1ª VRP|SP: Pedido de Providências – Registro de Imóveis – Averbação de Extinção de Usufruto – Exigência de Complementação do ITCMD – Impossibilidade – Dúvida julgada improcedente.

Sentença

Processo nº: 1193739-72.2024.8.26.0100

Classe – Assunto Pedido de Providências – Registro de Imóveis

Requerente: 6º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

Requerido: Adelina Helena Tortora e outro

Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta

Vistos.

Trata-se de pedido de providências formulado pelo Oficial do 6º Registro de Imóveis de São Paulo, a requerimento de Adelina Helena Tortora e Alessandra Helena Tortora, diante de negativa em se proceder à averbação de extinção de usufruto registrado sob o n. 06 na matrícula n. 43.077 daquela serventia, em virtude do falecimento do usufrutuário Raffaele Tortora, ocorrido em 27 de março de 2022.

O Oficial informa que a negativa foi motivada pela necessidade de recolhimento do ITCMD relativo à parcela do usufruto, uma vez que somente dois terços do imposto, relativos à nua-propriedade, foram recolhidos na época da doação (fls. 01/05).

Documentos vieram às fls. 06/58.

Em manifestação dirigida ao Oficial, e em impugnação nos autos, a parte interessada aduziu que a exigência deve ser afastada, haja vista que o ITCMD é, em regra, cobrado da doação com reserva de usufruto da seguinte forma: 2/3 na doação e, posteriormente, 1/3 restante quanto ocorre a extinção do usufruto; que, por outro lado, a Lei n. 10.705/2000, que regulamenta o ITCMD do estado de São Paulo não prevê a incidência do tributo quando houver a extinção do usufruto; que, portanto, só poderia haver a cobrança do imposto na proporção de 2/3 sobre o valor do bem no momento da doação; que, ademais, a declaração de ITCMD n. 53147450 feita à época da lavratura da escritura pública cumpre fielmente a Lei Estadual n. 10.705/2000, ao passo que o óbice registral viola a lei, pois à época houve reserva usufruto, não havendo a incidência tributária; que nestes termos, requer a improcedência do pedido de providências, determinando-se o cancelamento do usufruto constante do R.6/43.077 (fls. 26/30 e 59/63).

O Ministério Público ofertou parecer, opinando pelo afastamento do óbice (fls. 67/68).

É o relatório.

Fundamento e Decido.

De proêmio, cabe ressaltar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

No mérito, o pedido é improcedente.

No caso concreto, a parte interessada pretende a averbação de extinção do usufruto registrado sob o n. 6 na matrícula n. 43.077, do 6º Registro de Imóveis de São Paulo (fls. 08), em virtude do falecimento do usufrutuário Raffaele Tortora (fls. 14).

Sobre a transmissão de bem por doação incide o ITCMD, nos termos da Lei Estadual n. 10.705/2000, artigo 2º, § 5º e artigo 9º, § 2º, itens 3 e 4 c/c artigo 1º, § 5º do Decreto n. 46.655/2002:

“Artigo 2º – O imposto incide sobre a transmissão de qualquer bem ou direito havido:

I – por sucessão legítima ou testamentária, inclusive a sucessão provisória;

II – por doação.

§ 1º – Nas transmissões referidas neste artigo, ocorrem tantos fatos geradores distintos quantos forem os herdeiros, legatários ou donatários.(…)

§ 5º – Estão compreendidos na incidência do imposto os bens que, na divisão de patrimônio comum, na partilha ou adjudicação, forem atribuídos a um dos cônjuges, a um dos conviventes, ou a qualquer herdeiro, acima da respectiva meação ou quinhão”.

“Artigo 9º – A base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito transmitido(…)

§ 2º – Nos casos a seguir, a base de cálculo é equivalente a:(…) 3.1/3 (um terço) do valor do bem, na instituição do usufruto, por ato não oneroso; 4. 2/3 (dois terços) do valor do bem, na transmissão não onerosa da nuapropriedade”.

A base de cálculo do imposto, portanto, é equivalente a um terço do valor do bem na instituição do usufruto por ato não oneroso e dois terços do valor do bem na transmissão não onerosa da nua-propriedade.

Entretanto, somente houve pagamento do tributo relativo à doação da nua-propriedade, optando a parte pelo recolhimento diferido da parcela correspondente ao futuro cancelamento do usufruto (1/3), como autoriza o artigo 31, § 3º, item 2, do Decreto Estadual n. 46.655/2002.

Referido dispositivo regulamentou o recolhimento do ITCMD, permitindo que, na hipótese de doação com reserva de usufruto em favor do doador, como ocorre na espécie, o imposto sobre o valor do usufruto seja recolhido por ocasião da consolidação da propriedade plena em favor do nu-proprietário.

