CSM|SP: Direitos reais – Renúncia à propriedade imobiliária – Inscrição recusada – Bloqueio judicial da matrícula e dívidas tributárias não impedem o registro – Dúvida procedente por outro motivo – Recurso provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1014156-82.2024.8.26.0309, da Comarca de Jundiaí, em que são apelantes JOSÉ AURELIO PIOVESANA e DAIRCE FURLANETO PIOVESANA, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE JUNDIAÍ.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 4 de fevereiro de 2025.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1014156-82.2024.8.26.0309
APELANTES: José Aurelio Piovesana e Dairce Furlaneto Piovesana
APELADO: 2º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Jundiaí
VOTO Nº 43.679
Direitos reais – Renúncia à propriedade imobiliária – Inscrição recusada – Dúvida procedente – Recurso provido.
I. Caso em exame. 1. O Oficial negou o registro porque incompetente, diante da localização do imóvel, situado na circunscrição imobiliária do RI de Várzea Paulista/SP. Reportou-se, ainda, ao bloqueio da matrícula e à existência de débitos tributários vinculados ao imóvel, fatores também impeditivos da inscrição do ato renunciativo. 2. Os suscitados afirmaram a inaplicabilidade do princípio da territorialidade e a impertinência dos demais óbices levantados, porque potestativo o direito à renúncia. Irresignados com a sentença que julgou procedente a dúvida, apelaram.
II. Questões em discussão. 3. Competência do 2.º RI de Jundiaí. 4. Natureza do ato de registro requerido. 5. Registrabilidade do título, à luz do bloqueio judicial e dos débitos tributários.
III. Razões de decidir. 6. A renúncia à propriedade imobiliária, negócio jurídico unilateral dispositivo, abdicativo, não-receptício, depende do registro (em sentido estrito) do ato renunciativo, inscrição com eficácia constitutiva. 7. O registro deve ser efetuado no lugar em que situado o imóvel, no RI de sua circunscrição territorial, cuja competência é exclusiva. Essa é a regra, não excepcionada no caso em apreço. 8. A incompetência do suscitante e o bloqueio judicial da matrícula, então obstativo de novos assentamentos, impedem o registro pretendido. 9. A cessão de direitos sobre o imóvel, privando os proprietários/renunciantes de legitimidade, do poder de disposição jurídica, também representa obstáculo à inscrição.
IV. Dispositivo. 11. Recurso desprovido.
Legislação citada: Lei n.º 6.015/1973, arts. 167, I e II, 2), 169 e 214, § 4.º; CC, arts. 1.275 e 1.316; NSCGJ, t. II, item 10, caput e II, do Cap. XX.
O Oficial, ao suscitar a dúvida, escorou-se no princípio da territorialidade, em sua incompetência, para negar registro à escritura pública de renúncia de propriedade submetida ao seu exame. Sustentou que o bem imóvel descrito na matrícula n.º 33.130 do 2.º RI de Jundiaí, do qual o casal/renunciante José Aurélio Piovesana e Dairce Furlaneto Piovesana é proprietário de uma parte ideal, está localizado no bairro do Mursa, Município de Várzea Paulista, que conta com Registro de Imóveis desde dezembro de 2009.
Em acréscimo, ponderou que o imóvel está bloqueado por ordem judicial e apresenta débito tributário municipal imputável aos renunciantes. Reviu, contudo, a exigência de concordância dos demais condôminos e, por fim, levantou a falta de certidão negativa expedida pelo RI de Várzea Paulista dando conta da inexistência de abertura de matrícula naquela circunscrição e de procuração dos renunciantes ao apresentante do título (fls. 1-13).
Os suscitados/renunciantes, em sua impugnação, então expressando sua irresignação em relação à desqualificação registral, em manifestação acompanhada de procuração outorgada ao apresentante do título, advogado por eles constituído, e de certidão negativa expedida pelo RI de Várzea Paulista, argumentaram: ainda não há matrícula do bem imóvel no RI de Várzea Paulista; a renúncia não integra a lista de atos do art. 167 da Lei n.º 6.015/1973, logo, inaplicável o princípio da territorialidade previsto no art. 169, caput, da Lei de Registros Públicos; é do suscitante a competência para registrar o título relativo à renúncia; a dívida tributária e o bloqueio não são óbices à inscrição requerida, seja porque envolve direito potestativo, ato renunciativo, incondicionado, seja porque a autorização judicial referida na dúvida não é privativa do Juízo que determinou o bloqueio; enfim, o título comporta registro (fls. 92-98).
