CSM|SP: Direito Civil – Apelação – Usucapião Extrajudicial – Bens públicos, incluindo dominicais, não podem ser adquiridos por usucapião – A desafetação de bem público requer prova inequívoca – Recurso desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1015479-18.2023.8.26.0161, da Comarca de Diadema, em que são apelantes IVAN JOSÉ BERNUZZI e ALIDA POPPI BERNUZZI, é apelado OFICIALA DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE DIADEMA.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 23 de janeiro de 2025.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1015479-18.2023.8.26.0161
APELANTES: Ivan José Bernuzzi e Alida Poppi Bernuzzi
APELADO: Oficiala de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Diadema
VOTO Nº 43.680
Direito civil – Apelação – Usucapião extrajudicial – Recurso desprovido.
I. Caso em Exame
1. Apelação interposta contra sentença que manteve a recusa do Registro de Imóveis em prosseguir com pedido de usucapião extrajudicial de imóvel de propriedade do Município.
II. Questão em Discussão
2. A questão em discussão consiste em determinar se é possível a usucapião de imóvel público, alegadamente desafetado, pertencente ao Município de Diadema.
III. Razões de Decidir
3. O imóvel é de propriedade do Município, conforme certidão da matrícula, e não há dúvida sobre esse fato.
4. A Constituição Federal veda a usucapião de bens públicos (art. 183, § 3º), e o Código Civil e a jurisprudência é uniforme em afirmar que bens públicos, mesmo dominicais, não podem ser usucapidos. A alegação de desafetação não foi comprovada.
IV. Dispositivo e Tese
5. Recurso desprovido.
Tese de julgamento: 1. Bens públicos, incluindo dominicais, não podem ser adquiridos por usucapião. 2. A desafetação de bem público requer prova inequívoca, não apresentada no caso.
Legislação Citada:
CF/1988, art. 183, § 3º.
Jurisprudência Citada:
TJSP, Apelação Cível 0003716-34.2010.8.26.0471, Rel. Luis Fernando Cirillo, 9ª Câmara de Direito Privado, j. 06/12/2024.
TJSP, Apelação Cível 1000773-41.2018.8.26.0602, Rel. Ricardo Anafe, 13ª Câmara de Direito Público, j. 27/03/2024.
TJSP, Apelação Cível 1000092-95.2015.8.26.0337, Rel. Rodolfo Pellizari, 6ª Câmara de Direito Privado, j. 19/12/2023.
Trata-se de apelação interposta por Ivan José Bernuzzi e Alida Poppi Bernuzzi contra a r. sentença de fls. 705/706, proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de Diadema, que manteve a recusa da Oficial em dar prosseguimento ao pedido de usucapião extrajudicial do imóvel objeto da matrícula nº 64.119 daquela serventia.
Os apelantes alegam, em suma: que embora seja de propriedade do Município de Diadema, o imóvel não tem finalidade pública e foi desafetado; que a administração está autorizada a alienar bens públicos. Pedem que seja dado provimento ao recurso (fls. 710/717).
A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 728/730).
Por meio da decisão de fls. 731, o processo foi redistribuído da Corregedoria Geral da Justiça para este C. Conselho Superior da Magistratura.
É o relatório.
O recurso não comporta provimento.
O imóvel objeto de usucapião extrajudicial é de propriedade do Município de Diadema (cf. certidão da matrícula nº 64.119 do Registro de Imóveis de Diadema – fls. 16). Dúvida não há acerca de tal fato.
A par da vedação constitucional (art. 183, § 3º, da CF[1]), a jurisprudência deste Tribunal de Justiça é uniforme no sentido de que bens públicos não podem ser usucapidos:
“APELAÇÃO. USUCAPIÃO. Sentença de improcedência. Irresignação dos autores. Não provimento. O bem público não pode ser objeto de posse pelo particular, pena de se malferir a destinação da coisa pública, que não é desafetada pela vontade privada. Desde a vigência do Código Civil de 1916 os bens dominicais, bem como os demais bens públicos não podem ser alvo de usucapião, em consonância com o disposto no artigo 67 do Códito Bevilacqua e a Súmula nº 340 do Supremo Tribunal Federal. No mesmo sentido o disposto no art. 102 do Código Civil vigente. Pretensão que incide sobre imóvel que é de titularidade da Fazenda Pública do Estado de São Paulo, destinada a assentamentos de trabalhadores rurais (Assentamento Porto Feliz). Sentença de improcedência mantida. Ratificação dos fundamentos do decisum. Aplicação do art. 252 do RITJSP/2009. Recurso improvido.” (TJSP; Apelação Cível 0003716-34.2010.8.26.0471; Relator (a): Luis Fernando Cirillo; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro de Porto Feliz – 2ª Vara; Data do Julgamento: 06/12/2024; Data de Registro: 06/12/2024).