Na espécie, verifica-se que, com o ingresso da escritura pública de doação com reserva de usufruto lavrada em 22 de setembro de 2017, o proprietário do imóvel não instituiu usufruto, mas o reservou para si, doando apenas a nua-propriedade (fls. 08).

Logo, o recolhimento sobre o valor integral da propriedade antes da lavratura da escritura de doação é facultativo, sendo permitido o adiamento do recolhimento da parcela correspondente ao futuro cancelamento do usufruto (artigo 31, § 3º, itens 2 e 3, do Decreto Estadual n. 46.655/2002).

Todavia, a orientação firmada pela E. Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo nos casos análogos é no sentido de que a legislação paulista não prevê a incidência do ITCMD quando da consolidação da propriedade plena ou quando da extinção do usufruto.

Assim, a complementação do ITCMD prevista no artigo 31 do Decreto n. 46.655/2002 caracteriza hipótese de incidência que não poderia ter sido criada por decreto regulamentar.

Nesse sentido:

“Registro de Imóveis – Averbação de cancelamento de usufruto pela morte da usufrutuária – Consolidação da propriedade em nome do nuproprietário – Exigência do Sr. Oficial de complementação do ITCMD, por 1/3 do valor do bem, uma vez já ter havido recolhimento do tributo, por 2/3 do valor do bem, quando da instituição do usufruto – Exigência afastada pela MM. Juíza Corregedora Permanente – Consolidação da propriedade que não caracteriza hipótese de incidência do tributo –  Precedente desta Corregedoria Geral – Decreto regulamentar nº 46.655/2002, que, na espécie, extrapola seus limites – Parecer pelo desprovimento do recurso.” (Processos 1057883-83.2017.8.26.0100, 1057875-09.2017.8.26.0100 e 1058147-03.2017.8.26.0100, Pareceres nºs 415/2017-E, 416/2017-E e 399/2017-E. Cor. Des. Pereira Calças, ap. em 06 e 07 de dezembro de 2017).

No parecer n. 399/2017-E, da lavra do MM. Juiz Assessor, Dr. Carlos Henrique André Lisboa, aprovado no processo de autos n. 1058147-03.2017.8.26.0100, tal posicionamento vem aclarado:

“A consolidação da propriedade não pode ser tida como transmissão decorrente de sucessão legítima ou testamentária e muito menos de doação.

Por fim, o artigo 9º, § 2º, IV, da mesma Lei Estadual estabelece que, na transmissão não onerosa da nua propriedade, a base de cálculo do ITCMD é equivalente a 2/3 do valor do bem. Por outro lado, não há na Lei menção alguma à complementação desse valor por ocasião da consolidação da propriedade.

Não há dúvida de que o artigo 31 do Decreto n° 46.655/2002, que regulamenta a Lei Estadual n° 10.705/2000, expressamente prevê a necessidade de complementação do ITCMD. por ocasião da consolidação da propriedade plena na pessoa do nu-proprietário. Essa hipótese de incidência, todavia, diante dos limites estabelecidos pela Constituição Federal (artigo 155, I, da CF) e do silêncio absoluto da Lei Estadual que o instituiu, não poderia ser criada por decreto regulamentar”.

Assim seguiram julgamentos mais recentes:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Averbação de cancelamento de usufruto, pela morte da usufrutuária – Consolidação da propriedade em nome do nu-proprietário – Exigência do Sr. Oficial de complementação do ITCMD sobre o valor de 1/3 dos bens – Reiterados precedentes desta Eg. Corregedoria Geral da Justiça no sentido de que a hipótese não caracteriza incidência do tributo – Necessidade de prestígio aos precedentes em prol da previsibilidade e segurança jurídica – Recurso desprovido.” (Processo 1120534-20.2018.8.26.0100, Parecer nº 357/2019-E, Corregedor Des. Geraldo Francisco Pinheiro Franco, ap. em 22 de julho de 2019).

“Registro de Imóveis – Cancelamento de usufruto – Comprovação do recolhimento do Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e de Doação – ITCMD incidente na diferença entre o valor total do imóvel e o valor que serviu como base de cálculo para a aquisição da nuapropriedade pela donatária – Hipótese de incidência não prevista na Lei Estadual nº 10.705/2000 – Ausência de transmissão da propriedade no cancelamento do usufruto – Precedentes da Corregedoria Geral da Justiça – Recurso provido.” (Processo 1005326-72.2020.8.26.0114, Parecer nº 410/2020-E, Corregedor Des. Ricardo Anafe, ap. em 25 de setembro de 2020).

Releve-se que a causa de cancelamento, renúncia ou morte do usufrutuário, como indicado nas ementas citadas, não altera a conclusão.

Destarte, em observância à posição superior no sentido de que não é possível exigir o pagamento de tributo sem lei que o institua, o óbice formulado deve ser afastado.

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido de providências para afastar a exigência.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 19 de dezembro de 2024.

Renata Pinto Lima Zanetta

Juíza de Direito 

(DJe de 08.01.2025 – SP)