CNJ: Administrativo – Pedido De Providências – Cooperação entre Juízos Arbitrais e Cartórios de Imóveis – Pedido de alteração das Resoluções CNJ n. 350/2020 e n. 421/2021 – Ausência de previsão legal – Improcedência.

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS – 0005583-87.2023.2.00.0000

Requerente: CAMARA IBERO AMERICANA DE ARBITRAGEM MEDIACAO EMPRESARIAL – CIAAM

Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – CNJ

EMENTA

ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. COOPERAÇÃO ENTRE JUÍZOS ARBITRAIS E CARTÓRIOS DE IMÓVEIS. PEDIDO DE ALTERAÇÃO DAS RESOLUÇÕES CNJ N. 350/2020 E N. 421/2021. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. IMPROCEDÊNCIA.

I. CASO EM EXAME

1. Pedido de Providências proposto pela Câmara Ibero-Americana de Arbitragem e Mediação Empresarial (CIAAM) contra o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), visando alterar a redação das Resoluções CNJ n. 350/2020 e n. 421/2021.

2. Requer-se a regulamentação sobre a cooperação entre tribunais arbitrais e cartórios de imóveis, para que as sentenças arbitrais possam ser registradas sem necessidade de intervenção do Poder Judiciário.

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO

3. A questão em discussão é saber se compete ao Conselho Nacional de Justiça a regulamentação sobre a cooperação entre tribunais arbitrais e serventias extrajudiciais a fim de que sejam feitos os ajustes às normas pertinentes.

III. RAZÕES DE DECIDIR

4. As Resoluções CNJ n. 350/2020 e n. 421/2021 foram editadas para regulamentar a cooperação entre os órgãos do Poder Judiciário e entre eles e os tribunais arbitrais e árbitros, o que não abrange a cooperação entre cartórios extrajudiciais e árbitros, uma vez que esta relação não envolve órgãos do Poder Judiciário.

5. A regulamentação da matéria não está no âmbito das competências do Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B, §4º, da CF/1988 c/c art. 4º do RICNJ).

6. O Código de Processo Civil (art. 260 §3°) e a Lei de Arbitragem (art.22-C da Lei n. 9.307/1996) ao preverem a carta arbitral como instrumento de cooperação, referiram-se apenas à relação entre juízes e árbitros, deixando de regulamentar os instrumentos aplicáveis à cooperação entre árbitros e outras entidades (públicas ou privadas). Em razão do silêncio da lei, não cabe ao CNJ regulamentar a matéria.

7. Embora haja equiparação legal entre a sentença arbitral e a sentença judicial, o que possibilita o cumprimento daquela diretamente pelos árbitros, eles não detêm o poder de império, que é próprio do Estado. Por essa razão, caso haja recusa do cartório em registrar a sentença arbitral, necessariamente dever-se-á buscar o Poder Judiciário.

IV. DISPOSITIVO E TESE

8. Pedidos julgados improcedentes.

9. Tese de julgamento: “Não compete ao Conselho Nacional de Justiça regulamentar a cooperação direta entre tribunais arbitrais e cartórios de imóveis para fins de registro de sentenças arbitrais, notadamente, ante a ausência de lei que expressamente preveja a utilização da carta arbitral para tal finalidade”.

Dispositivos relevantes citados: Constituição Federal, art. 103-B, §4º; Lei n. 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos), art. 221, IV; Código de Processo Civil, art. 237, IV; Lei n. 9.307/1996 (Lei de Arbitragem), art. 22-C.

Jurisprudência relevante citada: CNJ, Consulta n. 8630-40.2021.2.00.0000, Decisão monocrática, Rel. Cons. Mário Goulart Maia, j. 27/09/2022; CNJ, PP n. 4727-02.2018.2.00.0000, Decisão monocrática, Rel. Cons. Humberto Martins, j. 26/8/2019; CNJ, CONS 0002980-41.2023.2.00.0000, Relator Luiz Fernando Bandeira de Mello, j. 01/03/2024.