Inconformados com julgamento procedente da dúvida registral, alicerçado na incompetência arguida pelo Oficial (fls. 108-109), os suscitados, reproduzindo os termos da impugnação, acrescidos de esclarecimentos referentes às razões da renúncia, pretendem a reforma da sentença e, portanto, o registro da escritura pública de renúncia de propriedade (fls. 119-125).
A d. Procuradoria-Geral de Justiça, em seu parecer de fls. 180-181, opinou pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
1. Os suscitados, ora recorrentes, exibiram, por ocasião da impugnação, a procuração outorgada ao apresentante do título, Dr. Glauco Gumerato Ramos, advogado por eles constituído (fls. 99). Além disso, demonstraram, quando da prenotação, a inexistência de matrícula aberta no RI de Várzea Paulista relativa ao imóvel objeto da matrícula n.º 33.130 do 2.º RI de Jundiaí: suficiente, aqui, a certidão de fls. 73, depois roborada pela de fls. 100-101, expedidas pelo RI de Várzea Paulista.
In casu, proprietários de parte ideal correspondente a 14.742,00 m² do bem imóvel descrito na matrícula n.º 33.130 do 2.º RI de Jundiaí, designado por Gleba E, localizado no antigo Sítio do Gut, Bairro do Mursa, no Município de Várzea Paulista, cuja área é de 328.176,20 m² (fls. 14-62, r. 14), não se conformam com o juízo de desqualificação registral que recaiu sobre a escritura pública de renúncia de propriedade, título objeto de fls. 69-72.
2. A renúncia é negócio jurídico unilateral dispositivo, é negócio jurídico abdicativo, sem contraprestação, inconciliável então com qualquer correspectivo. O que a caracteriza, assinala Pontes de Miranda, “é a deixação do que é valor para alguém (direito, pretensão, ação, exceção), por manifestação de vontade, que é bastante, em si, para isso ….”[1]
Com a renúncia, despoja-se o titular de seu direito, sem transferir a titularidade a outrem. Nas palavras de José Paulo Cavalcanti, “quaisquer outros efeitos são estranhos ao negócio renunciativo.”[2] As renúncias chamadas translativas, as realizadas em benefício de pessoas determinadas (in favorem), não são verdadeiramente renúncias, mas sim alienações.[3]
Nessa linha segue Antonio Junqueira de Azevedo, ao pontuar que “as renúncias têm por efeito a disposição ou abdicação de um direito ou de outra posição jurídica ativa. … Diz-se que a função econômico-social da renúncia é a pura e simples abdicação, e não a transmissão a outrem daquilo a que se renuncia. …”[4]
Potenciais vantagens, eventuais benefícios associados à (consequências da) renúncia são, aí, sempre indiretos, mediatos; dela não decorrem, mas da lei. O renunciante nada transmite. A renúncia não é atributiva, não é causa de deslocamento patrimonial. Se translativa fosse, “confundir-se-ia com a alienação, a transferência”; a renúncia “só indiretamente aproveita a outrem. Quem renuncia só perde …”[5]
Seus motivos psicológicos, assim como, de modo geral, os motivos do negócio jurídico, são irrelevantes. Pouco importa, nessa senda, as razões, expostas na peça recursal, que levaram à renúncia da propriedade.
3. A renúncia da propriedade, importando sua perda, perda relativa (uma vez que não implica a supressão do direito do mundo jurídico, o que se daria, v.g. com o perecimento da coisa, causa, aí sim, de extinção do direito, de perda absoluta), exige, em se tratando de bem imóvel, o registro do ato renunciativo na serventia predial (cf. art. 1.275, II e par. único, do CC), tornando a coisa, assim, sem dono (res nullius).
É não-receptícia (como, de maneira geral, a renúncia de direitos reais); “independe de aceitação de quem quer que seja. …
Mas para produzir efeitos, mister se faz, em nosso direito, que o ato renunciativo seja transcrito no Registro de Imóveis. …”[6] E recaindo sobre imóvel de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País, deve ser instrumentalizada em obediência ao requisito formal do art. 108 do CC, por meio de escritura pública.
