CSM|SP: Ementa: Direito registral – Apelação – Dúvida registrária – Manutenção do óbice ao registro de escritura de venda e compra de fração ideal do terreno após a instituição e especificação do condomínio edilício.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1008876-97.2024.8.26.0320, da Comarca de Limeira, em que é apelante MOSCA HOLDING LTDA, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE LIMEIRA.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Mantiveram a procedência da dúvida e negaram provimento à apelação, com observação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 5 de dezembro de 2024.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1008876-97.2024.8.26.0320
Apelante: Mosca Holding Ltda
Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Limeira
VOTO Nº 43.648
Ementa: Direito registral – Apelação – Dúvida registrária – Manutenção do óbice ao registro de escritura de venda e compra de fração ideal do terreno após a instituição e especificação do condomínio edilício.
I. Caso em exame
Trata-se de apelação interposta por Mosca Holding LTDA. contra a sentença do MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Limeira-SP, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve os óbices ao registro da Escritura Pública de venda e compra de frações ideais de imóvel em que já instituído condomínio edilício.
A apelante requer a reforma da sentença, alegando que não lhe compete a individualização das matrículas e que não pode ser prejudicada pela inércia de terceiros.
II. Questão em discussão
A questão em discussão consiste em saber se é possível o registro da venda e compra de frações ideais na matrícula-mãe do empreendimento imobiliário quando já instituído o condomínio edilício.
III. Razões de decidir
O registro da escritura de venda e compra das frações ideais na matrícula-mãe do empreendimento não se admite após a instituição e especificação do condomínio edilício.
Uma vez instituído e especificado o condomínio edilício, “deixa de existir o regime de comunhão em frações ideais sobre o terreno e passa a existir o instituto do condomínio edilício que importa em coexistência de propriedade exclusiva sobre as unidades autônomas (apartamentos, lojas, garagens etc.) e copropriedade sobre o todo do terreno e sobre as partes do edifício de uso comum dos condôminos” (José Marcelo Tossi Silva, Parecer 204-2019-E – Recurso Administrativo nº 0029914-40.2017.8.26.0576; data de julgamento: 26/04/2019).
A fração ideal, após a instituição, se encontra necessariamente subordinada à unidade autônoma já existente.
O pedido subsidiário de averbação da escritura pública na matrícula também não é acolhido pelos mesmos motivos que justificaram seu não registro.
Viável, outrossim, o descerramento das matrículas das unidades autônomas, em nome da proprietária e incorporadora, às expensas da serventia, após o que será admissível o registro da escritura pública de venda e compra das unidades, sem ofensa ao princípio da especialidade objetiva e com emolumentos pagos pelo interessado.
IV. Dispositivo e tese
Apelação desprovida, com observação. Tese de julgamento: “Não é possível o registro de venda de fração ideal de imóvel em que já instituído condomínio”. Legislação e jurisprudência relevantes citadas: Legislação Lei nº 4.591/64, art. 7º; CC, art. 1.332, I e II. Parecer 204-2019-E – Recurso Administrativo nº 0029914-40.2017.8.26.0575.
Vistos.
Trata-se de apelação (fls. 223/228) interposta por MOSCA HOLDING LTDA. contra a r. Sentença (fls. 210/216) proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Limeira – SP, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve os óbices levantados pelo delegatário ao registro da escritura pública de venda e compra de duas frações ideais do imóvel objeto da matrícula 22.155 daquela serventia, cada uma delas equivalente a 2,291352%, correspondentes às futuras salas de nº 91 e 92 do Condomínio Centro Comercial Antônio Cruañes Filho, à Rua Santa Cruz, nº 787, em Limeira, São Paulo, sob fundamento de que, já existindo condomínio instituído, não existe fração ideal do terreno para realizar a venda, havendo que se proceder às atribuições das unidades condominiais.
A apelante requer, em síntese, que seja afastada a exigência registrária, alegando que não lhe compete a individualização das matrículas das frações ideais/salas do edifício, não podendo ser prejudicada pela inércia de terceiros. Sustenta, ainda, que há averbações de alienações de frações ideais do terreno na referida matrícula após a instituição do condomínio, fazendo jus a que também seja averbada sua aquisição, até porque, para todos os efeitos, adquiriu fração ideal do imóvel descrito na matrícula 22.155. Pede a reforma da sentença e, subsidiariamente, a averbação na matrícula-mãe da existência da escritura pública de venda e compra com menção às frações ideais adquiridas com os respectivos números de salas (91 e 92).
A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 250/253).
É o relatório.
Decido.
A apelante apresentou a registro escritura pública de venda e compra lavrada pelo 2º Tabelião de Notas e de Protesto de Letras e Títulos de Limeira-SP relativa à alienação de duas frações ideais, sendo cada uma delas correspondente a 2,291352% do terreno e relativas às futuras unidades 91 e 92, ambas situadas no 9º andar, do Condomínio Centro Comercial Antônio Cruañes Filho, à Rua Santa Cruz, nº 787, em Limeira, São Paulo (fls. 35/40) .