ACÓRDÃO 

O Conselho, por unanimidade, julgou improcedentes os pedidos, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário Virtual, 14 de novembro de 2024. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luís Roberto Barroso, Mauro Campbell Marques, Caputo Bastos, José Rotondano, Mônica Nobre, Alexandre Teixeira, Renata Gil, Daniela Madeira, Guilherme Feliciano, Pablo Coutinho Barreto, João Paulo Schoucair, Daiane Nogueira de Lira e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votaram em razão das vacâncias dos cargos, os Conselheiros representantes da Ordem dos Advogados do Brasil.

RELATÓRIO

O CONSELHEIRO PABLO COUTINHO BARRETO (Relator):

Trata-se de Pedido de Providências (PP) proposto pela Câmara Ibero-Americana de Arbitragem e Mediação Empresarial (CIAAM), em face do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no qual requer aprimoramentos nas Resoluções CNJ n. 350/2020 [1] e n. 421/2021 [2].

A requerente pretende que as mencionadas normas prevejam a possibilidade de cooperação entre os juízos e tribunais arbitrais e os cartórios de imóveis a fim de que a sentença arbitral ingresse no registro de imóveis para todos os fins legais. Alega que, em precedente do CNJ, ficou estabelecido que “a sentença arbitral, possui os mesmos efeitos da sentença judicial como título executivo, há uma equiparação eficaz, e nesta conformidade, assume prerrogativas de título hábil para o acesso ao registro imobiliário” (CNJ, Cons. n. 08630-40.2021.2.00.0000, Rel. Cons. Mário Goulart Maia, j. 27/9/2022).

Ressalta, contudo, que as Resoluções CNJ n. 350/2020 e n. 421/2021 contemplam somente a possibilidade de cooperação entre juízos togado e arbitral, na linha do que estabelece o art. 22-C da Lei 9.307/1996 (Lei de Arbitragem) [3], não havendo previsão quanto aos cartórios, embora estejam sob fiscalização do Poder Judiciário, razão pela qual devem ser aprimoradas.

Por fim, requer: i) que as mencionadas resoluções prevejam a possibilidade de cooperação entre o juízo arbitral ou tribunal arbitral e os cartórios de imóveis; ii) alternativamente, que o CNJ regulamente a possibilidade de que o tribunal arbitral possa encaminhar diretamente aos cartórios de imóveis decisão arbitral liminar determinando arresto de bens imóveis, por exemplo, sem a necessidade de submissão de carta arbitral ao Juízo togado; iii) ou, ainda, a expedição de recomendação aos tribunais a fim eles regulamente a matéria, no âmbito de sua competência e dentro de prazo definido pelo CNJ, de modo, a aperfeiçoar os mecanismos de cooperação entre tribunais arbitrais e o Poder Judiciário; iv) demais medidas que se entenda cabíveis para os fins propostos.

Em razão de certidão expedida pela Secretaria Processual do CNJ (Id 55272430), remeti os autos ao gabinete do Conselheiro Marcos Vinicius Jardim Rodrigues, para análise quanto à eventual ocorrência de prevenção em relação à Consulta nº 0001045-63.2023.2.00.0000 (Id 5363159).

Nos termos da decisão Id. 5375458, o eminente Conselheiro não reconheceu a prevenção suscitada (Id. 5375458), razão pela qual os autos retornaram conclusos.

Na sequência, em razão da complexidade da matéria, encaminhei os autos ao Comitê Executivo da Rede Nacional de Cooperação Judiciária para emissão de parecer (Id 5379496).

O Comitê manifestou-se no sentido de “julgar improcedente o pedido de providências, no que se refere aos requerimentos de alteração das resoluções CNJ 350/2020 e 421/2021, deixando de manifestar-se o Comitê Executivo sobre o pedido de expedição de recomendação” (Id 5759100).

É o relatório.

