CSM|SP: Direito Civil – Apelação – Registro de Imóveis – Desnecessidade de prévio registro do inventário dos bens deixados pelo marido da coproprietária – Bem que tornou-se particular – Recurso desprovido.

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1033409-54.2023.8.26.0224, da Comarca de Guarulhos, em que é apelante JHMO EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇOES S/A, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE GUARULHOS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 23 de janeiro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1033409-54.2023.8.26.0224

Apelante: Jhmo Empreendimentos e Participaçoes S/A

Apelado: 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Guarulhos

VOTO Nº 43.671

Direito civil – Apelação – Registro de imóveis – Recurso desprovido.

I. Caso em Exame

1. Apelação interposta contra sentença que manteve a recusa do registro de carta de sentença. A apelante alega que não há impedimentos para o registro, pois adquiriu a parcela do imóvel de Sonia por adjudicação judicial e já recolheu o ITBI devido.

II. Questão em Discussão

2. A questão em discussão consiste em (i) verificar a necessidade de prévio registro do inventário dos bens deixados pelo marido da coproprietária e (ii) avaliar se o recolhimento do ITBI foi realizado corretamente.

III. Razões de Decidir

3. A exigência de prévio registro do inventário não se sustenta, pois a parte do imóvel que permanece em nome da mulher tem natureza de bem próprio e não está sujeita a partilha.

4. O acordo celebrado entre as partes foi uma compra e venda, não uma adjudicação, e o ITBI, desse modo, foi recolhido a menor.

IV. Dispositivo e Tese

5. Recurso desprovido.

Tese de julgamento: 1. A meação excluída da penhora por dívida que não favoreceu o casal ganha a natureza de bem próprio e não volta a ingressar na comunhão. 2. O recolhimento correto do ITBI é essencial para o registro do título.

Legislação Citada:

CPC, art. 843, art. 876; CC, art. 1.659; Lei nº 6.015/73, art. 289; Lei nº 8.935/94, art. 30, XI.

Trata-se de apelação interposta por JHMO Empreendimentos e Participações S/A contra a r. sentença de fls. 658/661, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 1º Registro de Imóveis da Comarca de Guarulhos, que manteve a recusa do registro na matrícula nº 55.109 de carta de sentença expedida pelo 6º Tabelião de Notas da Comarca da Capital, extraída do processo nº 1037284-37.2020.8.26.0224, que tramitou perante a 5ª Vara Cível de Guarulhos.

A apelante alega, em resumo, que não há óbices ao registro da Carta de Sentença, uma vez que a parcela do imóvel adquirida pertencia somente a Sonia. Esclarece que, antes do falecimento de Roberto, arrematou a parte do imóvel de propriedade exclusiva deste, em execução que correu perante a Justiça do Trabalho. Defende que a aquisição da parcela do imóvel pertencente a Sonia se deu por adjudicação judicial, estando correto o valor já recolhido a título de ITBI. Pede, ao final, o provimento da apelação (fls. 678/688).

O registrador manifestou-se a fls. 651/652.

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 711/713).

É o relatório.

Consoante certidão de fls. 285/313, metade do imóvel matriculado sob nº 55.109 foi adquirido por Roberto Petrucci e Sonia Raquel Izquierdo Petrucci, casados sob o regime da comunhão universal de bens, em novembro de 1989 (cf. R.1 – fls. 285/287).

A outra metade foi adquirida pelo mesmo casal em junho de 1990 (cf. R.3 – fls. 289), que, assim, se tornou proprietário da integralidade do prédio.

Em setembro de 2019, 50% do imóvel foi arrematado por JHMO Empreendimentos e Participações S/A, ora apelante, em execução trabalhista movida por Walter Ferreira Araújo contra o coproprietário Roberto Petrucci e outros (cf. R.24 – fls. 309).

Em seguida, JHMO Empreendimentos e Participações S/A, na qualidade de coproprietária do imóvel matriculado sob nº 55.109, ajuizou ação de extinção de condomínio contra Sonia Raquel Izquierdo Petrucci (processo nº 1037284-37.2020.8.26.0224 – fls. 479/484). No curso dessa demanda, as partes formalizaram acordo, por meio do qual o imóvel foi adjudicado em favor de JHMO Empreendimentos e Participações S/A. Para tanto, JHMO Empreendimentos e Participações S/A pagou valor em dinheiro a Sônia Raquel Izquierdo Petrucci (R$ 200.000,00), assumiu dívida de IPTU relativa ao prédio bem e solveu dívida trabalhista de credor com constrição inscrita na matrícula do imóvel (fls. 603/605 e 609/610).

Extraída a carta de sentença, o registro foi obstado por duas razões: a) necessidade de prévio registro do inventário dos bens deixados por Roberto Petrucci; b) recolhimento a menor do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI).

A primeira exigência indicada pelo Oficial não se sustenta.

Com efeito, a análise dos atos registrais inscritos na matrícula nº 55.109 do 1º Registro de Imóveis de Guarulhos revela que o registro da carta de sentença apresentada independe da inscrição da partilha feita no inventário de Roberto Petrucci.

