, a requerimento de Facam Imóveis S/A, à vista do indeferimento do pedido de adjudicação compulsória extrajudicial do imóvel objeto da matrícula n. 99.729 daquela serventia.

O Oficial informa que se trata de procedimento de adjudicação compulsória extrajudicial formulado pela compromissária compradora Facam Imóveis S/A, com fundamento no artigo 216-B da Lei n. 6.015/1973, objetivando a transmissão da propriedade do imóvel objeto da matrícula n. 99.729, prometida a venda por André Ianovich e sua mulher Maria Aristides Ianovich, nos termos do instrumento particular de compromisso de venda e compra de 28 de agosto de 2023, aditado em 29 de agosto 2023; que referido instrumento encontra-se registrado sob o R.05 desde 24 de janeiro 2024; que para instruir o procedimento, a interessada apresentou, dentre outros, os seguintes documentos: a) requerimento inicial; b) cópia autenticada do instrumento de promessa de compra e venda; c) ata notarial lavrada pelo 2º Tabelião de Notas de São Paulo, datada de 03 de junho de 2024 (livro 3.773, págs. 293/296); d) comprovante de depósito em favor da Federação dos Centros Espirituais Umbanda e Candomblé; e) certidões dos distribuidores cíveis estaduais e federais em nome das partes; e, f) notificações extrajudiciais realizadas aos promitentes vendedores; que o procedimento foi autuado na prenotação n. 808.198 de 24 de junho de 2024; que a promitente vendedora Maria Aristides Ianovich foi notificada em 06 de setembro de 2024; que, em 24 de setembro de 2024, foi recepcionada impugnação ofertada por André Ianovich e Maria Aristides Ianovich, alegando que o contrato é nulo porque envolve objeto ilícito (artigo 166, inciso II, do Código Civil), por ter simulado a garantia de um empréstimo ilegal e abusivo, e arguindo a incompetência do Registrador para solucionar o conflito que macula o negócio; que, acolhida a impugnação pelo Oficial, a requerente foi notificada e manifestou insurgência contra o acolhimento da impugnação.

O Oficial aponta que a adjudicação perseguida não pode ser compulsoriamente deferida na esfera extrajudicial porque o pedido foi adequadamente impugnado, por meio de petição elaborada por advogados devidamente constituído para tanto, com a indicação dos dispositivos legais ofendidos; que, existindo conflito, encerra-se a atribuição do oficial registrador; que seria o caso de encerrar o procedimento extrajudicial, cancelar a prenotação e remeter as partes às vias ordinárias (fls. 01/04).

Documentos vieram às fls. 05/138.

Na manifestação de insurgência contra o acolhimento a impugnação, a requerente aduz que os promitentes vendedores não apresentaram documentos que comprovassem a impossibilidade do registro, tampouco vício efetivo que comprometesse a validade da adjudicação, tratando-se de alegações protelatórias; que os requeridos sequer apontaram argumentos de falsidade nas assinaturas, comprovando a ampla ciência e conhecimento deles do quanto assinado; que a falta de argumentos coerentes atrapalham até mesmo o exercício do contraditório do requerente; que não há elementos que demonstrem minimamente a alegada ilicitude do negócio jurídico; que se não estivessem satisfeitos com os termos contratuais, os requeridos, assistidos por sua filha advogada, poderiam ter resolvido não assinar o contrato e seu aditivo; que este procedimento é uma ferramenta de desjudicialização, que permite que o comprador apresente a sua pretensão diretamente ao Ofício de Registro de Imóveis quando o vendedor se recusa injustificadamente a cumprir com as suas obrigações contratuais, que é exatamente o que ocorre no presente caso; que a impugnação não demonstrou elementos que invalidem a adjudicação do imóvel, requerendo o prosseguimento do procedimento (fls. 106/110 e 139/142).

O Ministério Público ofertou parecer, opinando pela procedência da dúvida (fls. 150/151).

É o relatório.

Fundamento e Decido.

De proêmio, cumpre ressaltar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n.8.935/1994).

A adjudicação compulsória de imóvel objeto de promessa de venda ou de cessão, sem prejuízo da via jurisdicional, poderá ser processado diretamente perante o Oficial de Registro de Imóveis da situação do imóvel, seguindo rito próprio da via extrajudicial, com regulação pelo artigo 216-B da Lei n. 6.015/1973, pela Seção XVI, Cap. XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça e Provimento n. 149/2023, com as disposições específicas introduzidas pelo Provimento n. 150/2023, ambos do CNJ.

Assim, como a parte interessada optou pela via extrajudicial para alcançar o registro de transferência da propriedade do imóvel, a análise deve ser feita dentro de seus requisitos normativos.