VOTO

O CONSELHEIRO PABLO COUTINHO BARRETO (Relator):

Os pedidos devem ser julgados improcedentes, na linha dos fundamentos trazidos no parecer do Comitê Executivo da Rede Nacional de Cooperação Judiciária do Conselho Nacional de Justiça.

Conforme relatado, a parte requerente pretende que se promova ajustes ao texto das Resoluções CNJ n. 350/2020 e n. 421/2021, a fim de regulamentar a cooperação entre os juízos e tribunais arbitrais e as serventias extrajudiciais. No entanto, a matéria proposta não está inserida no âmbito da regulamentação que se buscou efetivar com a edição dos mencionados atos normativos.

Como se sabe, a Resolução CNJ n. 350/2020 estabeleceu diretrizes e procedimentos sobre a cooperação judiciária nacional entre os órgãos do Poder Judiciário e entre eles e outras instituições e entidades, integrantes ou não do sistema de justiça, que possam, direta ou indiretamente, contribuir para a administração da justiça.

Os Tribunais arbitrais e árbitros(as) estão incluídos dentre os sujeitos da cooperação interinstitucional, consoante a redação dada ao art. 16, VI, da Resolução CNJ n. 350/2020 pela Resolução CNJ n. 421/2021, que estabeleceu as diretrizes sobre a cooperação judiciária nacional em matéria de arbitragem. Assim, os árbitros poderão requisitar a cooperação dos juízos, o que se dará com fundamentado no artigo 237, IV, do Código de Processo Civil [4].

Consoante se depreende da leitura das mencionadas resoluções, elas não estabelecem a cooperação direta entre tribunais arbitrais e cartórios, porque esta relação não envolve órgãos do Poder Judiciário, o que, por conseguinte, demonstra ser incabível a pretensão da requerente.

A regulamentação de tais atividades tampouco está no âmbito das competências do Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B, §4º, da CF/1988 c/c art. 4º do RICNJ).

O Código de Processo Civil [5] (art. 260 §3°) e a Lei de Arbitragem [6] (art.22-C da Lei n. 9.307/1996) ao preverem a carta arbitral como instrumento de cooperação, referiram-se apenas à relação entre juízes e árbitros, deixando de regulamentar os instrumentos aplicáveis à cooperação entre árbitros e outras entidades (públicas ou privadas).

Em razão do silêncio da lei, o Comitê Executivo da Rede Nacional de Cooperação Judiciária concluiu pela impossibilidade de o CNJ regulamentar a matéria. De fato, a regulamentação, nos termos pretendidos pela requerente, ensejaria inovação não amparada em lei. Confira-se o seguinte trecho do parecer técnico (Id 5759100):

Nesse sentido, para que o CNJ emendasse as resoluções existentes ou editasse outros atos normativos, ou mesmo para simplesmente recomendasse que os tribunais regulamentem a possibilidade de utilização da carta arbitral para cumprimento direto de decisões arbitrais pelos cartórios, seria necessária prévia alteração legal que expressamente previsse a utilização da carta arbitral para tal finalidade.

Para amparar seu pedido, a requerente cita, ainda, a decisão monocrática na Consulta n. 8630-40.2021.2.00.0000, Rel. Cons. Mário Goulart Maia, j. 27/09/2022. Dela constou o esclarecimento de que “não há ato normativo, originado na Corregedoria Nacional de Justiça, impediente de que registradores inscrevam cartas de sentença arbitrais” (Id 4872503 daqueles autos).

No precedente, também foi mencionado o julgamento do PP n. 4727-02.2018.2.00.0000, que se deu por decisão monocrática da lavra do Conselheiro Humberto Martins, de 26/8/2019, na qual ficou assentado que “a expressão “carta de sentença” contida no art. 221, IV, da Lei n. 6.015/73 deve ser interpretada no sentido de contemplar tanto a carta de sentença arbitral como sentença judicial (Id 3719676 do PP n. 0004727-02.2018.2.00.0000).