Como se viu, o bem imóvel era de propriedade Roberto e Sonia, casados pelo regime da comunhão universal de bens Em 23 de maio de 2016, 50% do bem foi penhorado pelo Juízo da 7ª Vara do Trabalho de Guarulhos em execução trabalhista movida por Walter Ferreira Araújo “em face do proprietário ROBERTO PETRUCCI, já qualificado e de 1)- MARIA ASSUNÇÃO COSTA CARVALHO (…) e da pessoa jurídica SUBSTANCIAL PRODUTOS ALIMENTÍCIOS LTDA.” (cf. av.21 da matrícula nº 55.109 – fls. 305/307). Referida penhora deu origem à arrematação da metade do imóvel por JHMO Empreendimentos e Participações S/A em 3 de setembro de 2019 (cf. av.24 da matrícula nº 55.109 – fls. 309).

Embora o disposto no art. 843 do CPC[1] não tenha sido observado na execução que tramitou perante a Justiça do Trabalho, resta claro o motivo pelo qual apenas 50% do bem foi penhorado e arrematado. A limitação do gravame e, depois, da alienação forçada a apenas metade do bem teve por objetivo preservar a meação de Sonia, que, como se viu, não figurava como executada na ação trabalhista. Entendeu-se, que Sonia não era devedora e nem responsável pela solução do crédito trabalhista executado.

Assim, como a arrematação recaiu tão somente sobre a meação de Roberto, do bem que o casal titularizava restou a meação de Sonia. Esses 50%, todavia, não permaneceram sob mancomunhão ou sob condomínio. Trata-se de bem que passou a ser próprio ou particular de Sonia, não estando sujeito a partilha em divórcio ou em inventário.

Não haveria sentido preservar a meação do cônjuge por dívida alheia, para, ato contínuo, submeter a cota parte à partilha. Não fosse assim, novos credores do marido poderiam promover sucessivas penhoras sobre a meação, que em pouco tempo estaria esgotada. Dizendo de modo mais simples, por meio oblíquo a meação do cônjuges não devedor seria consumida por dívidas do outro. Conquanto não citado no art. 1.659 do Código Civil[2], a meação excluída da penhora por dívida que não favoreceu o casal não entra na comunhão de bens.

Nesse sentido é a posição de Carlos Alberto Garbi, manifestada em artigo denominado “Bem comum, comunhão, condomínio e separação de fato“:

É bem particular também a meação que o cônjuge excluiu judicialmente da penhora por dívida que não aproveitou ao casal. Essa meação constitui, portanto, bem particular do cônjuge, de forma que, dissolvido o casamento, não haverá partilha sobre esse bem” (artigo publicado em 8/12/2021 disponível em https://www.migalhas.com.br/coluna/novos- horizontes-do-direito-privado/356211/bem-comum-comunhao- condominio-e-separacao-de-fato).

Portanto, a exigência de prévio registro do inventário dos bens deixados por Roberto Petrucci não se sustenta, uma vez que o respeito ao princípio da continuidade independe de tal providência.

A segunda exigência, por outro lado, deve ser mantida.

Isso porque, como destacado pelo registrador, o acordo formalizado por Sonia e JHMO Empreendimentos e Participações S/A (fls. 603/605) e depois homologado judicialmente (fls. 609/610) não foi propriamente uma adjudicação- embora rotulada como tal – mas uma compra e venda.

A adjudicação ocorre no curso de execução ou de cumprimento de sentença, após a penhora e a avaliação do bem (art. 876 do CPC). No caso dos autos, houve um simples acordo no curso da fase de conhecimento de ação de extinção de condomínio. Tratou-se, desse modo, de compra e venda de 50% do imóvel, por meio da qual a condômina JHMO Empreendimentos e Participações S/A, adquiriu os outros 50% pertencentes a Sonia, pagando o respectivo preço.

Pouco importa o rótulo do contrato atribuído pelas partes. O relevante para definir sua natureza e tipo não os elementos do contrato: no caso, a coisa hábil, o preço em dinheiro e o consenso levam à conclusão de se tratar de compra e venda celebrada no curso da demanda.

A apelante, no entanto, recolheu o ITBI como se adjudicação tivesse ocorrido, utilizando unicamente o valor de R$ 200.000,00 como base de cálculo do tributo, sem considerar, por exemplo, que assumiu dívida milionária de IPTU que recaia sobre o bem (fls. 603).

Assim, considerando que o Oficial demonstrou que o valor venal do bem é muito superior a R$ 200.000,00 (fls. 5) e que cabe ao registrador fiscalizar o correto pagamento dos impostos devidos em virtude de atos que lhe são apresentados (art. 289 da Lei nº 6.015/73 e art. 30, XI, da Lei nº 8.935/94), o recolhimento a menor do ITBI impede o registro do título.

Mantido um dos óbices ao registro, a procedência da dúvida permanece.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Nota:

[1] Art. 843. Tratando-se de penhora de bem indivisível, o equivalente à quota-parte do coproprietário ou do cônjuge alheio à execução recairá sobre o produto da alienação do bem.

[2] Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:

I – os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;

II – os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;

III – as obrigações anteriores ao casamento;

IV – as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;

V – os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;

VI – os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;

VII – as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes. 

(DJe de 03.02.2025 – SP)