A renúncia produz efeito de perda da propriedade no momento no qual o título ingressa na serventia predial. A publicidade registral é constitutiva. “No caso de imóvel, os efeitos da abdicação do exercício das faculdades inerentes ao domínio se subordinam à transcrição do ato renunciativo no respectivo Cartório de Registro de Imóveis”[7], ao registro do título correspondente no fólio real.
A perda se opera por meio da inscrição do título no registro predial, indispensável à configuração da renúncia à propriedade imobiliária. Sem o registro, imprescindível, não há, não ao menos pela renúncia, perda da propriedade imobiliária. A abdicação é, aí, solene, a distingui-la da que caracteriza o abandono, também causa de perda da propriedade (cf. art. 1275, III, do CC). A inscrição, portanto, vale frisar, tem eficácia constitutiva.
4. Trata-se de registro em sentido estrito. Ao referir-se ao registro do ato renunciativo, o Código Civil não empregou o vocábulo em seu sentido lato. A propósito, tal Diploma legal não desconhece a distinção entre registro e averbação, a dicotomia registro-averbação; em seu corpo, aliás, em mais de uma passagem, reportou-se à averbação (por exemplo, nos arts. 10, caput, 45, 51, § 1.º, 289, 1.003, par. único, 1.057, par. único, 1.063, § 3.º, 1.118, 1.485, 1.487-A, § 2.º, 1.493 e 1.500 do CC).
Sob essa lógica, quanto à espécie de assento registral, prevalece a opção do legislador pelo registro stricto sensu, suficiente em si. A falta de textual alusão, no rol do art. 167, I, da Lei n.º 6.015/1973, ao registro (em sentido estrito) da renúncia, não é óbice; é suprida pela regra textual do art. 1.275, par. único, do CC. A enumeração taxativa dos títulos/fatos jurídicos registráveis alcança os estabelecidos fora da Lei de Registros Públicos; ora, o número é fechado porque não se pode, sem amparo em lei, promover registro em sentido estrito.
Por sua vez, a referência feita, no art. 167, II, 2, da Lei n.º 6.015/1973, à averbação (por cancelamento) da extinção de direitos reais diz respeito aos direitos reais menores, aos direitos que oneram, comprimem a propriedade, que modificam o status do imóvel e diminuem o direito de propriedade. São os denominados direitos reais sobre coisa alheia (gozo e fruição, garantia e aquisição) Quer dizer, não abrange a perda da propriedade (do direito real máximo, direito real maior) pela renúncia, logo, não leva à averbação do ato renunciativo.
Prepondera, assim, também sob essa perspectiva, o tratamento específico dado pelo Código Civil.
5. A inscrição requerida, registro em sentido estrito, há de efetuar-se no lugar em que situado o imóvel, no Registro de Imóveis de sua circunscrição territorial. Ora, em conformidade com o princípio da territorialidade, então inferido do art. 169, caput, da Lei n.º 6.015/1973[8], reproduzido (em linhas gerais) pelo item 10 do Cap. XX das NSCGJ, t. II, a competência de cada uma das serventias prediais é exclusiva.
O princípio da territorialidade, assinalam Décio Antônio Erpen e João Pedro Lamana Paiva, “delimita a atuação do Registrador imobiliário. O exercício das funções delegadas do Ofício Imobiliário deverão ser realizadas dentro da área territorial definida em lei, sob pena de nulidade (art. 169, da LRP).”[9] O agir do Registrador, por conseguinte, está limitado a uma determinada circunscrição.
Os atos de registro e averbação devem ser realizados na serventia predial da situação do bem imóvel. Essa é a regra geral. Sobre o tema, precisa é a advertência de Afrânio Carvalho: “a inscrição efetuada em lugar diferente não preenche sua finalidade, que é publicar a existência do direito onde o interessado vai naturalmente procurar a informação.”[10]
Narciso Orlandi Neto, por sua vez, bem enfatiza: “a territorialidade é a essência da publicidade. Não haverá publicidade se descumprida a regra da territorialidade. … a regra é: só tem validade e eficácia o registro feito na circunscrição competente. …”[11]
Nessa senda, em atenção à localização do bem imóvel objeto da matrícula n.º 33.130 do 2.º RI de Jundiaí, situado no Município de Várzea Paulista, em circunscrição imobiliária pertencente ao Registro de Imóveis de Várzea Paulista, instalado em dezembro de 2009, o Oficial do 2.º RI de Jundiaí não tem, realmente, competência para praticar o ato de registro pretendido.