Transcrevo o teor do art. 221, IV, da Lei n. 6.015/1973, que dispõe sobre os registros públicos, para melhor compreensão da matéria:

Art. 221 – Somente são admitidos registro: […]

IV – cartas de sentença, formais de partilha, certidões e mandados extraídos de autos de processo.

Assim, observo que, muito embora seja correto o argumento da requerente de que há equiparação legal entre a sentença arbitral e a sentença judicial, é certo que o juízo arbitral é desprovido de poderes coercitivos, próprios do Estado. É nessa linha a jurisprudência sedimentada no Superior Tribunal de Justiça:

“AGRAVO INTERNO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CONTRATO. CLÁUSULA DE ARBITRAGEM. JUÍZO ESTATAL COM FORÇA EXECUTIVA. JURISDIÇÃO ARBITRAL AFASTADA. REEXAME DAS CONCLUSÕES ADOTADAS PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7 DO STJ. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM O ENTENDIMENTO FIRMADO NO STJ. SÚMULA 568 DO STJ. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência do STJ sedimentou o entendimento de que é possível a execução, no Poder Judiciário, de contrato que contenha cláusula de arbitragem, pois o juízo arbitral é desprovido de poderes coercitivos. Precedentes. Súmula 568 do STJ. 2. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria fático-probatória e a interpretação de cláusulas contratuais (Súmulas 5 e 7/STJ). 3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt nos EDcl no AREsp n. 2.362.724/SP, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 15/4/2024, DJe de 18/4/2024.)

Por essa razão – ausência de coercibilidade ou imperatividade -, caso haja recusa do cartório em registrar a sentença arbitral, necessariamente dever-se-á buscar o Poder Judiciário.

Nesse sentido, cito trecho de precedente do CNJ:

“[…] Embora os árbitros limitem-se a estabelecer providências coercitivas ao cumprimento de suas decisões, como multa diária, busca e apreensão, seus atos não são revestidos de imperatividade, sendo indispensável, na hipótese de descumprimento, a atuação judicial.

Portanto, a carta arbitral serve como instrumento para o árbitro determinar a execução de medidas cautelares e/ou coercitivas pelo Poder Judiciário”.

(CNJ, CONS 0002980-41.2023.2.00.0000, Relator Luiz Fernando Bandeira de Mello, j. 01/03/2024)

Ante o exposto, julgo improcedentes os pedidos.

Após intimada a requerente, arquivem-se os autos.

É como voto.

Brasília, data registrada no sistema.

Pablo Coutinho Barreto

Conselheiro Relator

Notas:

[1] Estabelece diretrizes e procedimentos sobre a cooperação judiciária nacional entre os órgãos do Poder Judiciário e outras instituições e entidades, e dá outras providências.

[2] Estabelece diretrizes e procedimentos sobre a cooperação judiciária nacional em matéria de arbitragem e dá outras providências.

[3] Art. 22-C.  O árbitro ou o tribunal arbitral poderá expedir carta arbitral para que o órgão jurisdicional nacional pratique ou determine o cumprimento, na área de sua competência territorial, de ato solicitado pelo árbitro.

[4] Art. 237. Será expedida carta: […] IV – arbitral, para que órgão do Poder Judiciário pratique ou determine o cumprimento, na área de sua competência territorial, de ato objeto de pedido de cooperação judiciária formulado por juízo arbitral, inclusive os que importem efetivação de tutela provisória.

[5] Art. 260, § 3º A carta arbitral atenderá, no que couber, aos requisitos a que se refere o caput e será instruída com a convenção de arbitragem e com as provas da nomeação do árbitro e de sua aceitação da função.

[6] Art. 22-C.  O árbitro ou o tribunal arbitral poderá expedir carta arbitral para que o órgão jurisdicional nacional pratique ou determine o cumprimento, na área de sua competência territorial, de ato solicitado pelo árbitro. (Incluído pela Lei nº 13.129, de 2015)

(DJe 02.12.2024)