“Apelação Cível. Possessória. Reintegração de posse – Preliminares afastadas – Bem público – O bem público não se sujeita ao abandono, tampouco pode ser objeto de usucapião, sendo impossível a desafetação por mera vontade do particular – A ocupação de bem público por particular, por tolerância do Poder Público, é mera detenção, não gerando nenhum direito, inclusive no que toca a acessões e benfeitorias. Direito à moradia – Remanejamento para conjuntos habitacionais ou pagamento de auxílio moradia – Artigo 6º da Constituição Federal – Norma programática – Direito que para ser efetivado depende de lei integrativa que defina critérios específicos não instituídos pela Lei Maior – A regra do direito à moradia (artigo 6º, da CF) não possui aplicação imediata, automática, constitui, em verdade, direito fundamental para o Poder Público não ficar alheio às necessidades sociais – Concessão do benefício nos casos especificados na Lei Municipal nº 8.451/2008 (artigo 7º, §3º), conforme as prioridades estabelecidas em política pública – Requeridas que não se enquadram nos requisitos estabelecidos – Não cabe ao Poder Judiciário invadir a esfera discricionária da política habitacional e social da Administração Municipal, o que afrontaria o princípio da separação dos Poderes. Rejeita-se a matéria preliminar e nega-se provimento ao recurso interposto.” (TJSP; Apelação Cível 1000773-41.2018.8.26.0602; Relator (a): Ricardo Anafe; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Público; Foro de Sorocaba -Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 27/03/2024; Data de Registro: 12/04/2024).
“APELAÇÃO CÍVEL. Usucapião extraordinária. Improcedência. Irresignação. Cerceamento de defesa não configurado. Ocupação de bem público que se caracteriza como mera detenção, sendo desnecessária nova prova pericial para apurar a natureza pública do imóvel, já comprovada por outros meios de prova. Princípio do livre convencimento motivado (art. 370, do CPC). Possibilidade de indeferimento de provas quando presente condição suficiente a embasar o deslinde da causa. Impossibilidade de reconhecimento de prescrição aquisitiva sobre bem de domínio da municipalidade. Exegese dos artigos 183, parágrafo terceiro, e 191, parágrafo único, da Constituição Federal e Súmula 340 do STF. O imóvel público é indisponível, de modo que eventual omissão dos governos na invasão de áreas públicas implica responsabilidade de seus agentes, nunca vantagem de indivíduos às custas da coletividade. Sentença mantida. RECURSO DESPROVIDO.” (TJSP; Apelação Cível 1000092-95.2015.8.26.0337; Relator (a): Rodolfo Pellizari; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro de Mairinque – 2ª Vara; Data do Julgamento: 19/12/2023; Data de Registro: 19/12/2023).
E mesmo os bens públicos sem destinação pública específica, denominados bens dominicais, não podem ser usucapidos, como deixa clara a Súmula nº 340 do STF:
Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião.
Embora os apelantes afirmem que o bem foi desafetado, não há prova alguma nesse sentido. Isso porque desafetação pressupõe manifestação de vontade do Poder Público em alterar a destinação de um bem que lhe pertence. A ausência de prova da desafetação impossibilita o prosseguimento do procedimento, não havendo razão para que se prossiga com as notificações se o bem objeto da usucapião, por expresso comando constitucional, não pode assim ser adquirido.
Desse modo, a r. sentença que impediu o prosseguimento da usucapião extrajudicial deve ser integralmente mantida.
Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Nota:
[1] § 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
(DJe de 03.02.2025 – SP)