O Provimento n. 149/2023 do CNJ, prestigiando a qualificação registral e a importância do processo de adjudicação compulsória pela via extrajudicial, estabelece que os requeridos serão notificados e poderão apresentar impugnação por escrito. Se o requerido impugnar o pedido, o Oficial notificará o requerente para eventual manifestação e, superado este prazo, deverá proferir decisão sobre a impugnação, indeferindo quando, dentre outras hipóteses, versar matéria estranha à adjudicação compulsória ou for claramente impertinente ou protelatória, indicando os motivos que o levaram a tal conclusão:

“Art. 440-AB. O oficial de registro de imóveis indeferirá a impugnação, indicando as razões que o levaram a tanto, dentre outras hipóteses, quando:

I – a matéria já houver sido examinada e refutada em casos semelhantes pelo juízo competente;

II – não contiver a exposição, ainda que sumária, das razões da discordância;

III – versar matéria estranha à adjudicação compulsória;

IV – for de caráter manifestamente protelatório.

Art. 440-AC. Rejeitada a impugnação, o requerido poderá recorrer, no prazo de 10 (dez) dias úteis, e o oficial de registro de imóveis notificará o requerente para se manifestar, em igual prazo sobre o recurso.

Art. 440-AD. Acolhida a impugnação, o oficial de registro de imóveis notificará o requerente para que se manifeste em 10 (dez) dias úteis.

Parágrafo único. Se não houver insurgência do requerente contra o acolhimento da impugnação, o processo será extinto e cancelada a prenotação.

Art. 440-AE. Com ou sem manifestação sobre o recurso ou havendo manifestação de insurgência do requerente contra o acolhimento, os autos serão encaminhados ao juízo que, de plano ou após instrução sumária, examinará apenas a procedência da impugnação.

§ 1º. Acolhida a impugnação, o juiz determinará ao oficial de registro de imóveis a extinção do processo e o cancelamento da prenotação.

§ 2º. Rejeitada a impugnação, o juiz determinará a retomada do processo perante o oficial de registro de imóveis.

§ 3º. Em qualquer das hipóteses, a decisão do juízo esgotará a instância administrativa acerca da impugnação”.

Como bem esclarece o dispositivo, os autos serão encaminhados ao juízo que, de plano ou após instrução sumária, examinará apenas a procedência da impugnação.

Havendo qualquer indício de veracidade que justifique a existência de conflito de interesses, a via extrajudicial se torna prejudicada, devendo o interessado se valer da via contenciosa.

No caso concreto, a compromissária compradora Facam Imóveis S/A, com fundamento no artigo 216-B da Lei n. 6.015/1973, objetiva a transmissão da propriedade do imóvel objeto da matrícula n. 99.729, prometida a venda por André Ianovich e sua mulher Maria Aristides Ianovich.

Notificados do procedimento, André Ianovich e Maria Aristides Ianovich apresentaram impugnação, alegando, em síntese, que são octogenários, analfabetos e foram induzidos a realizar empréstimos, que acabaram por comprometer o único imóvel que possuem. Afirmam que o contrato é nulo porque envolve objeto ilícito (artigo 166, inciso II, do Código Civil), por ter simulado a garantia de um empréstimo ilegal e abusivo (fls. 106/110).

De fato, a preclusão da impugnação, conforme arguida pela suscitada, não prospera. O § 1º do artigo 231, do Código de Processo Civil, prevê que no caso de mais de um réu, o prazo para defesa se inicia somente depois da última notificação. Assim, o ciclo citatório completou-se somente no momento em que André Ianovich apresentou sua impugnação ao pedido, nos termos do artigo 239, § 1º do CPC, de forma que a impugnação foi recebida dentro do prazo.

Quanto ao mérito da impugnação, os impugnantes alegam que o contrato é nulo de pleno direito. Relatam simulação e coação contra idosos.

As alegações são relevantes e, eventualmente comprovadas, podem acarretar a nulidade absoluta do negócio e, por consequência, dos registros que nele tiverem suporte.

Desse modo, resta configurado conflito em relação ao direito material perseguido, o que impede a análise da questão por este juízo administrativo, devendo tal impasse ser solucionado nas vias ordinárias.

Em outros termos, por estar a impugnação devidamente fundamentada e por não ser possível afastar de plano as alegações ventiladas, a questão deverá ser dirimida na via ordinária com contraditório e ampla defesa, havendo possibilidade de dilação probatória.

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada, para acolher a impugnação apresentada por André Ianovich e Maria Aristides Ianovich, determinando a extinção do processo e o cancelamento da prenotação.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 04 de dezembro de 2024.

Renata Pinto Lima Zanetta

Juíza de Direito 

(DJe de 10.12.2024 – SP)