O pedido foi negado pela Oficial, conforme nota devolutiva de nº 105.011, a seguir transcrita:
“Fica prejudicado o registro pretendido, eis que não há fração ideal do terreno para proceder a venda, tendo em vista que já consta a instituição de condomínio devidamente registrada (R. 322). Portanto, uma vez instituído o condomínio, deverá passar pela atribuição das unidades. A instituição do condomínio é uma etapa que ocorre após a construção e tem como objetivo individualizar as unidades autônomas, associando-as às frações ideais correspondentes ao terreno e às partes comuns do edifício, além de indicar a finalidade de cada uma delas. Esse processo representa, de fato, um procedimento divisório entre os coproprietários. (Art. 7º da lei 4.591/64 c/c artigo 1.332 do CC).
Portanto, na presente escritura, consta a venda de parte ideal correspondente a 2,291352% do terreno para cada uma das futuras unidades 91 e 92. Diante dessa situação, não é possível vender a fração ideal de um empreendimento já construído e instituído. Ou seja, é necessário proceder com a atribuição das unidades e sua individualização para que a venda possa ser efetuada com as matrículas abertas”.
A dúvida foi julgada procedente pela r. sentença, mantidos os óbices registrários, e isso deve prevalecer.
O registro da incorporação confere existência legal às frações de terreno e respectivas acessões sob o regime condominial especial e permite sua venda, obedecido o princípio da especialidade registral, segundo o qual as frações resultantes da divisão do terreno devem ser identificadas como objeto de direito junto ao fólio real, com “sua representação escrita como individualidade autônoma, com o seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e, portanto, heterogêneo em relação a qualquer outro” como ensina Afrânio de Carvalho (in Registro de imóveis. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 1982.p. 247).
E para que o regime de comunhão em frações ideais sobre o terreno deixe de existir e dê ensejo ao condomínio edilício, é imperioso que haja o registro da instituição e especificação do condomínio, como consignado no parecer mencionado pela Registradora, de autoria do então MM. Juiz Assessor da Corregedoria, José Marcelo Tossi e Silva, que foi aprovado pelo Corregedor Geral da Justiça à época, Desembargador Geraldo Francisco Pinheiro Franco:
“O registro da instituição e especificação do condomínio, portanto, é essencial para que deixe de existir o regime de comunhão em frações ideais sobre o terreno e passe a existir o instituto do condomínio edilício que importa em coexistência de propriedade exclusiva sobre as unidades autônomas (apartamentos, lojas, garagens etc.) e copropriedade sobre o todo do terreno e sobre as partes do edifício de uso comum dos condôminos” (Parecer 204-2019-E – Recurso Administrativo nº 0029914-40.2017.8.26.0576) – Data de julgamento: 26 de abril de 2019).
Nos termos do que estabelecem a Lei nº 4.591/64 e o Código Civil, o registro da instituição, especificação e convenção do condomínio deve ser efetivado concomitantemente à atribuição das unidades autônomas do condomínio:
Lei 4.591/65
Art. 7º O condomínio por unidades autônomas instituirse- á por ato entre vivos ou por testamento, com inscrição obrigatória no Registro de imóvel, dele constando a individualização de cada unidade, sua identificação e discriminação, bem como atração ideal sobre o terreno e partes comuns, atribuída a cada unidade, dispensando-se a descrição interna da unidade.
Código Civil
Art. 1.332. Institui-se o condomínio edilício por ato entre vivos ou testamento, registrado no Cartório de Registro de Imóveis, devendo constar daquele ato, além do disposto em lei especial:
I – a discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva, estremadas uma das outras e das partes comuns;
II – a determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao terreno e partes comuns;
III – o fim a que as unidades se destinam.
A atribuição das unidades deve ser realizada simultaneamente ao registro da instituição e especificação do condomínio, conforme estabelece o item 222 do Capítulo XX do Tomo II das Normas da Corregedoria Geral de Justiça:
“222. A instituição e especificação de condomínio serão registradas mediante a apresentação de escritura pública ou instrumento particular que caracterize e identifique as unidades autônomas, ainda que implique atribuição de unidades aos condôminos, acompanhado do projeto aprovado e do “habite-se”, ou do termo de verificação de obras em condomínio de lotes”.
E, ainda, “as matrículas para as futuras unidades autônomas poderão ser abertas depois do registro da incorporação imobiliária, ou apenas depois da averbação da construção e do registro da instituição e especificação de condomínio” (item 223, Cap. XX, Tomo II, NSCGJ).
No caso concreto, houve o registro da incorporação na matrícula do imóvel (R.1/22.155/fls.52/56) e o subsequente registro da instituição e especificação do condomínio edilício (R.322/22.155/fls.192), mas não ocorreu a atribuição das unidades.
A Registradora informou que, “em apuração interna, constatou-se que a instituição e especificação do condomínio, registrada em 14 de abril de 2015, sob n. 322-22.155 foi realizada em desatendimento aos preceitos normativos vigentes, haja vista que não reuniu as assinaturas de todos os titulares de direitos que representasse.
