1ª VRP|SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Escritura Pública de Inventário e Partilha – ITCMD – Base De Cálculo – Valor Venal para fins de IPTU – Óbice afastado.
Sentença
Processo nº: 1000045-07.2025.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Suscitante: 14º Oficial de Registro de Imoveis da Capital
Suscitado: Carminda Teixeira Nachef
Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo 14º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, por meio de seu patrono constituído, a requerimento de Carminda Teixeira Nachef, diante de negativa em se proceder ao registro de escritura pública de inventário e partilha lavrada em 12.11.2024, pelo Tabelião de Notas e de Protesto de Letras e Títulos de Pederneiras/SP, referente aos bens deixados pelo falecimento de Nabih Massud Nachef, envolvendo o imóvel transcrito o sob n. 50.040 (atual matrícula n. 261.207) daquela serventia.
O Oficial informa que na declaração emitida pela Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo, referente ao cálculo do ITCMD, utilizou-se a base de cálculo incorreta, uma vez que efetivada sobre o valor venal para fins de IPTU, não sendo observado o valor venal de referência, de modo que necessária complementação, inclusive com encargos, na forma da legislação municipal (Decreto n. 55.002/2009); que a legislação impõe aos registradores controle rigoroso do recolhimento de tributos, sob pena de responsabilidade pessoal (fls. 01/03).
Documentos vieram às fls. 04/116.
Em impugnação nos autos, a parte suscitada aduziu, em síntese, que, ainda que a base de cálculo eleita contrariasse aquela prevista no Decreto Estadual, é certo dizer que o raciocínio do recolhimento utilizado tem amplo acolhimento jurisprudencial (não só no caso trazido pelo suscitado), diante de aventada inconstitucionalidade da normativa paulista, que diverge da lei de regência; que o C. Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a fiscalização devida pelo Oficial não vai além da aferição sobre a existência ou não do recolhimento do tributo (e não se houve correto recolhimento do valor); que o recolhimento do ITCMD com base no valor venal para fins de IPTU não implica flagrante irregularidade à vista do que dispõe a Lei Estadual n. 10.705/00; e que houve recolhimento do tributo devido e não há flagrante irregularidade, de modo que eventual diferença deve ser discutida na via adequada, não cabendo ao Oficial negar o registro do título ao analisar a correção do valor recolhido (fls. 117/142).
O Ministério Público opinou pelo afastamento do óbice (fls. 148/151).
É o relatório.
Fundamento e decido.
De início, é importante ressaltar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.
No mérito, a dúvida é improcedente. Vejamos os motivos.
Sabe-se que vigora, para os registradores, ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (art. 289 da Lei n. 6.015/73; art. 134, VI, do CTN e art. 30, XI, da Lei n. 8.935/1994).
Entretanto, o C. Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a fiscalização devida não vai além da aferição sobre a existência ou não do recolhimento do tributo (e não se houve correto recolhimento do valor, sendo tal atribuição exclusiva do ente fiscal, a não ser na hipótese de flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo):
“REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA INVERSA – FORMAL DE PARTILHA – ITCMD – EXIGÊNCIA PELO ADITAMENTO DO TÍTULO PARA CONSTAR OS QUINHÕES ATRIBUÍDOS A CADA HERDEIRO – INFORMAÇÃO NECESSÁRIA À FISCALIZAÇÃO DO PAGAMENTO DE IMPOSTOS – INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA QUE, NO CASO CONCRETO, PODE SER VERIFICADA DAS INFORMAÇÕES COMPLETAS PRESTADAS À FAZENDA DO ESTADO – DEVER LEGAL DO REGISTRADOR QUE SE LIMITA À FISCALIZAÇÃO DO EFETIVO RECOLHIMENTO DO TRIBUTO E DA RAZOABILIDADE DA BASE DE CÁLCULO UTILIZADA – PARTICIPAÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA NA AÇÃO DE INVENTÁRIO QUE PERMITE AMPLA CIÊNCIA PARA ADOÇÃO DE EVENTUAIS PROVIDÊNCIAS – RECURSO PROVIDO PARA AFASTAR AS EXIGÊNCIAS E AUTORIZAR O REGISTRO.” (TJSP; Apelação Cível 1002982-09.2022.8.26.0063; Relator: Francisco Loureiro (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Barra Bonita – 1ª Vara; Data do Julgamento: 15/08/2024; Data de Registro: 21/08/2024).
O recolhimento do imposto com base no valor venal para fins de IPTU não implica flagrante irregularidade à vista do que dispõe a Lei n. 10.705/00: a base de cálculo do ITCMD é o valor venal do bem indicado pelo valor de mercado, desde que não inferior àquele fixado para lançamento do IPTU:
“Artigo 9º – A base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito transmitido, expresso em moeda nacional ou em UFESPs (Unidades Fiscais do Estado de São Paulo).
§ 1º – Para os fins de que trata esta lei, considera-se valor venal o valor de mercado do bem ou direito na data da abertura da sucessão ou da realização do ato ou contrato de doação.
(…)
Artigo 11 – Não concordando a Fazenda com valor declarado ou atribuído a bem ou direito do espólio, instaurar-se-á o respectivo procedimento administrativo de arbitramento da base de cálculo, para fins de lançamento e notificação do contribuinte, que poderá impugnálo.
(…)
Artigo 13 – No caso de imóvel, o valor da base de cálculo não será inferior:
I – em se tratando de imóvel urbano ou direito a ele relativo, ao fixado para o lançamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana IPTU”.
Em outros termos, como houve recolhimento do tributo devido (fls. 50/53, 63/66 e 86/91) e não há flagrante irregularidade, eventual diferença, inclusive aquela decorrente de eventual falta de atualização da base de cálculo, deve ser discutida na via adequada, que não esta.
Não subsiste, em consequência, o óbice.
Neste sentido decidiu, em caso análogo, o E. Conselho Superior da Magistratura:
“Registro de Imóveis. Dúvida. Escritura pública de doação imposto sobre transmissão (ITCMD). Qualificação negativa do título, sob o fundamento de irregularidade na base de cálculo do recolhimento do imposto. Dever de fiscalização do Oficial que se limita à existência do recolhimento do imposto, ou eventual isenção. Discussão sobre a base de cálculo utilizada que extrapola as atribuições do registrador. Óbice afastado para determinar o registro do título. Dá-se provimento à apelação” (TJSP; Apelação Cível 1002131-81.2021.8.26.0587; Relator: Ricardo Mair Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Data do Julgamento: 14/12/2021).
Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida suscitada e determino o registro do título.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Providencie, a serventia judicial, o traslado de cópias de fls.01/04, 09 e 115/116, para os autos n. 1042391-07.2024.8.26.0100, certificando-se.
Oportunamente, ao arquivo.
P.R.I.C.
São Paulo, 20 de janeiro de 2025.
Renata Pinto Lima Zanetta
Juíza de Direito
(DJe de 24.01.2025 – SP)