Decidiu corretamente, ao negar o registro. Cabe-lhe, na qualificação dos títulos, o exame da própria competência registral. Cabia-lhe, aliás, “em qualificação abreviada, que excepciona a integralidade do juízo qualificador”[12], que dispensa a análise exauriente dos aspectos relevantes à registração, recusar o registro do título, tal como procedeu quando da primeira nota devolutiva, a de fls. 65-66, que antecedeu a de fls. 67-68, mais completa, ocasião na qual, requerida a suscitação de dúvida, outros óbices ao registro foram apresentados.
Aqui, convém realçar, não está presente, em particular, a hipótese excepcional do inc. I do art. 169 da Lei n.º 6.015/1973, de acordo com a qual “as averbações serão efetuadas na matrícula … a que se referirem, ainda que o imóvel tenha passado a pertencer a outra circunscrição …” E isso porque o dissenso não envolve averbação, mas, acima se pontuou, registro em sentido estrito.
De toda forma, e a título de obiter dictum, vale ressaltar que, conforme o inc. II do item 10 do Cap. XX das NSCGJ, t. II[13], norma interpretativa do inc. I do art. 169 da Lei n.º 6.015/1973, sintônica com o princípio da publicidade registral, mesmo as averbações, tendo o imóvel passado a pertencer a outra circunscrição, devem ser feitas na serventia predial da atual situação do imóvel, salvo se demonstrada (aqui não o foi), mediante nota devolutiva (não apresentada), a impossibilidade de lá ser aberta matrícula.
Sob qualquer ângulo, consequentemente, a dúvida é procedente.
6. Superada fosse a questão da competência, o título, ainda assim, não comportaria registro.
A propriedade dos recorrentes/suscitados está situada em parte certa e determinada do bem imóvel acima identificado, descrito na matrícula n.º 33.130 do 2.º RI de Jundiaí, objeto de parcelamento irregular do solo urbano, conforme definitivamente reconhecido nos autos do processo n.º 0000295-03.2009.8.26.0655, que tramitou pela 1.ª Vara da Comarca de Várzea Paulista; compõe, logo, um suposto condomínio pro diviso, porque, na realidade, não lhes cabe uma fração sobre o todo, seus direitos incidem sobre uma parte fisicamente determinada.
Os elementos registrários, a maneira como transmitidas as frações ideais, com metragens certas, posses localizadas, forjando uma comunhão de direito, evidenciam a utilização indevida da figura do condomínio tradicional, voluntário, de modo a mascarar a implantação de parcelamento irregular do solo, situação jurisdicionalmente constatada, no processo acima reportado, onde ordenado o bloqueio da matrícula (cf. av. 95, fls. 61-62). Cuida-se de nítida situação de fraude à lei, causa de nulidade a teor do art. 166 do Código Civil.
Tal bloqueio judicial, decretado no âmbito de processo contencioso, é, em si considerado, impeditivo de novos assentamentos, de novos registros e averbações, em especial, do registro requerido. In concreto, enquanto não levantado, e na falta de específica autorização do Juízo que o determinou, é obstáculo à inscrição pretendida, aliás, nos expressos termos do art. 214, § 4.º, da Lei n.º 6.015/1973.[14]
7. Agora, a título de esclarecimento, e com o propósito de orientar futuras qualificações, convém salientar que, descaracterizada a situação jurídico-condominial, é inaplicável a regra do art. 1.316 do CC, invocada pelo Oficial na nota devolutiva de fls. 67-68, abaixo transcrita:
Art. 1.316. Pode o condômino eximir-se do pagamento das despesas e dívidas, renunciando à parte ideal.
§ 1.º Se os demais condôminos assumem as despesas e as dívidas, a renúncia lhes aproveita, adquirindo a parte ideal de quem renunciou, na proporção dos pagamentos que fizerem.
§ 2.º Se não há condômino que faça os pagamentos, a coisa comum será dividida.
Não se coloca, no caso em exame, a possibilidade de os condôminos adquirirem a parte do renunciante, mediante assunção das despesas e dívidas vencidas e futuras da coisa comum. Quer dizer, a renúncia em apreço é desprovida de potencial exoneratório, do efeito eximente de que cuida o art. 1.316 do CC, próprio de renúncia à parte ideal de propriedade em condomínio voluntário, situação diversa da aqui examinada.