Além disso, não foi realizado o registro da atribuição, ato de registro autônomo que deve ser procedido simultaneamente ao ato da instituição e especificação condominial” (fls. 07).
Desconhecida a razão pela qual assim se procedeu, é certo que não há responsabilidade a ser apurada porque, como constou em sentença, ocorreu o falecimento do então registrador titular.
De todo modo, uma vez realizado o registro da instituição e especificação do condomínio edilício, não mais subsiste o regime de comunhão em frações ideais sobre o terreno, mas sim o instituto do condomínio edilício, sendo inadmissível, portanto, a venda de fração ideal de empreendimento já instituído.
A pretensão da recorrente é a de que seja registrada na matrícula-mãe do empreendimento a escritura de venda e compra das frações ideais correspondentes às futuras unidades 91 e 92, o que, como se viu, não é possível.
Do mesmo modo, não é possível acolher o pedido subsidiário da recorrente – “anotação na referida matrícula a existência da supramencionada escritura pública de compra e venda com menção das frações ideais adquiridas por esta Apelante, com os respectivos números de salas (91 e 92), visando dar publicidade ao ato, conferindo segurança jurídica às partes e terceiros”.
O óbice que se apresenta ao registro da escritura de venda e compra das frações ideais igualmente existe para o pedido subsidiário.
E diferentemente do que pretende fazer crer a apelante, eventuais dificuldades práticas na superação do óbice apresentado pelo Oficial não equivalem à impossibilidade de atender a exigência formulada. Ademais, na justa e histórica compreensão deste Órgão Colegiado, eventuais erros pretéritos não justificam, nem legitimam outros, e tampouco se prestam a respaldar o ato registral pretendido (Apelação Cível nº 20.603-0/9, Rel. Des. Antônio Carlos Alves Braga, j. 9.12.1994; Apelação Cível nº 024.606-0/1, Rel. Des. Antônio Carlos Alves Braga, j. 30.10.1995; Apelação Cível nº 0009405-61.2012.8.26.0189, Rel. Des. José Renato Nalini, DJ 6/11/13; Apelação Cível nº 1013920-46.2018.8.26.0114, Rel. Des. Ricardo Anafe, j. 11/09/20) Apelação Cível nº 1006203-25.2018.8.26.0100, Rel. Des. Geraldo Francisco Pinheiro Franco, j. 18/12/2018; Apelação Cível nº 1080860- 93.2022.8.26.0100; Rel. Des. Fernando Antonio Torres Garcia, j. 24.04.2023).
Isso, contudo, não significa que a apelante não logrará obter a regularização registrária dos imóveis adquiridos, mas deverá, caso queria e requeira, proceder conforme informado pela Oficial quando suscitou a dúvida.
Como a Oficial esclareceu, citando a doutrina de Ademar Fioranelli (Direito Imobiliário: direito registral, direito notarial, locação de imóvel e outros temas, Editora Foco, 2019), não ofende o princípio da especialidade objetiva o ingresso do título pelo qual é alienada fração ideal do terreno vinculada a futura unidade autônoma quando o edifício já se encontra concluído e o condomínio especificado e instituído, não sendo razoável exigir a alteração do negócio jurídico, admitindo-se a transformação do “objeto do contrato-fração ideal vinculada à futura unidade – em unidade autônoma concluída não transacionada pelo incorporador” (fls. 09). E para viabilizar o ingresso do título, a mesma doutrina mencionada pela Registradora assim aborda a questão:
“(…) basta que o registrador descerre a matrícula individual da unidade autônoma em nome da proprietária e incorporadora com seus elementos filiatórios – registro do título aquisitivo anterior. Em seguida, que efetue o registro da transmissão da fração ideal do terreno negociada pelo valor estipulado (R.1) e o registro da atribuição da mesma unidade autônoma ao comprador que a construiu às suas expensas e cujas custas são margeadas pelos registros efetuados (R.2), considerando-se o valor da fração ideal e, no R.2, o valor tão somente da construção“.
Na eventualidade de ser postulado o descerramento da matrícula referente às unidades autônomas tratadas nos autos, em nome da proprietária e incorporadora, não será a recorrente responsável pelo pagamento dos emolumentos incidentes. Diante da omissão do Registrador à época no tocante aos atos que deveria ter praticado para a regularização das unidades autônomas, a própria serventia fica obrigada a tomar as providências necessárias à regularização da ocorrência. Após tais providências é que se dará o registro do título aquisitivo pela recorrente, em relação ao qual será responsável pelo pagamento dos emolumentos.
Em suma, basta a singela providencia de descerramento da matrícula das unidades autônomas, para o subsequente ingresso do contrato de venda das unidades futuras no registro imobiliário.
Incompreensível o pedido e o desejo da recorrente, de promover o registro de venda de frações ideais na matrícula mãe do empreendimento, transmudada por força de lei em unidades autônomas em condomínio edilício, após a instituição.
Ante o exposto, pelo meu voto, mantenho a procedência da dúvida e nego provimento à apelação, com observação.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
(DJe de 12.12.2024 – SP)