Na realidade, a situação do art. 1.316 é de falsa renúncia, uma vez que a parte ideal do renunciante se transmite aos demais condôminos que assumirem seu passivo. Na realidade, o artigo de lei descreve situação de nítida cessão de parte ideal mediante pagamento pela assunção do passivo.
Nada obstante, mesmo aí, a renúncia é negócio jurídico unilateral não receptício. Logo, ainda que incidisse a regra do art. 1.316 do CC, a renúncia seria incondicionada, enfim, independeria da prévia concordância dos demais condôminos, exigência descabida, consoante admitiu depois o Oficial, ao suscitar a dúvida (fls. 1-13).
O desinteresse dos outros condôminos na assunção dos débitos levaria à extinção do condomínio, ou pela divisão ou pela alienação da coisa comum, e, eventualmente, à ineficácia da exoneração da responsabilidade em relação aos credores e aos demais condôminos, caso o quinhão do renunciante não bastasse para cobrir as despesas de conservação e de divisão da coisa comum.
Em síntese, a renúncia em discussão não depende da expressa anuência dos demais proprietários, tampouco da comprovação da quitação das despesas e das dívidas vinculadas ao imóvel.
No caso concreto, se incide bloqueio sobre a matrícula, persiste vedação tanto quanto a negócios de alienação como de renúncia.
8. Há, entretanto, um outro fato a impedir o registro do ato renunciativo.
Os recorrentes, com a apelação, noticiaram, exibindo o instrumento contratual pertinente (fls. 136-137), que, há mais de quinze anos, cederam onerosamente seus direitos sobre o bem imóvel a terceira pessoa, logo, subsistente a eficácia do negócio jurídico, estão privados do poder de disposição jurídica de sua parte ideal, não têm legitimidade (falta-lhes legitimação) para renunciar à propriedade.
A titularidade formal é aqui insuficiente. A legitimidade não se contenta com a mera titularidade de certa posição jurídica. Para que exista é ainda necessária suficiente autonomia privada para a prática do ato, ato renunciativo in casu, inexistente in concreto.
9. Diante do exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Notas:
[1] Tratado de Direito Privado: parte geral: negócios jurídicos, representação, conteúdo, forma, prova. Atualizada por Marco ardt. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 215. t. III.
[2] de Janeiro: Forense, 1983, p. 111.
[3] op. cit., p. 112-116.
[4] Renúncia a direitos contratuais … In: Novos estudos e pareceres de Direito Privado. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 91.
[5] Pontes de Miranda, op. cit., p. 216.
[6] Orlando Gomes. Direitos rea rto Theodoro Júnior. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 185.
[7] Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho, Pablo Renteria. Fundamentos do Direito Civil: direitos reais. Gustavo Tepedino (org.). Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 190.
[8] Art. 169. Todos os atos enumerados no art. 167 desta Lei … serão efetuados na serventia da situação do imóvel …
[9] Princípios do registro imobiliário formal. In: Introdução ao Direito Notarial e Registral. Ricardo Dip (coord.). Porta Alegre: SafE, 2004, p. 176.
[10] Registro de Imóveis. 2.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 154.
[11] Registro de Imóveis. 2.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2024, p. 16-17.
[12] Ricardo Dip. Sobre a qualificação no registro de imóveis. In: Revista de Direito Imobiliário. n. 29, p. 33-72, janeiro-junho 1992. p. 55.
[13] Item 10. Todos os atos enumerados no item acima são obrigatórios e deverão ser efetuados no cartório da situação do imóvel, observado o seguinte:
(…)
II – as averbações serão efetuadas na matrícula ou à margem do registro (transcrição ou inscrição) a que se referirem, ainda que o imóvel tenha passado a pertencer a outra circunscrição, sempre que a matrícula não puder ser aberta no cartório da atual situação do imóvel; a impossibilidade de abrir-se matrícula no cartório da atual situação do imóvel deve ser justificada em nota devolutiva.
[14] Art. 214. (…)
§ 4.º Bloqueada a matrícula, o oficial não poderá mais nela praticar qualquer ato, salvo com autorização judicial, permitindo-se, todavia, aos interessados a prenotação de seus títulos, que ficarão com o prazo prorrogado até a solução do bloqueio.
(DJe de 13.02.2025 – SP)